sexta-feira, 5 de novembro de 2004

PREOCUPANTE E SINISTRO


“Eu sou a Manuela Moura Guedes e este é o Jornal Nacional”. Abertura clássica do telejornal da TVI. E a coisa repete-se no dia seguinte e no outro, à hora das notícias, como se não tivéssemos ouvido já. Ela é portanto a Manuela Moura Guedes e o meu vizinho é o Artur da padaria. Ela vai apresentar o Jornal Nacional e o Artur atende os clientes, entrega o pão, recebe a massa. Já agora, quanto a mim, diria que “sou o autor destas linhas e hoje acordei com dores nas costas”.
Bom… deixemos as maneiras da apresentadora e vamos à informação propriamente dita, aos conteúdos do tal Jornal Nacional. Entre outras coisas, ficámos a saber que naquele dia - o dia não é relevante - na Baixa da Banheira um sujeito todo nu desatou às dentadas às pessoas na rua. Com a agravante de se tratar de um seropositivo. Um caso dramático, não só para as vítimas como certamente também para o seu autor. Qualquer clínico da especialidade o sabe. Manuela Moura Guedes informa-nos ainda que o sujeito acabou por ser apanhado, encontrando-se já internado em Psiquiatria. “Esperemos que açaimado”, comenta de seguida a apresentadora.
Será que ouvi bem? Infelizmente, sim. Por outras palavras, para a ilustre “jornalista”, que não está com meias medidas, não há grande diferença entre os cães e os doentes mentais. Constata-se a dificuldade cada vez maior da apresentadora em se controlar nos comentários. O mais grave no entanto está na utilização do telespectador, que tem que pagar as facturas dessas suas pulsões agressivas… As suas tiradas são um caso de saúde pública. Há muito tempo que não ouvia de boca de alguém uma reflexão tão brutal e sinistra.
Porque colocar um açaimo em alguém, seja ele ou não um paciente psiquiátrico, não significa somente zoomorfizá-lo, retirar-lhe a humanidade. Não se trata só de animalizar o homem.
O açaimo amordaça a boca, esse território nobre por excelência: pela boca passa a comida, a incorporação alimentar, sem a qual se morre à fome. Pela boca passa o beijo, as coisas do afecto e do amor. Pela boca, ainda, passa a palavra articulada, o discurso, essa sabedoria que nos distingue de todos os outros animais. Ora, pôr se um açaimo castra tudo isso…A finalizar, a diva fecha o Jornal Nacional dirigindo-se aos telespectadores nos seguintes termos: “Tenha um fim de semana calmo e sereno junto das pessoas de quem gosta” Que beleza! Ao tempo que eu não ouvia uma coisa assim… que me deixasse tão sonhador! Bem gostaria de fazer um pequeno comentário, se não fossem estas malvadas náuseas…
Zé dos Pirolitos

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1 Comments:

At 5 de novembro de 2004 às 13:00, Anonymous Anónimo said...

É a televisão que temos...
Reflexo do país que somos...
Como é que temos o Primeiro - ministro que temos?

 

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