terça-feira, 28 de dezembro de 2004

2005




1. Temos razões para encarar o ano de 2005 com algum optimismo? É possível começar a inverter o ciclo de decadência e de pessimismo em que Portugal mergulhou? As duas perguntas só podem ter uma resposta positiva se, por um momento, os responsáveis políticos, que se prepararam para disputar as eleições de Fevereiro, resolverem encarar a realidade e falar verdade ao país.

É pedir muito? A avaliar pelos primeiros foguetes da campanha eleitoral, parece que sim.

O PPD de Santana não tem alternativa senão seguir em frente, mesmo que em frente esteja o abismo. Disse aos portugueses que a austeridade acabara e que a retoma estava ao alcance da mão. Acaba o seu mandato à frente do Governo envolvido no imbróglio do défice orçamental e na modorra de um crescimento medíocre, a gritar aqui d'el-rei, que a culpa é de Ferreira Leite, do PS, do Presidente, do PSD, dos azares da vida. Não vai agora dizer que a realidade é outra, que se enganou, que o rumo também tem de ser outro. Condenou-se a si próprio. Resta-lhe a demagogia, o faz-de-conta e o choradinho a que já ninguém liga nenhuma.

Com o PS de Sócrates, a história é outra. Só muito dificilmente conseguirá perder as eleições, mas o mérito por enquanto não é próprio, é do Governo ainda em funções e do seu primeiro-ministro.

Os socialistas têm, pois, dois caminhos alternativos pela frente até 20 de Fevereiro. O primeiro, mais fácil e mais tentador, é deixar correr o marfim, alimentando a ideia de que o único problema do país é o Governo e que tudo se comporá com a sua substituição.

O outro é mais difícil, mais exigente mas, porventura, mais compensador no médio prazo. É falar verdade aos eleitores sobre as escolhas muito difíceis que terão se ser feitas nos próximos anos para recuperar a competitividade da economia, voltar a crescer acima da média europeia e encontrar de novo o caminho para uma sociedade moderna, desenvolvida e solidária. Explicar que o dinheiro não chega para tudo, dizer que escolhas são essas e as razões que as tornam inevitáveis, fazer, em suma, aquilo que compete aos políticos e que é dar sentido e fundamento a essas escolhas, por mais difíceis que sejam.

O "slogan" escolhido pelo PS - "devolver a confiança" - é ambíguo. O clima que começa a ser perceptível entre os socialistas faz, no entanto, temer o pior. Que confiança pode querer dizer, afinal, facilitismo e que bastam meia dúzia de ideias de tom moderno, mesmo que vazias de conteúdo e assentes em falsas ilusões.

Sócrates ainda merece o benefício da dúvida mas terá de começar rapidamente a dizer alguma coisa mais substancial sobre aquilo de que o país precisa. Caso contrário, pode ganhar as eleições até com maioria absoluta, mas não mobilizará as pessoas para aquilo que tem de ser feito e perpetuará a instabilidade política que parece ser hoje a manifestação mais preocupante da encruzilhada em que o país se encontra.

Como dizia recentemente Vítor Constâncio, em Portugal está tudo à prova - as elites e as instituições, incluindo os partidos e os seus dirigentes. Só será possível sair daqui se se for capaz de pensar o longo prazo, de interiorizar o que significa funcionar dentro de uma unidade económica e monetária com uma moeda forte e no quadro da globalização dos mercados. O "se" quer dizer as elites políticas, mas também empresariais, sindicais, intelectuais e profissionais. É pedir muito?

Normalmente, as sociedades só tomam decisões difíceis em momentos de crise profunda. A Europa a que pertencemos está cheia de exemplos, mais ou menos bem sucedidos, de reformas corajosas e impopulares, algumas das quais já estão a dar os seus frutos. Haverá em Portugal a percepção suficiente da gravidade da crise e da urgência e da dificuldade das soluções? É difícil de saber. Mas se houver, então serão penalizados, de uma forma ou de outra, os partidos que se recusarem a falar verdade.

2. O mundo continua no fio da navalha, deixando muita coisa em aberto para 2005. E, no entanto, há sinais de esperança. Alguns deles na nossa boa velha Europa que, apesar de tudo, se move na boa direcção. O seu magnetismo continua o melhor e o mais eficaz "soft power" que tem para oferecer ao mundo, como escreveu ontem nestas páginas Ralf Dahrendorf. A Turquia foi a mais recente e corajosa prova de que a União sabe e quer exercer esse poder.

Tem na coluna do "haver" muitas coisas ainda a seu favor para enfrentar os desafios de um mundo tão perigoso e tão incerto como aquele em que vivemos. Recorrendo a outra voz lúcida, de Jacques Delors, é bom ter presente que a UE "continua a ser a primeira potência comercial do mundo e que é cortejada por quase todas as outras nações para assinar acordos de comércio e de cooperação". É também o primeiro dador mundial de ajuda ao desenvolvimento e humanitária. É graças a ela que o Protocolo de Quioto ainda está vivo. Até hoje, voltando a Delors, "tem reagido bem aos sucessivos desafios que a História lhe tem lançado". "Acolhendo as jovens democracias espanhola, grega e portuguesa, ajudando a reunificar a Alemanha, integrando no seu seio os países que saíram do jugo comunista." Aceitando a Turquia, "quando o maior desafio histórico é o do 'choque de civilizações'".

Do lado do "deve", tem muitos problemas pela frente, o maior dos quais e provavelmente o mais decisivo - para os europeus e para o mundo - será a forma como resolver a questão transatlântica, se quer continuar a ser uma potência mundial. Como rival dos EUA, não tem futuro. Como aliada, mesmo que mais independente, pode alterar a balança do mundo para o lado certo.

E tem também o tremendo desafio da sua economia, se quer enfrentar com segurança os novos colossos económicos que emergem na China ou na Índia e preservar o lado melhor do seu modelo social num mundo globalizado. Mas também neste domínio a Europa se está a mover. Desde os casos exemplares das reformas levadas a cabo pelos países escandinavos que são hoje as economias mais competitivas do mundo, ombreando com a América, até à velha locomotiva europeia, onde é a coligação entre os sociais-democratas e os verdes que está a levar a cabo algumas reformas difíceis, impensáveis há meia dúzia de anos.

Com um bom impulso de Bruxelas revigorando os objectivos da agenda de Lisboa (é esse, talvez, o maior desafio de Barroso), a União pode inverter o seu declínio económico, como está a tentar inverter o seu declínio político.

3. Para nós é fundamental que isso aconteça. É uma condição necessária para que Portugal tenha futuro. Mesmo que já não seja suficiente.

Voltando a Vítor Constâncio, tirámos os maiores benefícios da união económica e monetária, no momento em que ela foi lançada (o dinheiro barato chegou para tudo e mais alguma coisa no final dos anos 90), mas ninguém quis saber das novas regras do jogo, muito mais duras e exigentes, nem do preço a pagar por elas. Ou seja, não fizemos as reformas necessárias nem soubemos aproveitar as novas oportunidades. Alimentamo-nos hoje de uma ideologia defensiva, corporativa e estatizante. As nossas elites teimam em viver divorciadas do mundo real.

Resta saber se vamos continuar nesta rota até batermos no fundo ou se haverá forças para inverter o caminho. É isto que se joga em 2005

Teresa de Sousa

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