sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A MIÚDA QUE AÍ ESTÁ

É uma das mais pungentes fotografias publicadas, ultimamente, na Imprensa portuguesa. O "Público" editou-a na primeira página da edição de quarta-feira, p.p., e aqui é reproduzida pela grandeza e pela humanidade que expõe. E, de certo modo, representa a imagem devolvida de um país aflito e de uma juventude desesperada e exausta de mentiras e imbróglios. A miúda expõe o semblante mais triste e mais desamparado que imaginar se possa. Diz-nos, num cartaz, que "O meu país não me quer!", a exclamação trágica e memorável de exprobração a um governo que a não deseja porque a ignora.

Olhem-me para esta miúda que parece sozinha mas não está. Vejam este cartaz, simultaneamente de protesto, de aviso e de angústia. Diz-nos, a miúda, que foi abandonada, que a terra onde nasceu a não ama; e não há maior desgosto, pena mais dolorosa, do que ser largada e desprezada, nas coisas do coração.

"O meu país não me quer!" Há desdém mais penoso, desamparo mais sem remédio, solidão mais trágica e mais cavada do que estas mágoas apresentadas como se fossem sem remissão? Há?

A fotografia representa a dor humana na forma medonha de uma dilaceração. O rosto da miúda é um calvário impressionante, porém doce e singelo, como todos os sentimentos aparentemente irremediáveis. Para aonde vou agora, que a minha pátria não me quer? Que vou fazer dos meus sonhos, que são a substância definida da minha vida?

A miúda está serena, todavia resoluta como a decisão de um destino. Foi expulsa por quem não sabe que nenhum sofrimento desta natureza é medíocre, disperso, absurdo ou confuso. A miúda é uma acusação não resignada, um dedo esticado, pontual, exacto, infalível e tranquilo contra quem possui um coração oco.

É uma miúda como outra qualquer miúda, forçada a descer à rua para defender os direitos do que julgava infalível. Desceu à rua quando, na verdade, devia estar sossegada a prosseguir um destino alegre e estudioso; a amar, a amar, a amar, forma superlativa de viver.


Não existe maneira de dizer a esta miúda que há muita gente com ela; que se comoveu com esta imagem desamparada, com esta frase tão contundente como arrepiante. Não há. Como não existe modo de lhe explicar o que leva um grupo de pessoas a ser malvadas e inclementes.

O que eu gosto nesta miúda é a assunção da sua presença, e a melancolia de saber que pouco ou nada posso fazer por ela, a não ser dizer-lhe que a amo como amo os meus filhos e os meus netos, nessa enigmática e sagrada união de afecto que forma o elo da condição humana. Vi essa partilha de sujeito logo-assim reparei na grande fotografia do "Público". A miúda desabrigada, desprotegida e à espera sou eu, somos todos nós, neste luto sem tréguas, neste infortúnio selvagem.

Ela é, também, o rosto esculpido em dor que conhecemos de muitas páginas do Evangelho. Essa dor visceral e sem equívocos, que faz da condição humana a imponência da sua grandeza.
A miúda é aquilo que ali está, na pureza impressionante de um pesar convertido num protesto que não é mudo porque nos assola e invectiva a nossa consciência.

B.B.

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