quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005

DICIONÁRIO DE CAMPANHA A TRÊS SEMANAS DO FIM





BLOCO DE ESQUERDA - O interessante é ver como nas sondagens o BE recebe as intenções de voto dos bairros mais ricos das cidades. Não admira para quem conheça a sua "composição social", como se dizia no passado, assim como o conteúdo das suas propostas. O BE é, com o PP, um partido de gente que está bem na vida e dos seus filhos.

BLOGUES DE CAMPANHA - Uma vitória simbólica da blogosfera. Mas a verdade é que nenhum dos candidatos tem um verdadeiro blogue, nem o usa como um blogue, mas como um complemento de campanha num estilo mais personalizado. É o tributo que o vício paga à virtude.

BOATOS - Os mecanismos dos boatos e a sua eficácia são conhecidos. O que ainda não se tinha visto era a imbricação entre um boato e uma campanha, partidária a tal ponto que o boato é o seu elemento central de há uma semana para cá. Os passos dessa imbricação são conhecidos: dois cartazes fazendo um par (sugerindo que um candidato tinha segredos e de outro se sabia tudo), a introdução, de repente e sem qualquer razão específica, do tema do casamento dos homossexuais, um comício só de mulheres repleto de afirmações machistas e alusões aos "colos" diferentes de um ou outro candidato, a ameaça de que "se falam de mim eu falo de ti", sem ninguém falar de "mim", etc, etc.

CARTAZES DO PSD - Contra o Bloco de Esquerda, contra as sondagens e de propaganda negativa, disparando para todo o lado, mostram a desorientação profunda de uma campanha que nem os bons profissionais brasileiros conseguem fazer descolar, quando mais voar. O problema é sempre político, antes de ser de marketing.

CARTAZES DO PS - Pior é difícil fazer. São o retrato involuntário de uma campanha frouxa e mole, verde como a Dois, verde como quando ficamos "verdes".

CHOQUE DE GESTÃO/CHOQUE TECNOLÓGICO - A única dualidade-contradição que podia ter interesse desenvolver no debate de campanha, mas que, uma vez enunciada, desapareceu do mapa. E no entanto, se há caminhos divergentes ideológicos, políticos, de sensibilidade, entre PS e PSD estão aqui expressos. Os dois "choques" deviam ser complementares, mas aquilo a que cada partido dá ênfase aponta para as suas políticas: no PS, para um maior peso do Estado como condutor da economia através do investimento tecnológico; no PSD, uma atenção à melhor utilização dos recursos, mas também uma certa indiferença aos factores qualitativos do desenvolvimento, como a educação e a formação profissional.

CRISE DE REPRESENTAÇÃO - Em quem votar? Muitos eleitores do PSD e alguns flutuantes entre o PSD e o PS fazem esta pergunta. Alguns vão votar em branco, outros no PSD, outros...

DEBATES - Vão ser de cortar à faca.

DRAMATIZAÇÃO DA CAMPANHA - O PS precisava dela como de pão para a boca e nunca o tinha conseguido. Com a história das insinuações, o PSD ofereceu-lhe de bandeja o que precisava.

DUPLA LÍNGUA - no vocabulário orwelliano: "competência" para Santana Lopes, e "mudança" para Sócrates.

ECONOMIA - Começou por ser o tema central, através do debate sobre o défice, os impostos e as projecções do crescimento, e depois esmoreceu para os incidentes dos últimos dias.

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL - Ausentes como de costume das campanhas.

ELEITORADO DOS VALORES - Portas regressa à linguagem da arrogância moral.

EUROPA - Completamente ausente da campanha por indiferença geral.

GERAR UMA VIDA COMO CONDIÇÃO PARA FALAR DA VIDA - não é uma mera afirmação infeliz de Louçã. É um entre muitos exemplos da sua demagogia arrogante, semelhante em tudo à de Paulo Portas, no seu desprezo pela verdade, na sua habilidade oportunista e no seu reaccionarismo. Quem se surpreendeu não deve ter estado em Portugal nos últimos anos, desde que Louçã anima - como Portas insisto - o noticiário das frases assassinas.

MENINO-GUERREIRO - Ridículo até perder de vista é o hino escolhido pelo PSD. Quando é visto com o filme em fundo, então a pergunta é outra: como foi possível? Como é possível que os militantes de um grande partido nacional não se sintam diminuídos por uma piegas exacerbação de culto de personalidade, de mau gosto, acentuando a infelicidade de quem não tem o carinho que queria e para quem o mundo é mau. É aquela a mensagem para o país?

PROGRAMAS - Melhores que a utilização que é feita deles na campanha. O do PS é prolixo e conservador, o do PSD apressado e demasiado dependente das contradições quotidianas do primeiro-ministro e do Governo.

PROPAGANDA NEGATIVA - Não era muito habitual em Portugal e raríssima na Europa, embora comum nos EUA. O PSD seguiu essa linha fazendo cartazes directamente contra Sócrates. O PS respondeu em Lisboa com cartazes pondo em causa a obra de Santana Lopes. O cartaz contra Sócrates abre uma caixa de Pandora que ninguém vai conseguir fechar.

RUA/NÃO RUA - O BE insinuou que Santana e Portas não vinham para a rua porque tinham medo das reacções dos populares. Não sei. Talvez sim, talvez não. Vamos ver.

VOTO EM BRANCO - "Eu vou votar Saramago", já ouvi dizer. Há movimentos a favor do voto em branco como nunca houve desde 1975. Se houver um incremento do voto em branco nestas eleições será uma manifestação de eleitores do PSD que não querem votar nem em Santana Lopes, nem no PS.

VOTO ÚTIL - O melhor exemplo da linha central da campanha do PP contra o PSD encontra-se nestas palavras. Vota "útil" para que o PP seja amanhã o que é hoje o PSD. Este é o sonho político de Portas

José Pacheco Pereira