É DEMAIS...

A impunidade autárquica

Imunidade dos candidatos autárquicos permite a vários arguidos verem os seus processos congelados.
Fátima Felgueiras, sobre quem recai um mandado de captura, está a salvo durante três meses

Fátima Felgueiras poderá, tranquilamente, apresentar-se como candidata à Câmara de Felgueiras.A autarca que se encontra no Brasil fugida da justiça tem ao seu dispor a imunidade dos candidatos autárquicos, que lhe permite permanecer intocável desde o dia em que formalizar a sua candidatura até à publicação oficial dos resultados.
A Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (nº 1/2001), no Estatuto dos Candidatos, artigo 9º, estipula que “nenhum candidato pode ser sujeito a prisão preventiva a não ser em caso de flagrante delito por crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos” e que qualquer processo só poderá prosseguir após a proclamação dos resultados da eleição.
No caso da autarca de Felgueiras, esta disposição não só lhe permite ser candidata como poderá implicar o adiamento do seu julgamento.
Tudo depende do dia escolhido para a realização das eleições autárquicas.
Se o sufrágio for marcado para a segunda quinzena de Outubro, o julgamento – com início agendado para 11 de Outubro – terá de ser adiado.
Fátima Felgueiras garantiu que estaria presente no julgamento e até poderá fazê-lo já como presidente reeleita. Até às eleições, Fátima Felgueiras dispõe de um máximo de 80 dias de imunidade. As eleições terão de ser marcadas com 80 dias de antecedência pelo Presidente da República, logo, se a autarca acusada de 28 crimes entregar a sua candidatura no primeiro
dia desse prazo pré-eleitoral, poderá regressar a Portugal e gozar quase três meses de imunidade.

No pós-eleições, se apresentar reclamação dos resultados, a muito provável candidata independente à Câmara de Felgueiras também conseguirá prolongar a sua imunidade.
O último obstáculo que Fátima Felgueiras terá de ultrapassar é o da formalização da candidatura autárquica.
Como existe um mandado de captura sobre a autarca, até que formalize a candidatura, já em solo português, Fátima Felgueiras poderá ser detida.
O que até poderá acontecer quando a autarca pretender formalizar a candidatura.
A mesma lei que confere a imunidade aos candidatos autárquicos, no seu artigo 21.º, diz que os grupos de cidadãos terão que ser representados pelo primeiro proponente da candidatura na entrega das listas no tribunal da comarca competente.
O processo “Apito Dourado” está também à beira da suspensão. Basta para isso que um dos três autarcas e arguídos no processo formalize a sua candidatura.Valentim Loureiro, Isabel Damasceno e Avelino Ferreira Torres já anunciaram a intenção de concorrerem, respectivamente, a Gondomar, Leiria e Amarante pelo que a suspensão do processo é uma questão de semanas. Contactados pelo Independente, alguns juristas consideraram incontestável a aplicação desta norma, apesar de, nestes casos, “constituírem uma clara preversão do espírito da legislação”.
Recorde-se que este regime de imunidades, ao contrário daquele que é aplicado aos deputados, é fechado, ou seja, não é passível de ser levantado

Carlos Gonçalo Morais
in: O Independente