sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

CHANTAGENS



1. Mais do que qualquer outro, é Alberto João Jardim quem suspira para que o PS não ganhe estas eleições com maioria absoluta. Melhor do que isso ainda, para ele, seria o PS ficar dependente dos deputados eleitos pelo PSD-Madeira para poder fazer passar o programa de governo, os orçamentos ou as moções de confiança. Nesse cenário ideal, o dr. Jardim trataria, como já anunciou, de colocar à venda o voto dos "seus" deputados. Já o fez no passado e não se importa nada de voltar a fazê-lo no futuro, antes pelo contrário. E, para o caso, tanto lhe faz que os seus deputados sejam essenciais para uma maioria do seu partido ou uma maioria dos "horríveis" socialistas, que ele tanto insulta e execra. Apenas lhe interessa que os resultados eleitorais lhe proporcionem mais uma fonte de receitas extraordinárias, através da venda do voto dos deputados madeirenses. Com mais dinheiro, ele pode fazer mais obra, distribuir mais "tachos", prebendas e subsídios. E, com isso, ganha eleições. Tem sido assim há 30 anos e realmente os madeirenses interrogam-se por que haveriam de mudar de cabo eleitoral, se este descobriu a fórmula mágica para que todos os que estão com ele enriqueçam sem fim à custa do Estado português.

A fórmula chama-se chantagem política, pura e simples, e, de tão gasta, já dispensa apresentações. Eleitoralmente, a Madeira vale infinitamente menos do que a Amadora, por exemplo. Só que ninguém suspeita a Amadora de querer ser independente, enquanto Jardim passa a vida a chantagear os governos da República com essa ameaça relativamente à Madeira. De "aprofundamento" em "aprofundamento", as autonomias regionais, e em especial a da Madeira, conquistaram um estatuto único em que quase tudo lhes é devido e nada lhes é exigível. Mas o processo nunca pára, pois que, se parasse, desapareceriam os poderes de chantagem financeira até aqui utilizados com inegável sucesso. Ainda agora, respondendo ao Presidente da República, que declarou atingido o limite das autonomias regionais, com os novos poderes e competências acrescentados na última revisão constitucional, o dr. Jardim apressou-se a esclarecer que "na história, nada se encerra". Nomeadamente, aquilo que lhe falta e que ele agora cobiça: carta branca sobre a RTP e RDP locais e regionalização da justiça, ou seja, a expropriação a favor do partido do dr. Jardim dos contra-poderes essenciais a uma democracia. O passo que lhe falta para garantir que governará até cair para o lado.

Por demasiado conhecida e suficientemente denunciada, abstenho-me de descrever o que é a concepção peculiar de democracia que se vive na ilha da Madeira e cujo retrato perfeito nos foi mais uma vez dado por uma recente investigação da revista "Visão", descrevendo uma teia de interesses cruzados entre o Estado, o PSD e os amigos do dr. Jardim, que já só choca pelo despudor com que tudo é feito à luz do dia. Nenhum governo, em Portugal ou em qualquer democracia europeia, resistiria um mês que fosse ao escândalo da exposição pública de uma situação política semelhante à da Madeira. E, todavia, sempre tementes à ameaça da "bomba atómica" do dr. Jardim, os nossos políticos do continente, independentemente dos partidos que representam, não se dispensam de fingir que não sabem e não vêem, e mesmo, se necessário, fazerem o sacrificial elogio da autonomia madeirense. Ainda esta semana lá esteve o engº Sócrates a declarar candidamente que, como se vê ali, quanto mais próximos são os governos, melhor funcionam. Como se todos nós não víssemos exactamente o oposto, como a proximidade proporciona o caciquismo e este a impunidade, tão flagrantes no caso da Madeira, que estou convencido que o seu exemplo, aliás, contribuiu decisivamente para a rejeição clara da criação de regiões administrativas no continente.

Ora, eu acho que, por uma questão de decência da vida pública, chegou a altura de encarar de frente o problema e pôr fim a esta continuada chantagem. Porque um país ou é unitário - quer em termos de regras financeiras, quer em termos de aplicação das leis que regulam o funcionamento democrático -, ou então é um país que paga, em dinheiro e em excepções democráticas, a aparente unidade política do seu território. Não está em causa aquilo que é essencial: o próprio princípio da autonomia regional e a cobertura dos chamados "custos da insularidade". Mas isso, como todos sabemos, há muito que foi ultrapassado. Aquilo que hoje se concede à Madeira é um regime de excepção democrático e um regime de favor financeiro. Tudo devido ao terror da chantagem política. Chegou a hora de acabar com ela.

Como? Muito simplesmente, dizendo, em voz bem alta e bem firme, ao dr. Jardim e a todos os madeirenses, que se atingiu o limite: não haverá nem mais um tostão, para além do que está consagrado na lei de finanças regionais; não haverá nem mais um poder ou competência, para além dos que já foram transferidos; a imprensa será livre e vedados os subsídios do governo regional à imprensa a seu mando; a justiça da República fará aplicar ali, sem contemplações, as leis que vigoram no país inteiro, naquilo que é estruturante numa democracia. E, quando ele começar a espernear, a berrar e a ameaçar com a sublevação e a independência, então, muito tranquilamente, desafie-se o dr. Jardim a promover um referendo na Madeira, e na Madeira apenas, para perguntar aos madeirenses se aceitam as regras do jogo definidas pelo Estado português e iguais às dos resto do país, ou se preferem ser independentes.

Os poderes de chantagem do dr. Jardim morriam na hora. Se ele cometesse o suicídio de apelar à independência e perdesse, estava arrumado pelos seus. Se vencesse, cortando todos os laços de dependência de toda a ordem com o continente, no dia seguinte andaria angustiado, de mão estendida, a apelar a americanos ou líbios, a associações de reformados ingleses ou aos casinos de Macau ou África do Sul, para que lhe pagassem os custos da "independência". E se, ajuizadamente, aceitasse a proposta definitiva do Estado português, abdicava, de uma vez por todas, dos seus poderes de chantagem política. Assunto resolvido.

E a quem, porventura, venha invocar o sagrado princípio da indissolubilidade da pátria, eu respondo que não tenho por sagrado esse princípio, hoje como ontem. A pátria deve ser composta unicamente pelos que querem ser portugueses, para servirem o país e não para se servirem do país. Se alguém exige ser pago para continuar a ser português, não cabe na minha noção de pátria e não quero continuar a pagar-lhe.

2. Santana Lopes recebeu o mais inesperado dos apoios à sua estratégia de "combate político" fundada na calúnia, na difamação e na promoção ou aproveitamento de boatos sobre a vida pessoal dos adversários: o de António Barreto. Li, quase sem querer acreditar que fosse verdade, que ele é de opinião que os candidatos à vida política devem, "em conjunto com a declaração de rendimentos, declarar a fé religiosa, o estado civil, o cadastro, o número de filhos, as habilitações académicas e a orientação sexual". Ocorrem-me de imediato duas perguntas: a primeira é a de saber se ainda haveria candidatos. A segunda é a de tentar perceber, então, porquê que esta autodevassa pública haveria de ficar por aqui: porque não se teria de declarar, também, além da orientação sexual, as práticas e comportamentos sexuais de sua preferência; se se fuma e se já se experimentou drogas; se já se foi infiel no casamento e se já se cobiçou homem ou mulher alheios; se já se deu uma estalada num filho; se já se aldrabou um amigo, se já se meteu uma falsa baixa; quantas bebedeiras já se apanhou na vida e quanto é que se bebe habitualmente; se se tem por hábito exceder os limites de velocidade; e quantas mentiras se costuma dizer por ano?

Mais chocante ainda é a justificação de António Barreto para esta extraordinária proposta: "A necessidade de evitar chantagens, pressões indevidas, gestos politicamente menos racionais do que pessoas que não têm uma vida clandestina [!]." Ó António, francamente, ter uma vida privada, ter o direito à sua intimidade é o mesmo que ter "uma vida clandestina"? (É clandestina, por definição, a vida de um homossexual, mas não a de um heterossexual? E a de um ateu, mas não a de um crente?) E a melhor maneira de evitar a chantagem é, tal como no caso da Madeira, ceder-lhe logo de entrada?

Acalmem-se. Estamos apenas a decidir se queremos continuar a ser governados por Santana Lopes.

Miguel Sousa Tavares

2 Comments:

At 4 de fevereiro de 2005 às 18:31, Anonymous Anónimo said...

Este Miguel Sousa Tavares está irreconhecivel. Ou melhor agora é que o estamos a conhecer. Não é homem de palavra....tambem dá facadas pelas costas pra se vingar do Satana Lopes...é outro Freitas do Amaral....outro Marcelo...este nem vergonha tem na cara e ainda aparece na campanha do psd a apoiar o Santana Lopes...só escumalha ...todos iguais...o Freitas está a fazer a caminha pros Socialistas o levarem pra Presidente da Republica... o Marcelo é pura vingança de comadres...o Miguel Sousa Tavares é estupidez pura...outro dia até o ouvi dizer sobre o favorecimento do Nuno Cardoso ao F.C.P. que não era nada corrupção o que tinha acontecido e que seria a mesma coisa que o Santana Lopes fez com o S.C.P. e com o S.L.B. pro euro2004 com a diferença de que no norte se fez por debaixo da mesa e no Sul foi tudo público e com acordos assinados (previstos na lei deduz-se). Isto é ou não pura vingança. Independentemente das cores politicas de cada um. Agora que ganha rios de dinheiro com os livros que escreveu (e mérito lhe seja dado) já não precisa de tachos (para além do da T.V.I.) e então já pode atacar de qualquer forma aqueles por quem guarda tanta inveja. Tristeza....

 
At 9 de fevereiro de 2005 às 02:02, Anonymous Anónimo said...

Ó companheiro não sei se reparou mas a determinada altura escrevi "(mérito lhe seja dado)". Significa que sei ler as suas (dele ) cronicas, interpreta-las e compreende-las. Mas factos são factos. O que escrevi é puramente a verdade e o que ouvi (sobre a questão da corrupção), ouviram milhares de outros tele-espectadores compreende? Não é a minha opinião, foi ele que o disse. Vergonha na cara é melhor ter o amigo que anda a ofender as pessoas serias sem saber o que diz.

 

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