MÁ SOLUÇÃO
Lei inútil, demagógica, contraproducente e despótica! Esta é a lei de uma classe política que desconfia de si própria. Que não resiste à tentação. Que conhece a existência da corrupção, mas não é capaz de a combater. É a lei de consolidação da partidocracia.
O problema está mal identificado. As soluções são más. O resultado será fraco ou nenhum. Diz o Governo que, para combater "a excessiva personalização dos cargos executivos", evitar futuros "abusos" e lutar contra a corrupção, é necessário limitar os mandatos dos eleitos.
O problema está mal identificado. As soluções são más. O resultado será fraco ou nenhum. Diz o Governo que, para combater "a excessiva personalização dos cargos executivos", evitar futuros "abusos" e lutar contra a corrupção, é necessário limitar os mandatos dos eleitos.
Fala-se disto há anos sem fim.
Finalmente, alguém deu o primeiro passo.
O Governo aprovou a proposta de lei que vai enviar à Assembleia da República.
Prevê um número máximo de três mandatos.
Os eleitos condicionados são os presidentes de câmaras e de juntas de freguesia, os presidentes dos governos regionais e o primeiro-ministro. Quase toda a gente está de acordo com o princípio da limitação de mandatos. Uns querem mais políticos abrangidos, outros menos. Uns querem menos mandatos, outros mais. Mas o consenso é quase universal. É sempre assim, quando se encontra um bode expiatório. E se este for político, o entusiasmo desdobra-se. Se for um político local, então é o paroxismo.
JÁ SE DISCUTE SE A LEI É INCONSTITUCIONAL ou não. Os argumentos são, como sempre, pesados dos dois lados. Todos admitem a retroactividade, mas, para uns, os valores superiores da isenção sobrepõem-se, enquanto, para outros, tal facto fere a Constituição. Logo se verá. Mas o problema não está aí.
JÁ SE DISCUTE SE A LEI É INCONSTITUCIONAL ou não. Os argumentos são, como sempre, pesados dos dois lados. Todos admitem a retroactividade, mas, para uns, os valores superiores da isenção sobrepõem-se, enquanto, para outros, tal facto fere a Constituição. Logo se verá. Mas o problema não está aí.
AS DIRECÇÕES NACIONAIS DOS PARTIDOS querem dominar o poder autárquico. Esse é o objectivo central. Os partidos têm ficado cada vez mais dependentes dos autarcas, seja para obter votos, seja para conseguir financiamentos. Os autarcas conseguiram, nestas duas décadas, transformar-se na principal agência de socialização partidária e as secções locais dos partidos já não vivem sem eles. Os dirigentes nacionais estão fartos de contarem, entre os incómodos, os seus próprios autarcas. Ao afirmarem que pretendem combater a "excessiva personalização dos cargos políticos", os seus defensores estão a dizer, com palavras doces, exactamente o que pensam: não querem que se estabeleçam as bases da responsabilidade pessoal na política e desejam que a burocracia colectiva e a hierarquia partidária se imponham. A classe dirigente nacional não suporta os poderes periféricos, muito menos pessoais e que não dependem de si. Quer simplesmente destruí-los. Condicioná-los. Obrigá-los a obedecer ao partido. Depois de se terem alimentado com os favores e os expedientes que os autarcas inventaram, querem agora ver-se livres deles.
SE O OBJECTIVO É O DO COMBATE À CORRUPÇÃO, a medida é totalmente inútil. E corre o risco de sair cara e de promover mais corrupção. Com efeito, vai ser necessário garantir, cada doze anos, um novo processo de acumulação primitiva. Novos autarcas "caloiros" saem mais caro do que os autarcas já instalados. Por outro lado, esta medida cria uma espécie de consciência tranquila e desatenta. Na verdade, a luta contra a corrupção tem três instrumentos essenciais: as inspecções, os tribunais e a repressão penal e policial. A limitação dos mandatos é um substituto das acções mais eficazes. Finalmente, se a corrupção é o inimigo, oito anos já é de mais. Um só breve e curto mandato é quanto basta.
ESTA PROPOSTA DE LEI É FILOSÓFICA E politicamente errada. E cínica. Considera que apenas os eleitos são propensos à corrupção e aos abusos de poder. Não limita as comissões de serviço ou o exercício de funções dos nomeados, designadamente os ministros, os altos-funcionários da administração central, os directores de serviços e de departamentos, os juízes, os funcionários das câmaras, etc. Em poucas palavras, esta lei transforma em suspeitos os eleitos, ao mesmo tempo que exonera os nomeados. Ora, é sabido que grande parte da corrupção administrativa, nacional ou local, exige a participação activa dos funcionários. Muitas vezes, são mesmo esses os principais responsáveis pelas vias "informais" dos licenciamentos, autorizações, alvarás, privilégios e excepções.
REALMENTE PREOCUPANTE É O FACTO de esta medida atingir os direitos de escolha do eleitorado. Cinicamente, tanto os defensores deste regime como a própria Constituição asseguram que a inelegibilidade de alguns "aumenta a liberdade de escolha dos cidadãos e a isenção dos eleitos"! Eis uma orientação típica das inteligências esclarecidas e correctas dos dirigentes políticos. Para bem dos cidadãos, impede-se que eles votem em certas pessoas. O próximo passo seria de retirar o direito de voto àqueles que pretendessem eleger certas pessoas! Parece caricatura, mas, no essencial, não é.
ENTRE OS ELEITOS QUE NÃO TERÃO OS seus mandatos limitados, contam-se os deputados, os vereadores municipais e os membros das juntas de freguesia. Estas excepções são moralmente inaceitáveis. E tornam a lei ineficaz e inútil. No caso dos deputados, que não têm poder executivo, a intenção é a de privilegiar os cargos "nacionais", na convicção de que essa função é colegial, depende das direcções partidárias, afasta a responsabilidade pessoal e está sob a alçada da disciplina partidária. Uma vez mais, não se trata de combater a corrupção ou o abuso de poder, mas simplesmente de proteger a autoridade do partido. Já no caso dos vereadores, a excepção é patética e absurda! Os abusos de poder e a corrupção têm, nos vereadores, alguns dos seus mais fiéis executantes e mais sólidos esteios. Protegê-los é proteger a corrupção.
OS MINISTROS CONSTITUEM OUTRO GRUPO isento de limites. A justificação seria a de não serem eleitos. Mais uma vez se confirma: o importante é a dependência do chefe do partido. Estes cargos são, por definição, os mais personalizados e os mais visíveis. Os mais executivos. Aqueles de quem dependem mais pessoas, mais recrutamentos, mais decisões, mais aprovações de projectos e mais milhões. Cumprem todos os requisitos para serem suspeitos. Mas não são. A razão é simples: não é deles a génese do poder, dependem do partido ou do chefe.
COMO TODOS OS REGULAMENTOS PORTUGUESES, feitos com o especial talento de jurista burocrata que é o nosso, também este deixa inúmeras portas abertas, cria injustiças, quase inventa os seus próprios alçapões e sugere as maneiras de contornar a lei. O catálogo é vasto. O que um "dinossauro" pode fazer ao cabo de três mandatos é ilimitado. Quem quiser, patrocina a candidatura do cônjuge ou do familiar, do amigo ou do homem de mão. Um presidente de câmara ou de junta muda de município ou de freguesia e candidata-se de novo. Um presidente de junta de freguesia candidata-se à câmara. Um presidente de câmara candidata-se a vereador ou a presidente de junta. E por aí fora. Ou, à última hora, vão também proibir esses expedientes. O que é horrível, pois equivale a destituir cidadãos de direitos políticos.
LEI INÚTIL, DEMAGÓGICA, CONTRAPRODUCENTE e despótica! Esta é a lei de uma classe política que desconfia de si própria. Que não resiste à tentação. Que conhece a existência da corrupção, mas não é capaz de a combater. É a lei de consolidação da partidocracia.
António Barreto
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