E DEPOIS DO NÃO
Ao querer transformar a Europa num superestado, o federalismo tornou-se o maior inimigo da civilização europeia.
E depois do não?
Como muitos outros, fiquei extremamente satisfeito com os resultados dos referendos da França e da Holanda. E não por terem sido, em absoluto, uma surpresa. Mas a verdade é que a diferença entre os valores do «não» e do «sim» atingiu uma expressão tal que, essa sim, não estava nas expectativas.
Também não é de espantar que os resultados mostrem um enorme divórcio entre as elites políticas e os povos. Esse divórcio, principalmente no que respeita às questões europeias, tem-se vindo a acentuar nos últimos tempos e inúmeros sintomas o têm denunciado. O que surpreende - e de certo modo atemoriza - é o total alheamento dessas mesmas elites políticas que parecem ter ficadas, elas, genuinamente surpreendidas.
Espantoso é também o que alguns dirigentes têm já querido fazer, passadas apenas algumas horas dos dois referendos. Pretendem pura e simplesmente ignorá-los e propor que se continue com a ratificação do tratado como se nada se tivesse passado.
Mas que sentido é que isto faz? Então os países que ainda viessem a ratificar o que é ratificariam?
Resposta: ratificariam uma não-entidade. Quer os europeístas mais assanhados queiram quer não queiram, um qualquer tratado só entra em vigor quando é ratificado pela totalidade dos estados. Se à partida há dois estados que rejeitaram a ratificação deste tratado constitucional é óbvio que ele nunca entrará em vigor e propor que o processo de ratificação prossiga como se nada fosse é um perfeito disparate.
Seria perder tempo precioso, levar possivelmente à revolta os países que disseram não e adiar as verdadeiras soluções para os problemas europeus. Tudo ficaria empatado sem saber o que fazer. É altura de deixar de brincar com coisas que são muito sérias.
Propor a continuação da ratificação dos tratados é como propor a candidatura de D. Afonso Henriques à Presidência da República. É inútil votar em mortos tal como é doentio ratificar cadáveres.
Se por uma vez os líderes europeus mostrarem alguma responsabilidade, têm agora uma oportunidade única para pôr a casa em ordem e estabelecer instituições europeias credíveis e apropriadas a uma Europa de 25 ou mais estados com as disparidades que têm entre si.
Para isso é preciso um trabalho sério (que foi encomendado à Convenção Europeia mas que esta não realizou, preocupada como estava em impor uma Europa federal) que é o de distinguir o que é essencial que a União faça e devolver aos Estados as funções que os órgãos comunitários têm usurpado sem qualquer utilidade. Se se fizer isso com seriedade, talvez todos fiquemos surpreendidos pelo aligeiramento que se consegue obter para os órgãos comunitários, que passarão a encarregar-se só daquilo que instituições de uma organização de estados (e não de cidadãos) como é ou devia ser a União se deve encarregar.
Aligeirar a União e devolver aos estados competências que foram indevidamente partilhadas ou transferidas para os órgãos comunitários, incluindo nestas a política macroeconómica. Eis a receita para uma União viável acomodando 25 estados de culturas e nível de desenvolvimento muito diversos.
Ao querer transformar a Europa num superestado, o federalismo tornou-se o maior inimigo da civilização europeia. E ou muito me engano ou as votações da França e da Holanda são a primeira indicação de que os eleitorados dos países europeus já o compreenderam muito bem.
João Ferreira do Amaral
E depois do não?
Como muitos outros, fiquei extremamente satisfeito com os resultados dos referendos da França e da Holanda. E não por terem sido, em absoluto, uma surpresa. Mas a verdade é que a diferença entre os valores do «não» e do «sim» atingiu uma expressão tal que, essa sim, não estava nas expectativas.
Também não é de espantar que os resultados mostrem um enorme divórcio entre as elites políticas e os povos. Esse divórcio, principalmente no que respeita às questões europeias, tem-se vindo a acentuar nos últimos tempos e inúmeros sintomas o têm denunciado. O que surpreende - e de certo modo atemoriza - é o total alheamento dessas mesmas elites políticas que parecem ter ficadas, elas, genuinamente surpreendidas.
Espantoso é também o que alguns dirigentes têm já querido fazer, passadas apenas algumas horas dos dois referendos. Pretendem pura e simplesmente ignorá-los e propor que se continue com a ratificação do tratado como se nada se tivesse passado.
Mas que sentido é que isto faz? Então os países que ainda viessem a ratificar o que é ratificariam?
Resposta: ratificariam uma não-entidade. Quer os europeístas mais assanhados queiram quer não queiram, um qualquer tratado só entra em vigor quando é ratificado pela totalidade dos estados. Se à partida há dois estados que rejeitaram a ratificação deste tratado constitucional é óbvio que ele nunca entrará em vigor e propor que o processo de ratificação prossiga como se nada fosse é um perfeito disparate.
Seria perder tempo precioso, levar possivelmente à revolta os países que disseram não e adiar as verdadeiras soluções para os problemas europeus. Tudo ficaria empatado sem saber o que fazer. É altura de deixar de brincar com coisas que são muito sérias.
Propor a continuação da ratificação dos tratados é como propor a candidatura de D. Afonso Henriques à Presidência da República. É inútil votar em mortos tal como é doentio ratificar cadáveres.
Se por uma vez os líderes europeus mostrarem alguma responsabilidade, têm agora uma oportunidade única para pôr a casa em ordem e estabelecer instituições europeias credíveis e apropriadas a uma Europa de 25 ou mais estados com as disparidades que têm entre si.
Para isso é preciso um trabalho sério (que foi encomendado à Convenção Europeia mas que esta não realizou, preocupada como estava em impor uma Europa federal) que é o de distinguir o que é essencial que a União faça e devolver aos Estados as funções que os órgãos comunitários têm usurpado sem qualquer utilidade. Se se fizer isso com seriedade, talvez todos fiquemos surpreendidos pelo aligeiramento que se consegue obter para os órgãos comunitários, que passarão a encarregar-se só daquilo que instituições de uma organização de estados (e não de cidadãos) como é ou devia ser a União se deve encarregar.
Aligeirar a União e devolver aos estados competências que foram indevidamente partilhadas ou transferidas para os órgãos comunitários, incluindo nestas a política macroeconómica. Eis a receita para uma União viável acomodando 25 estados de culturas e nível de desenvolvimento muito diversos.
Ao querer transformar a Europa num superestado, o federalismo tornou-se o maior inimigo da civilização europeia. E ou muito me engano ou as votações da França e da Holanda são a primeira indicação de que os eleitorados dos países europeus já o compreenderam muito bem.
João Ferreira do Amaral
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