segunda-feira, 6 de dezembro de 2004

TRÂNSITO INTERROMPIDO



Mas que terá a ver a Informação TV com problemas de trânsito?
A questão é simples: essa informação circula mal. Amputações, desvios, manobras de diversão, são da ordem do dia. Qualquer sequenciação das unidades informativas de um Telejornal o demonstraria. O noticiário internacional é marginalizado, raramente posto em destaque, salvo quando a actualidade é de tal modo quente, que não pode ser de outro modo.
Como se o que se passa lá longe não nos dissesse respeito... e fosse cansativo. Preferível a informação sensível, imediata, à flor da pele. Alguma coisa se terá que dizer, obviamente, sobre o Iraque, tanto mais que ainda lá está o contingente da GNR mas, mesmo assim, de fugida, excepto quando se trata de entrevistar as lágrimas, inquietações ou alegrias dos familiares daqueles que chegam ou partem de “Figo Maduro”. Na verdade, pouca informação passa sobre o Iraque. Quanto a debates sobre a guerra, é pouco mais que o deserto. Exibe-se e volta a exibir-se nos ecrãs a trágica agonia dos reféns nas vésperas de serem decapitados, mas ilude-se soberanamente o enquadramento duma guerra, de modo a permitir situar as grandes questões, os móbeis da guerra e os envolvimentos, a farsa da “transferência” antecipada de poderes, a representatividade de um governo de transição num Iraque ocupado e em ruínas, uma soberania sob controlo americano e assim por diante. Onde está a informação alargada sobre Guantanamo e a decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos sobre a matéria, mas também sobre as Farenheit 9/11 de Michael Moore.
Noutros contextos, a Informação não passa ainda, porque fornecida em excesso ou manipulada. Nunca o acesso à informação disponível foi tão grande como nos nossos dias, apoiado por tecnologias de ponta e pela digitalização. Reverso da medalha, nunca se informou tão pouco, tão mal e de modo tão perverso. Obriga-se o telespectador a mergulhar na notícia local, no evento chamativo, no caso do dia, como seja o urso que surgiu, não recordo já em que espaço ou recinto público, ou o médico que aliciou sexualmente uma das suas pacientes, ou ainda uma tromba de água que se abateu sobre uma localidade. Um imediatismo informativo que confina o espaço cognitivo ao registo sentimental.
A Informação perdeu o seu estatuto próprio, cada vez mais submissa ao poder do mercado e acorrentada aos interesses dos grandes grupos empresariais. Já lá vai o tempo em que os media eram contra-poder, salvo raras e honrosas excepções que sobrevivem, aqui e lá, muitas delas na imprensa regional. A Informação é hoje um mercado cada vez mais promíscuo e intransitável. Viaja-se num troço de auto-estrada, mas logo se entra por acidentados caminhos de terra batida. Como chegar a bom porto nestas circunstâncias? Como não se perder pelo caminho, na opacidade desta auto-censura?
O que importa é distrair, as fronteiras entre Informação, por um lado, caso do dia e ilustração, por outro, são difíceis de demarcar. Mostra-se para melhor esconder. Daí a invisibilidade deste tipo de censura, mais viral que cirúrgica, a minar o tecido do interior, epidémica, e com a vantagem de dificultar a identificação dos agressores, dos agentes patogénicos.
A.B.

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