quinta-feira, 30 de dezembro de 2004

COM A CARTEIRA OU COM O CORAÇÃO? (VISTO DO LADO DO PSD E DO PP)


Rui Pimentel / VISÃO


O PSD deseja a bipolarização na próxima campanha eleitoral, mas parece não saber como a conseguir e encontra-se com limitações muito significativas para funcionar como um pólo de atracção activo para o eleitorado. Pelo contrário, parece estar mais a ser um pólo de rejeição do que de atracção. As limitações do acordo com o PP têm um papel na dificuldade de bipolarizar, impossível de fazer sem pretender sugar todos os votos anti-PS, o mesmo terreno em que o PP vai actuar.

Esta dificuldade vem também do estado actual do partido, que a tendência para a unipessoalização reforça. Esta tendência acentua a fragilidade do PSD e castra a capacidade de pensar a política fora dos jogos locais e da realidade autárquica, as únicas sobre as quais existe experiência na direcção partidária. O partido está debilitado, entregue a dirigentes de secção promovidos a presidentes de distritais, que, desde que entraram na JSD, têm carreiras de profissionais políticos. Pensam que exagero? Publiquem e analisem os currículos, retirem-lhes os cargos públicos de nomeação governamental, ou de acesso por listas em lugares electivos e secundários - vereadores, membros de assembleias municipais, deputados do meio da lista - e vejam o que sobra de "vida" profissional. Estas pessoas nas direcções partidárias fazem aquilo que sempre souberam fazer: preservar o seu "espaço", que é também o seu emprego, para o que aliás não precisam necessariamente de "ganhar", basta-lhes permanecer numa quota razoável de poder e de cargos, que o estatuto de um partido nacional como o PSD tem garantidamente.

A tendência é para cada vez mais o partido ficar dependente da liderança e do pequeno grupo de estrita confiança que a apoia. Este é um dos problemas mais graves de partidos como o PSD e o PS, onde o caminho para a desertificação é idêntico. Notoriamente, não chega para uma direcção nacional de um grande partido, que tem que defrontar a condução do país, falar para milhões de eleitores e competir num árduo mercado comunicacional.

Santana Lopes parte para as eleições com a pior imagem possível: a de um político incompetente, inconstante e errático, que gera confusão em tudo o que toca. Este será um enorme óbice para o PSD, cuja oferta eleitoral aparece mais dependente do destino pessoal do seu líder do que do seu papel de grande partido nacional. A situação de repúdio activo de uma parte do próprio eleitorado do PSD pela candidatura de Santana Lopes, sem existir qualquer entusiasmo pela alternativa Sócrates, tinha dado ao PSD uma janela de oportunidade para conseguir uma margem de manobra para a mudança, que poderia ainda ter permitido uma vitória eleitoral Recusando-se a mudar a liderança e enterrar este episódio infeliz, o partido pode ter comprometido o seu futuro. Aliás, esta situação é pouco sadia, até porque muita gente no PSD sabe que este comportamento é suicidário e há alguma má-fé na esperança que sejam as urnas a afastarem Santana Lopes da direcção do PSD. Mesmo sabendo que isso pode significar um longo período de governação socialista.

Neste contexto, Santana Lopes fará tudo para bipolarizar a campanha eleitoral, numa atitude contraditória, direi mais, habitualmente contraditória, com a ruptura da coligação que ele ajudou a dar-se, e com o acordo com o PP, que o limita politicamente. Limitado pelo acordo com o PP, pelo menos numa fase inicial da campanha, porque depois vai valer tudo, Santana Lopes tenderá a fazer uma campanha à "esquerda", desenvolvendo o mesmo tipo de ambiguidades "sociais" a que Paulo Portas tem também dado voz enquanto "Paulinho das feiras".

A versão de um governo sitiado e derrubado por grandes interesses bancários e pelos fraudulentos fiscais será a chave dessa campanha. E não é líquido que não possa obter alguns sucessos, porque haverá sempre intelectuais deslumbrados pela coreografia, como sempre aconteceu no passado. Santana Lopes "levou-os" no teatro, "levou-os" com a operação Gehry, e leva-os sempre que usar com habilidade as próprias ambiguidades de uma intelectualidade subsidiada, que responde a quem lhe dá a aparência de importância. Mas, em relação ao grande eleitorado, duvido que a operação tenha sucesso. Ela empancará na má imagem de Santana Lopes como primeiro-ministro e na sua falta de credibilidade como alguém com genuínas preocupações sociais e com capacidade para desenvolver políticas estruturantes.

Dito tudo isto, não me esqueço que há muitas características da sua acção que são simbióticas com o modo como hoje a comunicação social é e que isso lhe dá uma enorme vantagem, sobre a qual aliás construiu a sua carreira política e os seus sucessos eleitorais. A sua variante de populismo vive dessa simbiose e a próxima campanha eleitoral tem para Santana Lopes um enorme vantagem à partida: é sobre ele, é um plebiscito sobre ele com todas as vantagens e inconvenientes que isso tem. Por isso, o populismo dominará a campanha do PSD como nunca aconteceu. É verdade que Cavaco Silva também teve essa tentação, mas a estrutura psicológica e a competência técnica e política de ambos não tem comparação. Cavaco Silva foi um dador de esperança, mobilizou vontade de mudar, Santana Lopes atrai pelo caos, pela imprevisibilidade, pelo espectáculo do seu eu, pela publicidade. Até agora foi o bastante, mas hoje as características genuinamente mediáticas da personagem têm o óbice da péssima imagem do primeiro-ministro.

Por tudo isto, Santana Lopes tentará ultrapassar os mediadores - a comunicação social escrita em particular -, para se concentrar na imagem e na palavra afectiva, e nos efeitos televisivos. A ideia da campanha nas aldeias, ou nas "repúblicas" de Coimbra é um pouco bizarra para quem quer dar um sinal de modernidade, mas o que interessa é a criação de motivos de espectáculo televisivo pelo inesperado. É uma variação tardia do banho no Tejo de Marcelo. Resumindo e concluindo, a grande questão em aberto, e sobre a qual não tenho ainda certeza, é a de saber se haverá ou não bipolarização. Tudo indica que com Santana Lopes haverá, mas ainda não é certo.

O PP não quer de todo a bipolarização e joga uma campanha de grande risco. É um sinal flagrante do desprezo que o PP tem pela actual liderança do PSD a confiança que manifesta na incapacidade que, mesmo com Santana Lopes, esta não consiga polarizar seja o que for. Parece-me, apesar de tudo, confiança a mais, até porque o efeito de bipolarização não depende apenas das lideranças, mas também do tratamento comunicacional da campanha e não há razão para duvidar da maior facilidade e legibilidade que uma campanha bipolarizada tem para os "media".

Os temas de campanha do PP estão à vista, e, junto com o PS, é o único partido que está verdadeiramente em campanha. A sua estratégia é clara: enquanto existir governo, os ministros do PP continuam a governar como se não estivessem em gestão e demissionários, deixando o ónus da contradita ou das dificuldades legais para outrem, que poderão sempre oportunamente acusar de estar a pôr em causa o interesse nacional. Como se está a ver, esta estratégia resulta, com Paulo Portas a tomar decisões nas OGMA e Nobre Guedes quanto aos resíduos tóxicos, tudo matérias controversas e claramente fora do âmbito de um governo de gestão, perante o beneplácito de Belém. A atitude contrasta com a dos ministros do PSD, que ficaram inibidos e eles, sim, parecem que deixaram de ser ministros, numa atitude espelhar com a do primeiro-ministro, que não sabe muito bem o que fazer e até onde ir.

Quando se esgotar este período de governação no fio da navalha, o PP parecerá, como pretende querer para efeitos de propaganda, mais "credível", "merecedor de confiança" e "estável", os temas de afirmação do partido, que são, ao mesmo tempo, os termos de combate ao PSD. Serve-lhe o acordo, mas precisa de acalmia na campanha, e acalmia na campanha significa perda de votos no PSD.

Numa fase inicial, e sempre dentro desta mesma plataforma, o PP atacará somente o PS, o PCP e o BE, porque não precisará de atacar frontalmente o PSD. Mas não penso que isto possa durar toda a campanha e, mais cedo ao mais tarde, os conflitos emergirão, até porque a área de crescimento e consolidação do PP será nos mesmos votos que o PSD pretenderá manter ou conquistar. Em teoria é tudo muito bonito, em campanha será bastante mais feio, forte e duro.
José Pacheco Pereira

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