VIVERMOS E PENSARMOS COMO PORCOS
Filósofo e matemático de renome internacional, Gilles Châtelet ficou conhecido pela sua verve panfletária, e seguramente o seu documento mais incendiário é “Vivermos e Pensarmos como Porcos”, finalmente publicado entre nós (“Vivermos e Pensarmos como Porcos, Sobre o incitamento à inveja e ao tédio nas democracias-mercados”, por Gilles Châtelet, Temas e Debates, 2003).
Temos aqui uma visão crítica dos 30 anos que medeiam entre o fim da abundância, que acompanhou a idade de ouro do Estado-Providência e a consolidação da globalização e do consumidor-indivíduo.
A terceira vaga pós-industrial em que vivemos é dominada pelo tecno-populismo, a tirania da estatística, a “tartufice humanitária”, numa atmosfera da “Contra-Reforma” neoliberal em que “mercado igual a democracia igual a maioria de homens médios”. A nossa democracia já não está ao serviço da solidariedade, da autonomia da pessoa, mas do bom governo dos mercados. Governar bem é estar atento aos desejos do homem médio, mantendo em equilíbrio com o consumidor-cidadão-egoísta, o ciber-comunicador e o pobretana que se alimenta dos restos das indústrias do entretenimento com que as Sobreclasses anestesiam as Subclasses.
No essencial, o livro de Châtelet desmonta os mecanismos do discurso dominante, assente num colectivo de individualidades em que a “engenharia do consenso” faz o equilíbrio mágico da democracia dos mercados.
Se bem que ironizando em torno dos conceitos das classes médias, este libelo acusatório da pós-modernidade carnívora não esconde as suas raízes no pensamento de outro influente contestatário, Herbert Marcuse, pensador emblemático da agitação universitária do período revolucionário dos anos 60. É na linha deste pensador que Châtelet fala na “tripla aliança” (política, económica e cibernética) que é susceptível de auto-organizar as massas humanas, dando-lhes um simulacro de projecto: através do digital, cria-se a utopia de que todos os confrontos são ultrapassáveis; através da cidadania democrática aprende-se a tolerar um sistema de competitividade feroz em que o despojado já não se revolta contra o super-rico; através do consumo, estabelece-se o controlo social, gerando-se a ilusão do respeito pelas diferenças.
A denúncia da impostura, feita pelo autor, não introduz qualquer alternativa à mornidão do sistema controlado em que vivemos. O “homem médio” vive aprisionado na democracia-mercado, mas o filósofo diz que a este homem médio será possível opor o “homem-qualquer” capaz de reabilitar a excelência do político e de nos salvar num processo histórico que ultrapassa toda a rotina e todo o possível antecipado. A democracia do futuro só será válida se der uma oportunidade aos heroísmos do “qualquer um”. “Vivermos e Pensarmos como Porcos” é uma obra indispensável aos analistas da sociedade contemporânea, aos estudiosos do consumo, a todos os investigadores que estudam a articulação entre os diferentes pensamentos científicos e mesmo aos políticos confrontados com os sucessivos impasses a que nos conduziu a exaltação do ultraliberalismo. Este manifesto é uma provocação que pode contribuir para um outro mundo possível que transforme a globalização predatória numa globalização de solidariedades.
Temos aqui uma visão crítica dos 30 anos que medeiam entre o fim da abundância, que acompanhou a idade de ouro do Estado-Providência e a consolidação da globalização e do consumidor-indivíduo.
A terceira vaga pós-industrial em que vivemos é dominada pelo tecno-populismo, a tirania da estatística, a “tartufice humanitária”, numa atmosfera da “Contra-Reforma” neoliberal em que “mercado igual a democracia igual a maioria de homens médios”. A nossa democracia já não está ao serviço da solidariedade, da autonomia da pessoa, mas do bom governo dos mercados. Governar bem é estar atento aos desejos do homem médio, mantendo em equilíbrio com o consumidor-cidadão-egoísta, o ciber-comunicador e o pobretana que se alimenta dos restos das indústrias do entretenimento com que as Sobreclasses anestesiam as Subclasses.
No essencial, o livro de Châtelet desmonta os mecanismos do discurso dominante, assente num colectivo de individualidades em que a “engenharia do consenso” faz o equilíbrio mágico da democracia dos mercados.
Se bem que ironizando em torno dos conceitos das classes médias, este libelo acusatório da pós-modernidade carnívora não esconde as suas raízes no pensamento de outro influente contestatário, Herbert Marcuse, pensador emblemático da agitação universitária do período revolucionário dos anos 60. É na linha deste pensador que Châtelet fala na “tripla aliança” (política, económica e cibernética) que é susceptível de auto-organizar as massas humanas, dando-lhes um simulacro de projecto: através do digital, cria-se a utopia de que todos os confrontos são ultrapassáveis; através da cidadania democrática aprende-se a tolerar um sistema de competitividade feroz em que o despojado já não se revolta contra o super-rico; através do consumo, estabelece-se o controlo social, gerando-se a ilusão do respeito pelas diferenças.
A denúncia da impostura, feita pelo autor, não introduz qualquer alternativa à mornidão do sistema controlado em que vivemos. O “homem médio” vive aprisionado na democracia-mercado, mas o filósofo diz que a este homem médio será possível opor o “homem-qualquer” capaz de reabilitar a excelência do político e de nos salvar num processo histórico que ultrapassa toda a rotina e todo o possível antecipado. A democracia do futuro só será válida se der uma oportunidade aos heroísmos do “qualquer um”. “Vivermos e Pensarmos como Porcos” é uma obra indispensável aos analistas da sociedade contemporânea, aos estudiosos do consumo, a todos os investigadores que estudam a articulação entre os diferentes pensamentos científicos e mesmo aos políticos confrontados com os sucessivos impasses a que nos conduziu a exaltação do ultraliberalismo. Este manifesto é uma provocação que pode contribuir para um outro mundo possível que transforme a globalização predatória numa globalização de solidariedades.
B.Santos
Etiquetas: Política
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