quarta-feira, 31 de outubro de 2007

JOVENS LICENCIADOS DO DISTRITO - SONHOS DESFEITOS

Tirar um curso superior é hoje algo que, ao contrário do que acontecia em anos anteriores, muitos conseguem alcançar. No entanto, arranjar um emprego na área é uma meta que nem todos conseguem alcançar. Passam-se anos a estudar e depois, muitas vezes, o destino acaba por ser o desemprego, biscates ou os balcões dos hipermercados. Os casos que agora apresentamos retratam esta realidade que, infelizmente, atinge muitos dos jovens portugueses.

Cinco pessoas. Todos jovens licenciados, com diferentes formações, mas com algo em comum, na medida em que se encontram a fazer algo que nunca sonharam ou desejaram. Foi através do Programa Conta Corrente, transmitido na Rádio Portalegre, que os conhecemos, bem como a sua história de vida. Aqui se reuniram uma mão cheia de jovens licenciados que o caminho levou por caminhos nunca sonhados: o desemprego, o balcão, o biscate.


Sandra Foto é uma dessas jovens. Natural de Fronteira, tem o curso de Animação Educativa e Sócio Cultural, da Escola Superior de Educação de Portalegre (ESEP) e, neste momento, encontra-se no desemprego. Segundo confessa, a única solução que agora encontrou foi ir para o Rendimento Mínimo Garantido depois de tantas entrevistas que fui e tantos nãos. Inscrita no Centro de Emprego há um ano, a jovem confessa que o seu pai adoeceu e começou a fazer hemodiálise,
o que fez com que a situação se tenha tornado cada vez mais difícil.

Segue-se Rosa Catarro, natural de Montemor-o-Novo, licenciada pelo Curso de Educação de Infância, na ESEP. Ser educadora sempre foi o seu sonho que, segundo revela, ainda continua a ser um sonho, porque continuo a acreditar que hei-de ser educadora e hei-de conseguir trabalhar na área que escolhi. No entanto, não faz ideia de quando será alcançado, até porque o seu contrato no Modelo, onde se encontra a vender os cartões que dão descontos e proporcionam pagamentos de diferentes formas e com bastantes facilidades, termina no mês de Novembro. A trabalhar numa área que nada tem a ver com o curso que tirou, a jovem confessa que não sabe qual será o seu futuro que, possivelmente, passará também por uma candidatura ao Rendimento Mínimo Garantido para tentar sobreviver.

João Carlos Monteiro, licenciado em Comunicação, pela Universidade da Beira Interior, começou por fazer rádio em cima de uma caixa de uma televisão antiga em 1982. Ao longo destes 15 anos, passou por rádios e jornais, exercendo também outras funções. Foi também professor, durante cerca de nove anos, no Curso Tecnológico de Comunicação, o qual o Ministério da Educação entendeu que estava a mais nos programas lectivos e terminou com ele, conta.


Marinela Sequeira, professora do Ensino Básico, licenciada no 1º Ciclo pela ESEP está também desempregada. Oriunda de Proença-a-Nova, trabalhou no hipermercado E. Leclerc, em Portalegre.
Confessando que o ensino é para mim uma vocação, Marinela Sequeira garante que quando uma pessoa desempenha outros trabalhos não se sente muitas vezes realizada e tem sempre aquele sonho de um dia poder leccionar, trabalhar na sua área. Neste sentido, revela que o seu curso é um sonho que me faz acordar todos os dias e pensar que um dia vou conseguir trabalhar na área.

O último exemplo é de Luís Martins, um jovem licenciado em Filosofia que se encontra a fazer biscates, vendendo cafés numa associação em Portalegre. Afirmando que os caminhos da Filosofia são hoje diferentes e complicados para mim, Luís Martins garante que a Filosofia continua a ser, sem dúvida, a minha vocação. Recordando que pensou em tirar um curso para leccionar, porque o objectivo era ser professor e depois porque gostava imenso de Filosofia, o jovem conta que, neste momento, está desempregado, encontrando-se a ajudar num café de uma sociedade de Portalegre. Considerando que este é um trabalho honrado, o jovem declara que costuma fazer, em casa, algumas planificações e estudos extra e que muitas das vezes pergunto-me porque é que estou a fazer isto. Sem trabalho, sem um objectivo definido, torna-se por vezes complicado, realça, acrescentando que em Portalegre as coisas estão muito complicadas para se conseguir algo.

O apoio dos familiares e amigos

Rosa Catarro conta que terminou o seu curso em Junho deste ano e que para além do Modelo não andei por grandes locais. Depois de estar licenciada, correu todos os jardins-de-infância da zona de Portalegre e concelho de Estremoz, enviou também currículos para todo o lado, desde Bragança a Faro. De momento encontra-se à espera de alguma resposta de algum lado, pois as duas que recebeu foram negativas, dado não tinham vaga para mim.

Falando das conhecidas cunhas, João Carlos Monteiro recorda que há cerca de 10 dias, através de um amigo seu, teve uma proposta de emprego. O meu amigo levou-me a falar com uma determinada pessoa e a primeira coisa que me disse foi: é licenciado não pode ser, isto porque considerava que tinha habilitações a mais, lembra. Criticando que há pessoas no Distrito licenciadas, com conhecimentos e até experiência profissional que se encontram em casa, João Carlos avança que o subsídio que recebe é uma percentagem do último vencimento que teve, e o qual dá para pagar os papéis para enviar currículos, mas que acaba e por isso é preciso ter alguém que seja uma base de sustentação para que a pessoa não fique ao abandono. A mesma opinião é também partilhada por Marinela Sequeira que confessa que, agora que está no desemprego, conta também com o apoio da família. Na sua opinião é uma pena Portugal ser um País com tantas pessoas com qualidades e capacidades, onde não se aproveitam os recursos humanos que têm. Quanto à sua experiência profissional conta no currículo com uma experiência de atendimento ao público - operadora de caixa - uma profissão que até lhe agradou, na medida em que gosto de comunicar e falar com as pessoas. No entanto, Marinela Sequeira defende que a pessoa tem sempre tendência para querer mostrar mais, porque estar numa posição limitada não me sentia realizada. Quando acabou o curso, a jovem fez ainda um estágio na Casa Museu José Régio de nove meses, também ligado ao serviço educativo com crianças, trabalhou na Vodafone e deu explicações. Contudo, não desiste do seu sonho de um dia poder exercer a sua profissão. Nunca me arrependi de ter tirado o curso, o que me arrependo é infelizmente da falta de informação que nós temos, conclui.

Confessando que o estrangeiro pode ser uma hipótese, Rosa Catarro conta que dos 38 alunos que faziam parte da sua turma apenas cinco se encontram neste momento a trabalhar. Marinela Sequeira acrescenta também que já pensou em dar um salto até outros países, porque penso que aí eles apostam mais na qualidade, nas pessoas e respeitam o trabalhador. No entanto, ainda não o fez. Quanto à jovem Sandra Foto, devido à sua situação familiar, vai agora para o Rendimento Mínimo Garantido, um apoio que conseguiu através de uma colega, se não ainda hoje estava sem saber o que fazer à minha vida, afirma. Ao fim de muitos currículos enviados para diversas instituições, na semana passada foi seleccionada para a Santa Casa da Misericórdia de Marvão. Apesar desta excelente notícia, a jovem declara que não se consegue governar com 200 euros e ainda por cima a recibos verdes uma vez por semana. Na sua opinião, é muito difícil e ninguém pode fazer a sua vida nesta situação e ainda por cima já trabalhei e tive outras experiências. Tenho já um ramo vasto na área.

Estes são apenas cinco exemplos de muitos mais que existem espalhados um pouco por todo o país. Uma realidade que não agrada mas que, infelizmente, aumenta a cada ano que passa.


Catarina Lopes
Rádio Portalegre
Fonte Nova

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AS SONDAGENS DA RUPTURA

As sondagens informam; o DN titula: Socialistas em queda livre - PSD iguala PS e Menezes já é o melhor da oposição.
Tudo parecia indicar que a consagração de José Sócrates estava integrada num percurso de excepção.
As declarações sobre as suas recusas obtiveram os aplausos dos que haviam sido ofendidos por sucessivos governos ineptos.
Pouco tempo depois, porém, apercebemo-nos de que ele, directa ou indirectamente, defendia os interesses daqueles que afirmara desprezar.
Todavia, a condescendência dos portugueses correspondia às esperanças que continuavam a alimentar, e remediavam-se com um juízo indecoroso: Quem vier a seguir será pior.

Entre o monumental dispositivo de propaganda e a conjunção da santidade das intenções, patrocinou-se a ideia de que se procurava colocar ordem ecléctica no caos proliferante legado por anteriores governos.
O álibi voltou a resultar.
Sócrates conseguiu autenticar a doce expectativa da população com uma aparência de necessidade histórica.

Não gosto de escrever isto: mas José Sócrates mentiu, descredibilizou todos os princípios de progresso e de justiça contidos na doutrina do seu partido, tripudiou sobre os códigos genéticos de uma certa esquerda, desrespeitou os eleitores e desacreditou as palavras, em nome de uma receita pessoal.
A fraude não poderia manter-se.
O confronto político estava retirado, inexistia ou se dissolvia numa inutilidade loquaz.
As coisas mudaram de figura.
A consistência deste Executivo é tão frágil que duas ou três brandas declarações de Menezes se transformaram em hecatombe.
As sondagens podem ser fluidas mas estabelecem inevitáveis indicadores.
Apavorado, Vítor Ramalho conclamou: É urgente que o PS regresse à matriz.
Interroguemo-nos para saber se é ainda possível manter viva a esperança de transformação da sociedade, que o socialismo antigo propunha e o socialismo moderno tem espancado sem clemência.

Menezes percebeu que entre a desterritorialização do Governo e do PS, a vacuidade de Marques Mendes e o arcaísmo do discurso do resto da esquerda se descortinava um espaço político de exploração.
Nem uma distanciação assinalável da esquerda nem uma aproximação demasiada à direita. Reconstruir um horizonte de legitimação do poder implica a conquista de uma base de apoio, sem qualquer tipo de superstição ou de preconceito.
As velocidades interiores de Menezes podem sobressaltar os mais virtuosos, mas tornou-se inevitável que, em política, cada momento exige a invenção de um comportamento.

Escrevi, nesta coluna, que o debate iria animar.
Para governo e conceito de José Sócrates lembro um velho ditado:
Quem melhor cama fizer nela se deitará.

B.B.

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O SUÍCIDIO


De reforma em reforma, a educação em Portugal aproxima-se do seu alegre suicídio.
Mas a triste realidade deste sítio é que quem faz hara-kiri, após cada revolução pedagógica, é o próprio Ministério da Educação.
É simplesmente confrangedor ver ministros, uns após os outros, anunciarem a reforma, e a estrutura administrativa servir-lhe o menu envenenado com que vão chacinando as escolas e o que lá se ensina.

Cada reforma é a forma mais honesta de sucessivos ministros colocarem a sua cabeça no cadafalso.
É curioso como o fazem, encaminhados pela administração que promete reformas pedagógicas e sistemas financeiros mais eficazes e baratos.
É assim que, ano após ano, se fecham escolas, se coloca em causa a existência de faltas como meio disciplinar, se cria o mito das percentagens de sucesso escolar como se isso fosse símbolo de sapiência, se destroem disciplinas que questionam a sociedade (substituídas por outras de vulgaridades e de educação cívica), se colocam professores contra o Ministro, pais contra professores (que foram colocados como responsáveis da educação que não têm em casa) e alunos contra tudo e contra todos.
Há um sinistro e sombrio grupo de gurus pedagógicos que têm, com uma eficiência estalinista, vindo a destruir a escola pública.
Não é por acaso que o ensino privado é, nos rankings, melhor do que o público.
É-o por muitas razões, mas também porque o Ministério da Educação vem, há anos, a disparar sobre o seu próprio parco neurónio. E depois derramam-se lágrimas de crocodilo.


F.S.

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terça-feira, 30 de outubro de 2007

TAVEIRA PINTO A CONTAS COM A JUSTIÇA [NOVAMENTE...] {Parte II }

PRESIDENTE DA

CÂMARA MUNICIPAL

DE PONTE DE SOR

ACUSADO

DE

15 CRIMES

Clique nas imagens para ler na integra


Para ler a Parte I deste post veja (AQUI)

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segunda-feira, 29 de outubro de 2007

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE ELVAS


Miguel Ângelo Rocha, "Maqueta para Paisagem",
1997 (35 x 55 x 35 cm)

APRESENTA NOVAS OBRAS

Algumas Paisagens no MACE são o título da exposição inaugurada no passado sábado dia 27 de Outubro, às 18 horas , no Museu de Arte Contemporânea de Elvas (MACE).

Trata-se da renovação das peças expostas desde 6 de Julho passado, agora com trabalhos em pintura, escultura, vídeo e instalações, igualmente pertencentes à Colecção António Cachola, onde a temática da paisagem inspirou os artistas.
Pode visitar as novas obras no
horário de Inverno em vigor: quarta a domingo das 10 às 13 horas e das 14 às 18 horas, terça-feira das 14 às 18 horas e encerra às segundas e terças de manhã.

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domingo, 28 de outubro de 2007

UM EXERCÍCIO DE OBEDIÊNCIAS E DE SERVIDÕES


De todas as vezes que José Sócrates cumprimenta um dos senhores da Europa, creio que se julga entre pares. Com perdão da palavra, José Sócrates labora num erro. Ele é um entre muitos outros; porém, estes, acaso com mais virtudes, e certamente mais apetrechados politica e culturalmente.

Em tempos, numa desastrada entrevista ao severo e pesado Expresso, confessou ser um animal feroz. A ferocidade demonstrada inclina-se para um dos lados: o dos desfavorecidos, dos desprotegidos, dos marginalizados. Parafraseio o poeta: ele deixa comer tudo e não nos deixa comer nada.

O Tratado de Lisboa, que ninguém assim designa a não ser o nacionalismo pacóvio de uma Imprensa patusca, chapou, historicamente, uma frase chula: É porreiro, pá!, e um abraço místico entre Barroso e Sócrates, muito contentes com as audácias um do outro. É curto e é tolo. O teor do documento passou ao lado de milhões de pessoas. Poucos sabem do que se trata. Os habituais turiferários do poder socialista e os costumeiros direitinhas fizeram coro nas hossanas. É uma vergonha moral e intelectual que ninguém se desse ao trabalho de desconstruir, para esclarecimento dos íncolas, as malfeitorias que o pacto dissimula. Disseram-me que Miguel Portas e Ilda Figueiredo tentaram desmontar os incestuosos parágrafos, nos quais se limita a já módica capacidade de acção da arraia-miúda. Não dei por isso. Porém, li, com irritação, editorialistas que se tomam como filósofos e escrevem como eguariços; e colunistas de uma nota só, complicados, artificiais e ignorantes.

Sei que o Tratado de Lisboa é um exercício de obediências múltiplas e de servidões várias. Esta estranha fórmula de enganar o povoléu e de converter a dependência em glória começa a constituir tradição nas desafortunadas aventuras da política portuguesa. Nada, no documento, preserva o que resta da Europa Social, para defesa do que a União foi criada – ou, pelo menos, o que seria o desejo dos seus primitivos fundadores. Demonstra, o que se conhece do texto, uma clara ou dissimulada sedimentação jurídica do capitalismo mais ortodoxo; seja: selvaticamente neoliberal. Sei muito bem que esta definição fere os ouvidos mais sensíveis de deliciosos comentadores do óbvio. Também sei que ela pode ser entendida como anacrónica demagogia. Os cálculos são-me indiferentes. Mas a glosa dos paladinos da santidade do documento deixou de ser um género literário, mais ou menos inofensivo, para se transformar num instrumento ideológico extremamente agressivo. Contra quem? Contra o mundo do trabalho.

O Tratado de Lisboa não é uma fraude porque existe. E se assim ele existe é porque foi albardado à vontade dos senhores da Europa, da qual, rigorosamente, nós fazemos parte mínima. Fala-se do Império, consignando-se, nesta fórmula, a hegemonia norte-americana. Oculta-se a edificação deste novo Império europeu, que recorre a todos os capítulos da Direita (sobretudo a Direita social-democrata e socialista) para cimentar o seu poder. A ideia não é nova. E a história da Europa está juncada deste rosmaninho imperial. Agora, a anunciação põe em jogo as ambiguidades ideológicas da época, e sussurra que esta União pretende acautelar-se ou, acaso, defender-se dos excessos dos Estados Unidos.

Disfarça-se a evidência de que a história da Europa é uma história de guerras e de incomensuráveis interesses económicos. Basta ler o velho Arnold Toynbee, cujo Étude de l’Histoire continua a ser uma referência magistral, ou passar um olhar diletante por O Nascimento da Europa, Edições Cosmos, para se compreender o que está em causa. A União Europeia não é a Meca do shopping ao serviço das populações. É um dos processos utilizados pelo capitalismo, renovado com a queda do Muro de Berlim, para tripudiar sobre o que, no século XX, custou o preço do sangue, da tortura, da fome, da miséria e da morte de milhares e milhares, até milhões, de trabalhadores. Para quem presuma que estas conclusões pertencem ao breviário marxista recomendo, vivamente, a leitura de Economia e Sociedade-Fundamentos da Sociologia Compreensiva, de Max Weber, conhecido pelo anti-Marx.

É porreiro, pá! ficará como uma espécie de senha do absurdo. Aqueles dois selaram, num fértil abraço, os equívocos de um texto cuja natureza e significado nos foi escamoteado. A gravidade extrema do caso consiste nisso. Nada sabemos do complexo entrelaçamento das forças sociais, políticas e ideológicas, naquilo que se pretende definir como Europa e realizar como Europa. O embuste foi mobilado com esta inconsequência: o que se concretiza não é, inequivocamente melhor, do que o não-concretizado.

Estamos, lentamente, a perder tudo. O cerco e o esmagamento funcionam como tenaz, em nome não se sabe de quê, mas intensamente produzidos por um dispositivo insidioso que propõe outros amanhãs que cantam. Os movimentos que animaram Portugal, durante o fascismo e até à década de 80, possuíam um vigor que permitia todos os sonhos de renascimento. O 25 de Abril decorria dessa relação e favorecia uma outra e quase desmesurada dimensão da esperança. Porém, a prosperidade da utopia não dispunha da força dos seus antagonistas. E chegámos a isto. O mundo dos enganos, o marquetingue e uma Imprensa apenas canora, distanciada e turva facultaram todas as oportunidades de triunfo a um novo conceito, marcado pela ausência de valores humanistas e de padrões solidários.

Qualquer pessoa de boa formação não tropeça neste êxtase que fragmenta a sociedade e traça, dramaticamente, uma fronteira entre os portugueses, provocando o ódio, o ressentimento e o rancor. Como há quarenta anos.


B.B.

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DA MENTIRA COMO VIRTUDE POLÍTICA

Há os que sabem tudo e hoje dirão: "Os políticos sempre mentiram." Pode por isso parecer ingénuo ficar surpreendido com o modo como a mentira se instalou na vida política. Mas a verdade é que o hábito vem ganhando contornos inéditos. Quase todos a usam. Quase todos a perdoam. A mentira é corrente. Ganhou novas feições. É por vezes obrigatória. Recomendável, de qualquer maneira. Até sinal de esperteza. Nas relações humanas e familiares, a mentira é castigada. Nos empregos, condenada. Na justiça, apesar de o perjúrio ser olhado com complacência, é mal vista. Mas na política... Na política... É apreciada. Se um político mente para dar emprego aos seguidores, derrotar os adversários ou enganar parceiros, o seu gesto tem todas as probabilidades de ser festejado.

A mentira, a fria mentira transformou-se em instrumento de governo. Há muito que os políticos mentem, aqui e ali. Mas sempre com alguma má consciência. Ou desculpa. Ou sentimento de culpa. Agora as coisas mudaram: mentir é possível, simples e necessário. Sem remorsos nem correcção. Se a intenção é boa, qualquer meio serve e a mentira é necessária. Com a guerra do Iraque, ficou consagrado o direito dos governantes à mentira.

Há quem pense que a mentira é reservada às ditaduras. Sem imprensa livre, escrutínio parlamentar ou oposição legal, qualquer ditador mente quanto e quando lhe apetece. Isso é verdade. Com a democracia, tudo seria diferente. A liberdade de expressão e a imprensa seriam suficientes para conter a mentira. O Parlamento, os partidos e as associações de interesses obrigariam os governos a dizer a verdade. As eleições seriam um correctivo para os políticos mentirosos: exigentes, os eleitores castigá-los-iam. Infelizmente, nada disto é verdade. A democracia vive hoje da mentira. Sob todas as suas formas: ocultação, contradição, correcção, circunstância superveniente ou melhor ponderação. A política tem regras parecidas com as que vigoram no futebol, nalguns negócios e na guerra: o único critério importante é ganhar. Só são condenados os que mentem e perdem. Os que mentem e ganham são respeitados.

Não aumentar os impostos é uma mentira clássica. Criar emprego é outra. Tal como aumentar as pensões e os abonos de família. Durão Barroso e José Sócrates, por exemplo, oferecem-nos ilustrações inesquecíveis deste género de mentiras. Apesar de totalmente irresponsáveis, as promessas de criação de empregos teriam uma desculpa: as dificuldades económicas tê-los-ão impedido de concretizar tão gloriosas promessas. É demagogia, mas chama-se-lhe mentira piedosa. Com os impostos, a experiência é mais radical. Os candidatos a primeiro-ministro garantiram, um que baixava os impostos, outro que os não aumentava. Ambos decretaram sólidos aumentos dias ou semanas depois de tomarem posse. As desculpas não se fizeram esperar: não sabiam que a situação financeira do país era tão grave quanto a encontraram! É extraordinário como, para desculpar uma mentira, os primeiros-ministros não se importaram de se confessar ignorantes, incompetentes e irresponsáveis!

Durão Barroso prometeu, antes das eleições, "um choque fiscal" e garantiu que diminuiria os impostos, sobretudo os que incidem sobre as empresas. Não fez nada disso, antes pelo contrário. Mentiu. Mas as suas mentiras passam por ser outra coisa - correcções motivadas pelo conhecimento dos números e dos factos. José Sócrates garantiu, antes das eleições, que diminuiria o número de funcionários públicos em dezenas de milhares, que criaria 150.000 empregos e que não aumentaria os impostos. Não fez nada disso, antes pelo contrário. Mentiu. Mas as suas mentiras passaram por inocentes necessidades.

O PSD e o PS têm, a propósito dos referendos em geral e do referendo europeu em particular, uma longa folha de serviço de mentiras e negações. Já foram a favor e contra várias vezes. O critério é o das conveniências, não o do programa ou da convicção. Se o referendo incomoda o adversário, são a favor. Se correm riscos, são contra. Se a matéria causa mal-estar dentro do partido, são a favor. Se têm de submeter os seus projectos à vontade popular, são contra. Actualmente, está nos programas do PS e do PSD, consta das promessas eleitorais de um e de outro, faz parte do programa do Governo de José Sócrates. Nada disso tem qualquer importância. O PSD é agora contra. E os dirigentes do PS, incluindo alguns ministros, já são contra. Quanto ao primeiro-ministro, só se pode pronunciar em Janeiro, o que é uma desculpa infantil. A verdade é que esta é a mais frequente das variedades da mentira, mas que parece também ter o perdão da opinião pública e a desatenção da imprensa. Não fazer o prometido, deixar de o fazer ou fazer outra coisa é uma forma de sublinhar a mentira original. Mas também passa, na política, por benigno constrangimento.

Será esta mais uma triste sina portuguesa? Nem sequer. A mentira tem-se transformado, nestas décadas, na moeda comum das democracias ocidentais. A guerra do Iraque é, a este propósito, um caso para estudo. As mentiras de George Bush e Tony Blair, dos seus governos e serviços de informação, ultrapassaram tudo o que se conhecia. Sobretudo pelas consequências mortais para tanta gente. Ao lado, as mentiras de George Bush pai, sobre os impostos, de Nixon, sobre tudo, ou de Clinton, sobre o sexo, foram quase inocentes.

Quanto à União Europeia, nem precisa de mentir: os seus ministros usam e abusam do novo hábito. O ministro Manuel Pinho confirmou que a mentira tem vigorado com rigor na União Europeia. Diz ele, em artigo do Diário de Notícias (de que é co-signatário com dois comissários da UE): "A partir de agora, o que a Europa faz e o que a Europa diz são uma e a mesma coisa"! Ficámos a saber, por vozes autorizadas, que a União mentia. Só não sabemos é se esta declaração não passa de mais uma mentira.

Será possível contrariar esta nefasta tendência para a mentira? É difícil. Não há esperança nos deputados. Como estes se tratam sempre, uns aos outros, de mentirosos, já ninguém acredita. Se os nossos media escritos, falados ou televisivos, estivessem à altura, talvez a sucessão de mentiras não fosse tão rica. Mas também parece que, com frequência crescente, gostam do novo hábito. Que usam com volúpia. Ou perdoam com malícia.


António Barreto

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sexta-feira, 26 de outubro de 2007

NOVO LIVRO DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO



DIA 14 DE NOVEMBRO

NA SUA LIVRARIA


Ana sabia que a burra não valia muito dinheiro. As mãos de Ana eram velhas. Os dedos eram grossos e tinham riscos feitos pela lâmina da navalha de retalhar azeitonas. As palmas das mãos eram grossas e tinham o toque da superfície serrada de um tronco. As mãos do velho Durico eram magras e escuras. As costas das mãos, quando as estendia debaixo de um candeeiro de petróleo, eram suaves. As unhas eram certas por serem cortadas com uma navalha, à noite, quando a fogueira lhe iluminava o rosto. As palmas das mãos cheiravam a terra castanha e a fumo. As mãos de Ana passaram a corda para as mãos do velho Durico. As mãos do velho Durico pousaram duas notas nas mãos de Ana. A corda na mão do velho Durico era pesada e áspera, quando a puxava havia um movimento do corpo da burra que o seguia. Com aquela corda, puxava um corpo. As notas na mão de Ana eram muito leves, como se fossem feitas de teias de aranha, como se fossem uma camada de pó ou qualquer coisa invisível. Ana, o anjo e a cadela entraram nas ruas da vila, atravessaram-nas e, quando chegaram à estrada do monte, sabiam que havia um lugar dentro deles, o interior de uma gota de chuva, onde faltava algo que tinham perdido para sempre.




José Luís Peixoto tem um novo livro.
CAL
, o título da obra, vai estar nas livrarias a 14 de Novembro e já é considerado uma das melhores obras de ficção do escritor nascido em Galveias.


Diz Eduardo Prado Coelho que a grande força [de José Luís Peixoto] está no modo como narra histórias que se dobram para dentro da sua própria loucura e no fio puríssimo de luz com que as vai reunindo e salvando do esquecimento.

CAL reúne textos de natureza diversa (3 poemas, 17 contos, 1 peça de teatro), ancorados num espaço rural e na vivência e memória dos mais velhos.
Aqui, a experiência da duração, da continuidade, funde-se com o sonho e com a loucura, num tempo fora do tempo.


Como um fio puríssimo de luz, uma ausência presente atravessa os gestos e as emoções destas figuras.
Em cumplicidade com a morte, a vida torna-se mais límpida, talvez mais pura.
A luz, como treva visível - força redentora das suas personagens -, é certamente um dos fios condutores de CAL.


Parte dos textos incluídos neste livro tiveram uma publicação limitada na imprensa escrita.
Os poemas Olhe os seus netos. Eles hão-de querer que o avô, As mulheres de 80 anos sentam-se em todas as cadeiras e A gente corremos pelas ruas da vila são aqui publicados pela primeira vez.

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QUE LINDA IDEIA!

"Vital Moreira pode ter encontrado uma solução mais consensual para o problema do modelo de ratificação do Tratado de Lisboa, que divide até os socialistas.
O constitucionalista, afecto ao PS, avançou com a ideia da ratificação parlamentar do documento e, só depois de 2009, fazer-se um referendo a sério sobre a permanência de Portugal na União Europeia.
Uma sugestão que os eurodeputados do partido vêem como
interessante."


Esta gente do PS está cada dia mais desonesta nas suas propostas.
No Programa eleitoral do PS em 2005 (Cap. V, 1.2, pág.154), dizia-se:


«O PS entende que é necessário reforçar a legitimação democrática do processo de construção europeia, pelo que defende que a aprovação e ratificação do Tratado deva ser precedida de referendo popular, amplamente informado e participado, na sequência de uma revisão constitucional que permita formular aos portugueses uma questão clara, precisa e inequívoca.»

A Aprovação já lá vai, a ratificação parece seguir o mesmo caminho, o de vir a ser feita à revelia dos portugueses.
Perante o claro incumprimento da promessa eleitoral que isso representaria, vêm-nos agora propor que referendemos uma coisa completamente diferente; a nossa permanência na U.E.
Há certamente quem seja a favor de Portugal na Europa, mas não no formato que nos querem impor.
Muitos Euro Deputados e deputados já vieram aplaudir a ideia, mas prefiro acreditar que, como disse o Vitorino, o Sócrates nos venha a surpreender e proponha a realização do referendo a este tratado.
Só teria a ganhar com isso, pelo que só compromissos feitos debaixo da mesa com outros governantes europeus, pode justificar que se recuse a faze-lo.
Mesmo neste cenário, ainda nos resta o Sr. Silva que, como já afirmou ser contra os referendos, pode roer a corda e retirar a palavra aos portugueses.
Esperemos que não.


K.

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quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O TRATADO DE LISBOA CONTADO ÀS CRIANÇAS E AO POVO

Era uma vez uma associação de Estados chamada União Europeia a que Portugal tem presidido no segundo semestre de 2007. Segundo as regras da associação, não muito diferentes das de um condomínio residencial, a administração rodava de vez em quando entre os seus membros, de modo que qualquer Estado, mesmo destituído de tamanho ou peso, assumia ciclicamente essas funções. O primeiro- -ministro de Portugal, um tal de José Sócrates, andava eufórico com a experiência. Pela primeira vez reunia-se com altas personagens da política europeia. Queria brilhar neste seu novo papel de líder da Europa e estava disposto a fazer tudo o que fosse necessário para cumprir o guião que lhe puseram à frente.

A associação União Europeia atravessava uma fase difícil.
Nos últimos anos tinham entrado novos membros do Leste, alguns turbulentos como a Polónia, e o grupo estava agitado com as mudanças de funcionamento que eram necessárias para incorporar toda a gente. Depois, alguns povos da Europa tinham rejeitado há uns anos em referendo um texto jurídico pomposamente intitulado Constituição Europeia. O fracasso da Constituição nunca foi bem digerido. O sentimento oficial era de crise, de falta de rumo, de impasse.

Então, alguém teve uma ideia: fazer um tratado que incorporasse 90% da Constituição falhada, mantendo o que já existia e introduzindo algumas inovações: um presidente fixo em vez da regra das presidências rotativas, uma comissão mais pequena, um ministro dos Negócios Estrangeiros e um método de votação que preservava o poder dos Estados grandes, ao mesmo tempo que penalizava os estados médios (como Portugal).
O tratado foi concluído sem particular demora ou divergência. De imediato instalou-se a euforia. Portugal oferecia, com generosidade, a uma Europa doente um novo tratado unificador e um líder messiânico: o nosso José Sócrates. A Nova Europa nascia em Lisboa.

No meio da festa, no circo de felicitações, no exercício de relações públicas em que a União Europeia se tem tornado, quase ninguém parou para reflectir sobre o tratado que se chamará, para nosso orgulho vazio, Tratado de Lisboa. Pois, era uma vez um tratado largamente dispensável, que pouco inova em relação aos tratados anteriores, que onde inova criará novos e sérios problemas (já se vê o conflito entre o futuro presidente permanente e o presidente da Comissão Europeia), que prejudica os interesses de Portugal e que não resolve nenhum dos problemas críticos da União Europeia: a estagnação social e económica, o afastamento das populações, o défice de legitimidade e de democracia.
Mas o ambiente geral era de alegria.

Como no interior do Titanic antes de bater no icebergue.

P.L
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O VAZIO DO...

O Governo, em Portugal, gosta de jogar Monopoly. E reserva-se o direito de desempenhar o papel de banca.
Ele distribui, parte e reparte. E está a conseguir fazer o que ninguém conseguíra fazer até hoje: fazer do país um far-west, onde a pobreza se instala impunemente.

O problema deste sítio não está, apenas, na desertificação do tecido social.
Está na pobreza de ideias de alguns dos seus líderes políticos.


José Sócrates é o mar Aral da mendicidade de ideias neste país.
Estende a mão à caridade alheia porque, manifestamente, não tem uma única.
Quando se lê a sua entrevista ao último número da revista L’Express percebe-se a dimensão do pensamento político do primeiro-ministro: é uma Arrábida esburacada por dentro.
Há, nela, uma frase que diz tudo sobre o seu vazio de ideias: O pragmatismo, de que me reclamo, significa agir na cultura do resultado.
Sócrates não é um ideólogo: é um contabilista. E o país é o seu livro de merceeiro.
O primeiro-ministro tornou-se um mero funcionário da gestão da economia, onde esquerda e direita se confundem.
Sócrates diz que sem risco, não há política, o que também é um conceito inovador.
Winston Churchill, se escutasse isto, puxaria de um charuto para não rir à gargalhada.
Sobre as relações com África utiliza a política Fausto Papetti: o saxofonista que toca para que todos gostem.
Apetece perguntar: há uma estratégia portuguesa para África?
Não se vê.
Mas o vazio ideológico, e de simples ideias, de Sócrates explica isso. E muito mais.


F.S.

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quarta-feira, 24 de outubro de 2007

VALE A PENA MANDAR OS FILHOS À ESCOLA


Ao longo dos séculos, a resposta a esta pergunta tem variado, mas uma coisa é certa: os pais só mandam os filhos à escola quando nisso vêem um benefício. Nos países protestantes, como a Suécia, os pais desejavam que os filhos soubessem ler, a fim de poderem meditar sobre os ensinamentos da Bíblia, e, nos países com uma forte mobilidade social, como os EUA, os pais ambicionavam que os filhos tivessem um diploma, por pensarem ser essa a via para subir na vida. Quanto à oferta escolar, as situações variaram: os países que procuraram modernizar-se rapidamente, como foi o caso do Japão durante o século XIX, criaram uma rede escolar alargada; os impérios a sério, como a Inglaterra, aumentaram o número de escolas, como forma de subjugar, através da cultura, os nativos.

Pela negativa - e duplamente - Portugal é um caso paradigmático. Aqui, tudo jogou contra a escolarização. Nem os camponeses queriam enviar os filhos à escola, nem, se exceptuarmos uns hiatos temporais, estiveram os governos empenhados em ensinar o povo a ler. Em meados do século XX, o país ainda era uma sociedade rural, onde não só a educação estagnara, como as aspirações populares eram reduzidas. O Estado Novo não estava interessado em industrializar o país, muito menos em formar cidadãos esclarecidos. Foi por isso que chegámos a 1974 com mais de metade da população analfabeta.

A revolução contribuiu para que muitos acreditassem ser a educação o caminho para uma vida melhor. Ao longo das últimas três décadas, os pais fizeram enormes sacrifícios para levar os filhos até à universidade. Não é raro encontrarmos empregadas de limpeza ou taxistas - os indivíduos das chamadas classes baixas com quem os intelectuais têm contacto - que alimentaram sonhos quanto à mobilidade social dos descendentes. Vendo-os desempregados, sentem-se, como é óbvio, ludibriados. É no contexto da estagnação da economia nacional que devemos abordar a questão do abandono escolar. A publicação das recentes estatísticas do Eurostat que revelam que, entre os 18 e os 24 anos, 40 por cento dos alunos - mais do dobro da média europeia - abandonaram a escola levou os responsáveis a prometer o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos. Mas as leis pouca influência terão sobre o que se vai passar. Perante a questão de ter de decidir se devem manter os filhos na escola, os pais interrogar-se-ão sobre duas coisas: em primeiro lugar, se se podem dar ao luxo de passar sem o contributo do seu trabalho (em termos sociológicos, o chamado custo da oportunidade da educação); em segundo, se aquilo que os filhos irão aprender na escola tem alguma utilidade.

Abordei este tema, no que diz respeito ao ensino primário, na minha tese de doutoramento. Entre outras coisas, pretendia averiguar se, durante os primórdios do Estado Novo, a escolaridade era bem vista pela população. Para meu desgosto, a conclusão foi a de que, para a imensa maioria, a resposta era negativa. Era-o nas regiões de propriedade minifundiária, onde uma criança de sete anos já podia tomar conta dos animais, apanhar lenha e ajudar nas actividades domésticas. Prescindir dela, enviando-a à escola, equivalia a uma descida do nível de vida da família. Um jornal de Viana de Castelo descrevia o modo como um camponês encarava a instrução primária em geral e a alfabetização das mulheres em particular. Interrogado sobre se tencionava mandar as filhas à escola, respondeu: "Nada, nada. Elas estão aqui mas é para trabalhar. Qual escola? Se lá fossem, mais tarde não lhes chegava tempo para se escreverem com os namoros". Saber escrever era um luxo destinado aos privilegiados.

Se tivermos em conta que a estrutura social dessa época não deixava antever qualquer mobilidade social, o comportamento deste camponês era racional. Numa sociedade em que as posições hierárquicas dependiam do nascimento, a instrução não proporcionava benefícios. Além de que, numa sociedade analfabeta, não saber ler estava longe de constituir um estigma. Manhoso, Salazar limitou-se a reforçar os traços retrógrados da sociedade que governou. Os resultados estão à vista: os 10 por cento de alunos de sete anos que reprovam na primeira classe são herdeiros de gerações de analfabetos.

Um momento houve, em 1974, em que tudo pareceu possível. Mas a esperança de que Portugal se pudesse tornar numa sociedade meritocrática está em vias de desaparecer. A maioria dos pais considera, mais uma vez, que não é através da escola que se sobe na vida, mas através de "cunhas". Por outro lado, olha o espectáculo dos licenciados no desemprego com espanto. Muitos, pais e filhos, pensarão duas vezes antes de continuar na escola. O problema do abandono precoce excede em muito o âmbito do Ministério da Educação: é bom que se perceba isto.

É verdade que o objectivo dos nove anos de escolaridade está praticamente cumprido. A isso ajudou, em grande medida, a evolução da sociedade portuguesa, com destaque para o facto de, na economia, o sector primário ter diminuído de forma drástica. Mais do que um bem de produção, os filhos passaram a ser um encargo. Já não há cabras para guardar, nem couves para plantar; vive-se nas cidades, onde as oportunidades para o emprego infantil escasseiam; ser-se analfabeto tornou-se uma vergonha. Em vez de vadiarem pelas ruas, mais vale, pensam os pais, que as crianças fiquem na escola, onde, mesmo que pouco aprendam, estão afastadas do perigo dos gangs. A escola passou a ser considerada um depósito, o que, na medida em que pouco dela é exigido, não é uma vantagem.

Quanto ao prolongamento da escolaridade, em nada contribuirá para diminuir a desigualdade social. A massificação do ensino encarregar-se-á de fazer diminuir o valor desse diploma. Do ponto de vista da mobilidade, o 12.º ano valerá menos do que a antiga 4.ª classe: não porque os alunos saibam menos, mas porque, ao distribuir um bem a todos, fica ipso facto desvalorizado. Os factos mais importantes são a evolução do mercado de trabalho e a melhoria dos curricula. Sem isto, o prolongamento da escolaridade apenas serve para esconder o desemprego juvenil.

Vem isto a propósito de uma reportagem, transmitida no Perdidos e Achados da SIC no último dia 13, sobre o que, passados nove anos, acontecera a um grupo de alunos da Escola Básica 2,3 da Trafaria. O que impressiona não é tanto a indisciplina pretérita, mas o facto de os rapazes estarem hoje a exercer, como se a escola nada lhes tivesse dado, a profissão dos pais (a apanha da amêijoa). No dia seguinte, Nuno Crato comentou o programa, salientando justamente a falta de ambição. O que se esqueceu ou não teve tempo de esclarecer foi que, para se desenvolver, aquela carece de um solo apropriado. Ora, no contexto em que foram educados, surpreender-me-ia que estas crianças ostentassem o achievement syndrome presente em países como os EUA. A existência de expectativas profissionais quanto ao futuro só nasce em sociedades dinâmicas. Infelizmente, não é isso que acontece em Portugal.


Maria Filomena Mónica

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terça-feira, 23 de outubro de 2007

O TRATADO DE LISBOA?

Foram umas míseras 125 mil pistolas Glock que os norte-americanos perderam no Iraque, após as entregarem os novos polícias locais.
O português comum deve pensar: que jeito elas davam aos polícias na luta contra o crime.
Mas que é isso comparado com o fogo-de-artifício do Tratado de Lisboa?
É um tema perfeitamente insignificante.

Se perguntarmos aos portugueses o que acham das Glock e do Tratado, muito provavelmente terão uma ideia mais concreta sobre as primeiras do que sobre o segundo.
A classe política diz que o Tratado de Lisboa é histórico.




Os portugueses, além de não perceberem tanta euforia, estão um pouco mais preocupados com o desemprego que vai corroendo o país.
Onde cresce o crime e as Glock são mais importantes que o Tratado.
Compreende-se assim porque é que a elite política europeia recusa os referendos.
A aprovação do Tratado de Lisboa sem haver lugar a referendos mostra que os políticos têm medo dos seus cidadãos.
Até Menezes veio dizer que é dispensável o referendo.
Vai ser convidado para o jantar com políticos que sabem comer com talheres à mesa de Bruxelas.
Mas o Tratado de Lisboa mostra como se esquecem os seus cidadãos. Quando é que a Europa, em vez de ir corroendo o seu modelo social para tentar competir num mercado global (algo que será sempre impossível) não luta, ao invés, para que a Índia e a China tenham de elevar os seus patamares sociais?
A Europa selecta continua a comportar-se como um grupo de galinhas desmioladas: não sabe para onde correr.


F.S.

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POBRES MAS FELIZES

O povo anda todo contente porque o Governo conseguiu atingir a meta dos 3% do défice, se bem que não saiba nem o que é o défice nem o que significam os 3%.

Para compreender a situação, transfira o Governo para a administração da sua casa. Imagine o meu amigo que ganha mil euros e gasta todos os meses mil e quinhentos euros. Tal significa que o meu amigo tem um défice porque gasta mais do que o que ganha. E, como andou a gastar mais do que o que ganha durante muito tempo, foi fazendo empréstimos bancários até que os bancos deixaram de lhe emprestar dinheiro.

Agora está com a “corda na garganta” e só há duas maneiras de resolver o problema: ou reduz as suas despesas correntes (deixa de andar de carro e de comer fora, não vai de férias, despede a empregada da limpeza, etc) ou tem de arranjar alguém que lhe cubra a diferença entre o que você ganha e o que você gasta.

Ora, o nosso Governo, em vez de reduzir as despesas, optou por nos sobrecarregar de impostos e de taxas, sugando-nos até ao osso, para poder manter a sua vida faustosa. Foi assim que o Governo conseguiu reduzir o défice para os 3%. Ou seja, não porque tivesse reduzido as despesas (que, nalguns casos, até aumentaram) mas à custa do nosso empobrecimento.

Mas, a fazer fé nas sondagens, temos de dar razão a Salazar: o bom povo português, quanto mais pobre mas feliz!


REXISTIR

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segunda-feira, 22 de outubro de 2007

FOI PORREIRO, PÁ!

Segundo o Financial Times, em Lisboa, alguns líderes estavam mais nervosos do que outros.
Um porque se divorciara, outro porque tinha problemas familiares e um terceiro estava com pressa de regressar ao seu país para ajudar o irmão a ganhar as eleições.
O Tratado de Lisboa fez-se de horários desencontrados e de conflitos familiares.

Semelhantes, de resto, à possibilidade de, no futuro, se servir um banquete onde todos acabem a aplaudir o chef.
A Europa comunitária reformou-se porque, de outra maneira, era impossível que 27 países se encontrassem nos corredores de Bruxelas sem tropeçarem uns nos outros.

Esta é a reforma que mereceu a mais popular frase de Sócrates desde que chegou a S. Bento (porreiro, pá!), que lhe garantirá um parágrafo na história da Europa e que será um excelente slogan de campanha em 2009.
É óbvio que este Tratado é o das elites imunes aos cidadãos da Europa.
Em Bruxelas, deve ter-se aberto mais garrafas de champagne do que em Lisboa: os executivos vão poder continuar a legislar sobre a venda de bolas de Berlim nas praias.
De resto, cria-se uma ficção: um pretenso MNE ineficaz, porque não tem poder próprio nem tropas.
Bush deve estar a rir. E assim a Europa continua a querer ser uma potência face aos EUA, à Índia e à China. Sobre a Turquia, promete com uma mão e tira com a outra para, um dia destes, acordar com a questão islâmica à porta.
O porreiro, pá! foi a atitude de desenrasca lusa à conveniência da Europa, que precisava de fingir que era uma família.


F.S.

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domingo, 21 de outubro de 2007

POR QUE RI A HIENA?



A glória e a euforia são de rigor.
O sorriso aberto e satisfeito.

A sensação de vitória vê-se na linguagem do corpo.

Sócrates venceu.
Portugal venceu.

A Europa venceu.

Todos e cada país venceram.

Como previsto, Barroso, Merkel e Sarkozy venceram.
Prodi também.
E os gémeos polacos igualmente.
Percebo por que tanta gente ri de alegria e prazer.
Percebo, mas não compreendo.

O monstro acabado de criar não dá motivos para rir.
Nem sequer sorrir. Mas o Dr. Frankenstein também sorria.


Depois de ter prometido a ultrapassagem da América nos domínios do crescimento, da ciência, da inovação e do emprego, a “Estratégia de Lisboa” foi um monumental fiasco. Segue-se-lhe o “Tratado de Lisboa”, adornado de ainda mais euforia e de ainda mais ilusões vencedoras. Este desastre de Lisboa não ficará conhecido por aqui se ter decretado uma Europa federal, comandada por franceses e alemães, distante dos povos, alheada dos problemas sociais e políticos do continente e contrária à diversidade secular dos seus povos. Não será isso, pela simples razão de que essa Europa federal nunca terá existência. O desastre de Lisboa ficará na história porque aqui se assinou um tratado que consagrou a não democracia como regime europeu e consolidou a burocracia e a Nomenclatura europeias. Ao fazê-lo, confirmou a caminhada futura para uma ilusão senil, irrealizável e não democrática. Ao tentar construir uma impossibilidade, prepararam a destruição do possível. Ao querer uma União federal, eliminam a hipótese de uma verdadeira Comunidade.

Os povos estão distantes da União e afastados da política. As instituições são fechadas e inacessíveis. A Constituição é ilegível e absurda. Os políticos são execrados pelos cidadãos. Os eleitores perderam a confiança nos seus representantes. Os europeus não conhecem, nem querem conhecer o Parlamento Europeu, uma das maiores inutilidades de que o engenho humano foi capaz. As instituições democráticas nacionais estão a definhar e alguns direitos fundamentais são postos em causa na Inglaterra, em França, na Polónia ou em Portugal. Ao mesmo tempo, as instituições europeias ganham poderes e competências, mas sem povo nem reconhecimento, sem tropas nem magistrados, sem aceitação pública nem experiência. A democracia europeia é uma ficção oca, sem substância, sem sociedade e sem vida. Este hiato, agora reforçado, entre a estratosfera europeia e as realidades nacionais e sociais é perigoso a todos os títulos. A Nomenclatura europeia criou um paraíso artificial e chamou-lhe União.


Sei que há muita gente que persiste em afirmar que tantos dirigentes, tanta inteligência, tanta capacidade diplomática não se podem enganar. Nem nos podem enganar a todos. Mas também sei que a melhor inteligência da Europa, as mais fantásticas capacidades científicas e tecnológicas e a mais ilimitada esperança na paz e no progresso fizeram, em 1914, uma das mais absurdas guerras que a humanidade conheceu. E sei que os alemães, vanguarda cultural, científica e industrial do mundo inteiro, tinham a certeza de que fundavam um império para mil anos e uma raça para a eternidade, e vejam o que fizeram. E também sei que os russos, com recursos ilimitados, com formidáveis elites políticas e intelectuais, quiseram, em tempos, criar uma sociedade sem classes, uma democracia total e um desenvolvimento económico e científico incomparável, e vejam o que fizeram.
Como sei que os americanos, que concentram nas suas mãos mais poder, mais capacidades e mais inteligência do que qualquer outra nação na história, quiseram fundar a democracia no Vietname, há quarenta anos, agora no Iraque, e vejam o que fizeram. No Iraque, muitos erraram. Muitos se enganaram. Muitos enganaram. E muitos mentiram. E eram os mais inteligentes, os mais poderosos, os mais sabedores e os que de mais informação dispunham. Os dispositivos militares e políticos americano e britânico concentram inteligência e capacidades sem rival nem precedentes. Mesmo assim, erraram.

A questão não é, obviamente, de inteligência ou de informação. É de política e de interesses. Não é muito diferente do que se passa com os dirigentes europeus. Eles não estão enganados. Enganam e mentem porque acreditam no que dizem. A Alemanha quer comprar. A França quer mandar. Juntas, pagam o que for preciso. Pagam para liquidar a agricultura e as pescas de outros. Pagam para investir nos outros países, para lhes comprar empresas e lhes fechar outras. Pagam para poder exportar. Pagam para submeter o continente às suas opções, sobretudo energéticas. Pagam para construir uma fortaleza diante das veleidades russas. Pagam para resistir ou domesticar as multinacionais. Pagam finalmente para evitar os referendos, para evitar que os povos se exprimam sobre a Europa que eles querem fazer. Pagam para construir, nas nuvens, uma ficção, a que já chamam a mais importante realização política do século XX. Tal como o Império britânico. Tal como o Terceiro Reich. Tal como o comunismo soviético.


Os europeus de hoje, isto é, os seus dirigentes políticos, com medo dos seus povos e dos seus eleitores, com receio dos americanos, ameaçados pelas multinacionais, apavorados com o terrorismo, aterrorizados pela imigração, impotentes perante o comércio asiático, têm também ao seu serviço uma capacidade intelectual, política e diplomática sem precedentes. Querem uma Europa unida ou os Estados Unidos da Europa. Vejam o que fizeram, uma Nomenclatura. Uma União que é a mais poderosa entidade na Europa actual e é também a menos democrática.


Tal como a euforia foi grande, também a crise agora vencida era enorme. Não havia crise na Europa, nem na maior parte dos seus países. Não havia crises sociais e económicas graves. Não havia democracia ou estabilidade em risco evidente. Não havia diferendos militares. A paz não estava ameaçada. Havia crise, isso sim, entre eles, entre os dirigentes políticos, entre os Estados, entre as Nomenclaturas. Fizeram a crise. Resolveram-na. Entre eles. Sem os europeus. Talvez mesmo contra os europeus.


António Barreto
Público, 21/10/2007

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sábado, 20 de outubro de 2007

O TRATADO QUE SE CHAMARÁ DE LISBOA




O "fumo branco" papal que o Público usou para caracterizar o anúncio de um novo tratado europeu que se chamará "de Lisboa" é uma imagem apropriada à coisa. Cá fora, os fiéis e a Igreja esperaram o "fumo branco", com a ansiedade do rebanho que pensa que perdeu o seu pastor e, biblicamente, espera de novo o conforto de ser pastoreada, de encontrar um bom pastor, bons cães, boa tosquia, boa erva. Durão Barroso ficou contente, José Sócrates ficou muito contente, Sarkozy ficou contente, Merkel ficou muito contente, a Bélgica ficou contente, o Luxemburgo ficou contente, Bruxelas ficou tão contente que chegou até Paris e Berlim num breve momento de abrir as penas de pavão de "capital da Europa", em dezenas de edifícios pela Europa fora, em Bruxelas, no Luxemburgo, em Estrasburgo, nas "agências" europeias da Grécia a Portugal, nos escritórios da burocracia europeia, de Talinn a Nicósia todos ficaram muito contentes, no Euronews ficaram muito contentes, nas mil e uma actividades subsidiadas pela União reinou o contentamento. O Público está muito contente e coloca-me na situação habitual de desmancha-prazeres e temo que coloque a minha péssima fotografia ao contrário, melhorando-a como efeito perverso da Europa. Como na Europa, é ao contrário que se fica direito.

O contentamento percebe-se nas suas várias modalidades. Os genuínos europeístas, federalistas na maioria dos casos, celebram mais uns passos (que consideram mesmo assim tímidos) a favor de uns Estados Unidos da Europa míticos, de uma nação "europeia" assente nos bons costumes nos direitos humanos, na cultura "humanista", no "modelo social europeu", uma potência mundial "olimpiana" que retirará aos EUA a hegemonia internacional por uma mistura de apoio humanitário, diplomacia paciente e exibição dos seus méritos multiculturais. Na cerimónia de proclamação da falhada Constituição, choraram ao ouvir o "Hino da Europa" e depois enraiveceram-se com o desaforo francês e holandês. Agora, com 90 por cento da sua Constituição fora do risco de qualquer referendo, têm razões para estar contentes.

Os europeístas tecnocráticos são outras variantes de gente contente. Eles acreditam que a racionalidade europeia é superior à das nações e tem uma certa razão prática. Os burocratas, se deixados à Lei de Parkinson, tratarão em primeiro lugar de si próprios, tratarão de alargar a burocracia, mas em seguida combaterão aquilo que acham ser a "incompetência" dos políticos. Está tudo no Sim, Senhor Primeiro-Ministro esse compêndio televisivo da democracia real. Combaterão a política e essa impureza para a dignidade do bom governo que são as eleições e os votos. Eles produzirão milhares de leis, regras, regulamentos, directivas, estudos, pareceres, notas de orientação, produtos do puro saber burocrático regulamentador, que, para além da pequena pecha de implicarem sempre mais burocratas, mais escritórios, mais "agências", são produtos iluminados de um mundo perfeito onde os barcos têm duplo casco, o silicone mamário é resistente, tudo é biodegradável, as ovelhas têm transporte adequado, os peixes estão protegidos dos pescadores, a carne, as maçãs, o vinho, o queijo, estão isentos de todas as doenças conhecidas, são inodoros, não têm sabor, brilham em embalagens etiquetadas como deve ser, e os trabalhadores devem ser muito bem tratados pelo "modelo social europeu", menos os canalizadores polacos. Centenas de Sir Humphreys no topo e milhares de Bernards na hierarquia garantem esta Europa. Há quem se converta a ela, exactamente para servir de garantia para que não haja desvarios com a moeda, com o défice, com o "monstro". Cavaco Silva passou de eurocéptico a europeísta por esta via de descrença nas capacidades endógenas de Portugal se reformar e na esperança de que, se não vai de dentro, vai de fora.
Apenas, apenas uma lista de uma pequena parte da burocracia europeia: as agências especializadas sediadas nos diferentes países da União:
* Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA)

* Agência Europeia dos Direitos Fundamentais (FRA)

* Agência Comunitária de Controlo das Pescas (CFCA)

* Agência de Execução para a Competitividade e a Inovação (EACI)

* Agência de Execução relativa à Educação, ao Audiovisual e à Cultura (EACEA)

* Agência Europeia de Defesa (EDA)

* Autoridade Europeia Supervisora do GNSS - (em preparação - Endereço temporário)

* Agência Europeia do Ambiente (EEA)

* Instituto de Harmonização no Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (OHIM)

* Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (OSHA)

* Centro de Satélites da União Europeia (EUSC)

* Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA)

* Instituto Comunitário das Variedades Vegetais (CPVO)

* Agência Ferroviária Europeia (ERA)

* Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia (ISS)

* Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (Cedefop)

* Agência Europeia de Reconstrução (EAR)

* Agência Europeia para a Segurança das Redes e da Informação (ENISA)

* Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (EUROFOUND)

* Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA)

* Fundação Europeia para a Formação (ETF)

* Centro de Tradução dos Organismos da União Europeia (CdT)

* Agência de execução para a saúde pública (PHEA)

* Unidade Europeia de Cooperação Judiciária (EUROJUST)

* Serviço Europeu de Polícia (EUROPOL)

* Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas (FRONTEX)

* Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA)

* Agência Europeia da Segurança Marítima (EMSA)

* Agência Europeia de Medicamentos (EMEA)

* Academia Europeia de Polícia (CEPOL)

* Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC)
Depois, há contentamentos menos evidentes, menos conhecidos e, acima de tudo, menos reconhecidos porque politicamente inconvenientes para o discurso mítico-heróico da Europa. São estes contentamentos que mais nos deviam preocupar no caminho que este tratado abre, na sequência, aliás, do processo europeu que já levou à falhada Constituição e leva agora à fuga aos referendos. Bem sei que, para os portugueses, cujo único interesse nacional foi pôr lá o nome de Lisboa, esta coisa de manifestar interesses é não só um absurdo "nacionalismo", como incomoda, porque há sempre alguém a quem os fundos não abafam a voz, como acontece connosco. É por isso que jornalistas e comentadores tratavam com enorme desprezo os infames "interesses nacionais", ridicularizados nos gémeos polacos, no deputado italiano a mais, no cirílico do euro, etc., etc. Ao mesmo tempo, evitavam a todo o custo analisar o tratado como expressão de interesses nacionais muito mais agressivos e eficazes como os da Alemanha e da França. A seu tempo, vão admirar-se por verem que, afinal, não é assim tão simples abafar as nações numa supra-entidade nacional que tem hoje uma lógica muito mais do interesse nacional que outra coisa.

O problema com este tratado é que ele não resolverá nenhum dos problemas actuais da Europa e criará alguns outros bem complicados. Basta concentrarmo-nos naquela que é louvada como a melhoria fundamental no funcionamento da Europa a 27, a substituição de uma regra implícita de unanimidade por regras de maioria qualificada. Esta por si só é uma mudança qualitativa que altera radicalmente os fundamentos consensuais em que a Europa de Monnet, Schumann e De Gasperi foi construída. Eles percebiam, a partir da experiência trágica da guerra, que uma "união" na Europa só era possível se todos se sentissem iguais, nem que fosse na possibilidade virtual de vetarem, e que isso implicava um enorme esforço de consenso e, logo, de "pequenos passos".

A obsessão gaullista, retomada por Chirac e Giscard, de uma Europa superpotência competindo com os EUA, conjugada à emancipação de uma Alemanha unificada dos complexos da guerra, farta de pagar "reparações de guerra" disfarçadas de financiamentos à União, levou a uma condução europeia de fuga em frente. Não resolve a PAC, não resolve a circulação de serviços, mete-se em complicações na política externa e de defesa, menospreza tudo o que no quadro dos tratados anteriores era suficiente e permanecia por potenciar e atira-se de cabeça para a engenharia política e mandou os "pequenos passos" para as malvas da história. Fez um alargamento apressado e pouco preparado e depois, assustada pelos efeitos desse alargamento na dissolução do seu próprio poder, tentou retomar as condições de manutenção de um núcleo duro e por isso precisava tanto deste tratado "reformador". Mas nenhum tratado alterará uma Europa que hoje se concentra numa França mais proteccionista e numa Alemanha que já não precisa de ninguém (ou seja, da França) para ter uma política externa própria e quer uma Europa ao modelo dos seus Länder.

Fora disso, só há ficções. Alguém pensa que uma decisão da União que seja entendida como prejudicial ao Reino Unido possa ser implementada por uma maioria de países europeus contra o Reino Unido? Tirem daí a ideia, porque, na prática, uma de três coisas resultará: ou cai o Governo inglês que aceite tal decisão sendo substituído por outro ainda mais eurocéptico, ou há mais um opting out, ou o Reino Unido sai da União, coisa aliás muito desejada pelos europeístas. O mesmo se aplica em bom rigor à França, Alemanha e Polónia. Ou seja o afã de criar maior governabilidade por sistemas de maiorias e minorias é uma receita para a prazo haver sempre ganhadores e perdedores na Europa, que terão de responder no seu país ao seu próprio eleitorado. Isto enquanto a União Europeia não conseguir substituir as eleições nacionais por eleições europeias.

Este tratado destina-se apenas a encontrar uma solução de poder para que este permaneça do lado do "motor" franco-alemão, impedindo-o de se dissolver no Leste, onde há demasiado americanismo, liberalismo, instabilidade, questões nacionais por resolver e fronteiras muito, muito incómodas, e num Reino Unido com os mesmos pecados, menos a instabilidade e as fronteiras. Claro que isto para nós é "alta política", para nós basta-nos o "de Lisboa" no nome, essa grande vitória nacional.

José Pacheco Pereira

Público, 20/10/2007

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