sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

O DEBATE DE ONTEM

Oguerreiro-meninosaiu de lá com um olho negro.


Santana Lopes precisava desesperadamente de ganhar este debate. Com a campanha a perder gás e os generais do PSD a afastarem-se dele como se de um leproso se tratasse, Lopes não tinha outra oportunidade para marcar pontos contra Sócrates. Falhou.
Os primeiros 15 minutos deram-nos um Sócrates em ataque continuado capitalizando com muita eficácia a campanha de boatos e insinuações fomentada pelo campo adversário. O uso insistente de expressões como “campanha negra” e a censura a Lopes por se desviar de uma tradição de fair play do PSD surtiram pleno efeito. Só é pena não ter recordado que num dos raros cartazes em que o PSD tentava passar uma mensagem positiva (o dos primeiros-ministros do partido), Cavaco Silva fez questão de se colocar ao largo.
No rescaldo em curso, e nas próximas horas, estou certo de que não faltarão comentadores a dizer que o debate não foi esclarecedor, que não se debateram os programas dos partidos, etc. Em parte, isto é uma falsa questão. É claro que 1h 30m é muito pouco para esclarecer a opinião pública. Não se discutiram temas tão relevantes quanto a educação, a saúde, as medidas de combate à fraude e evasão fiscal, a integração europeia, a política externa. Teria sido bom haver mais dois debates entre os candidatos a primeiro-ministro, tal como houve três na América com Bush e Kerry (todos eles de muito bom nível). O problema é que nós em Portugal vivemos num sistema parlamentar multipartidário. Não escolhemos apenas o primeiro-ministro, mas também os partidos e os seus programas. Seria complicado (embora não impossível) organizar três debates entre o PS e o PSD e depois mais não sei quantos com os pequenos partidos. Tudo somado, penso que foi pena Sócrates não se ter disponibilizado para esse efeito. É claro que não ganhava nada, mas o esclarecimento do público é um valor supremo em democracia.
No entanto, dentro do figurino definido, o debate permitiu perceber algumas coisas. Os contrastes entre os programas dos dois partidos não são assim tão pronunciados. O problema do PSD, aliás, nem sequer está aí. Das sínteses que já pude ler do programa elaborado por António Mexia, até haveria medidas que poderia subscrever. O problema está em Santana Lopes. Na sua completa incapacidade em se concentrar, na sua propensão para a demagogia e o facilitismo, na sua confrangedora falta de cultura, em suma, na sua completa impreparação para o exercício das funções de primeiro-ministro. Os seus 4 meses de governação já nos deram um vislumbre mais do que suficiente, mas o homem ainda se consegue esmerar nesta campanha com as suas promessas de redução do imposto automóvel e de realização de referendos sobre a fertilização in vitro, a clonagem humana ou a eutanásia. É obra!
Como apoiante de Sócrates, sou naturalmente suspeito para avaliar o seu desempenho. Julgo que esteve bem ao insistir na necessidade de se julgarem estes três anos de governação de direita, bem como nos erros que apontou em matéria de opções económicas e política financeira. Foi hábil a lidar com o tema da co-inceneração e razoavelmente sóbrio em matéria de perspectivas de recuperação económica. Na segunda parte poderia talvez ter mudado o ar rígido e severo que adoptou na primeira – mas eu diria que para “político de plástico”, Sócrates não esteve nada mal, não senhor.
Pedro Oliveira