domingo, 20 de março de 2005

AI... AI... [ o fim ]


"És o “homem médio”, o “homem comum”. Repara bem no significado destas palavras: “médio” e “comum”.
Não fujas. Tem ânimo e contempla-te. “Que direito tem este tipo de dizer-me o que quer que seja?” Leio esta pergunta nos teus olhos-amedrontados. Ouço-a na sua impertinência, Zé Ninguém.(...)

Dizes: “Antes de confiar em ti, gostaria de saber qual a tua filosofia da vida.” Quando souberes a minha filosofia da vida vais a correr ao presidente da Câmara(...)
Observo estritamente o cumprimento das leis quando fazem sentido, e luto contra elas quando obsoletas ou absurdas. (Não corras já para o presidente da Câmara, Zé Ninguém, porque se ele for um homem decente faz o mesmo.(...)

Sentias-te livre – liberto da cooperação e da responsabilidade. E é por isso, Zé Ninguém, que és o que és, e é por isso que o mundo é o que é.
Fazes uma idéia, Zé Ninguém, de como se sentiria uma águia que estivesse a chocar ovos de galinha? De começo a águia julga que está a chocar apenas pequenas águias que virão a tomar volume idêntico ao seu. Mas o que acaba por sair são sempre frangos. Desesperada, a águia espera que os frangos ainda possam vir a ser águias. O tempo passa e o que finalmente surge são galinhas cacarejantes. Então, nasce na águia a tentação de comer frangos e galinhas de uma assentada, e apenas uma pequena réstia de esperança a impede de o fazer. A esperança de que um dia surja do bando de frangos uma pequena águia capaz de sondar a distância a partir dos píncaros, de detectar novos mundos, novas formas. de pensar e viver. E só esta esperança impede a triste e solitária águia de devorar os frangos e galinhas, que nem sequer se dão conta de que uma águia os sustenta e acolhe, que vivem num íngreme rochedo, bem acima dos vales perdidos. Nunca olharam para a distância como a águia solitária. Limitaram-se a engorgitar dia após dia o que a águia lhes trazia de alimento. Deixaram-se aquecer debaixo das suas asas poderosas sempre que chovia ou trovejava, enquanto ela suportava a tempestade sem qualquer proteção. Ou chegaram a atirar-lhe pedras pelas costas, nos piores dias. Quando deu por isso, o primeiro impulso foi desfazê-los, mas, pensando melhor, encheu-se de compaixão. Esperava ainda que algum dia haveria de surgir dos muitos frangos míopes e cacarejantes uma pequena águia capaz de a acompanhar.
Até hoje, a águia ainda não desistiu. De modo que ,continua a criar frangos. Tu não queres ser águia, Zé Ninguém, e é por isso que és comido pelos abutres. Tens medo das águias, e é por isso que vives em grandes bandos e és comido em grandes bandos. Porque algumas das tuas galinhas chocaram os ovos de abutre e os abutres foram então os teus chefes contra as águias, as águias que desejariam ter-te levado mais longe, mais alto. Abutres que te ensinaram a comer cadáveres e a contentar-te com alguns grãos de trigo, a berrar: “Viva, Viva, Abutre!”. E apesar das tuas privações e da tua condenação aos milhares, continuas a ter medo das águias que protegem os teus frangos.
Construíste sobre a areia a tua casa, a tua vida, a tua cultura e a tua civilização, a tua ciência e técnica, o teu amor e a tua educação de crianças. Não o sabes, Zé Ninguém, nem queres sabê-lo, e abates o grande homem que intente dizer-te. Na tua agonia, são sempre as mesmas questões que te afligem: (...)

E assim, na quietude do cair da tarde, quando me sento na erva em frente de minha casa, depois de um dia de trabalho, com a minha mulher é os meus filhos, ouço no pulsar da natureza à minha volta a melodia do futuro: ‘Humanidade inteira, eu te abençôo e abraço.’ E desejaria então que a vida aprendesse a defender os seus direitos, que fosse possível modificar os espíritos duros e os medrosos, que só fazem troar os canhões porque a vida os desapontou. E quando o meu - filho instalado no meu colo me pergunta: ‘Pai, o sol desapareceu, para onde foi, achas que volta depressa?’, respondo-lhe: ‘Sim, filho, há-de voltar amanhã para nos aquecer."

Cheguei ao fim da minha conversa contigo, Zé Ninguém. Muitas coisas mais haveria, no entanto, a dizer-te. Mas se me leste com atenção e honestamente descobrir-te-ás agindo como Zé Ninguém mesmo em situações que te não referi, pois que todas as tuas ações e pensamentos têm sempre o mesmo tom. "

Escuta, Zé Ninguém!
Wilhelm Reich


Ó respeitáveis enganadores que troçais de mim!

Donde brota a vossa política,

Enquanto o mundo for governado por vós?

Das punhaladas e do assassínio!

Charles de Coster (em Ulenspiegel)

Terminei a citação de um livro que gosto....pensei em partilhar.
Aqui está claro a preferência do Estado sobre a justiça, a mentira sobre a verdade, a guerra sobre a vida.
Escuta, Zé Ninguém! representa uma resposta silenciosa à intriga e à difamação.


Se ainda existisse o jornalista que relatava os acontecimentos teria terminado a descrição “ e esta, heim!”

Galateia de Pompeia

9 Comments:

At 20 de março de 2005 às 22:13, Anonymous Anónimo said...

Pois é: « Aqui está clara a ...» - são as concordâncias!

Mas deixe lá! Sem ressentimento:

« Porque ya no hay qien reparta el pan ni el vino,
ni qien cultive hierbas en la boca del muerto,
ni qien abra los linos del reposo,
ni qien llore por las heridas de los elefantes.
No hay más que un millión de herreros
forjando cadenas para los niños que han de venir.
No hay más que un millión de carpinteros
que hacen ataúdes sin cruz.
No hay más que un gentio de lamentos
que se abren las ropas en espera de la bala.»
F. García Lorca

...///:::

 
At 20 de março de 2005 às 22:17, Anonymous Anónimo said...

Pois é: « Aqui está clara a ...» - são as concordâncias!

Mas deixe lá! Sem ressentimento:

« Porque ya no hay quien reparta el pan ni el vino,
ni quien cultive hierbas en la boca del muerto,
ni quien abra los linos del reposo,
ni quien llore por las heridas de los elefantes.
No hay más que un millión de herreros
forjando cadenas para los niños que han de venir.
No hay más que un millión de carpinteros
que hacen ataúdes sin cruz.
No hay más que un gentio de lamentos
que se abren las ropas en espera de la bala.»
F. García Lorca

...///:::

 
At 20 de março de 2005 às 22:18, Anonymous Anónimo said...

Pois é: « Aqui está clara a ...» - são as concordâncias!

Mas deixe lá! Sem ressentimento:

« Porque ya no hay quien reparta el pan ni el vino,
ni quien cultive hierbas en la boca del muerto,
ni quien abra los linos del reposo,
ni quien llore por las heridas de los elefantes.
No hay más que un millión de herreros
forjando cadenas para los niños que han de venir.
No hay más que un millión de carpinteros
que hacen ataúdes sin cruz.
No hay más que un gentio de lamentos
que se abren las ropas en espera de la bala.»
F. García Lorca

...///:::

 
At 21 de março de 2005 às 12:03, Anonymous Anónimo said...

Mais do que “concordâncias” e “tempos verbais”, penso que o importante num espaço como este é exprimir-mos o que nos vai na alma e dar a conhecer as nossas opiniões !

Aqui vai mais uma achega…. “WORKING CLASS HERO” do saudoso john

(embora não saiba se é correcto ou não traduzir uma canção, aqui vai... tambem se tem de correr riscos)


"Assim que nasces fazem-te sentir pequeno
Tirando-te Tempo, em vez de to darem todo.
Até a Dor ser tão grande que deixas de sentir.

Magoam-te em casa, e batem-te na escola,
Odeiam-te se és esperto e desprezam um burro,
Até ficares tão confuso que não consegues seguir as regras.

Torturam-te e assustam-te durante 20 estranhos anos,
E depois esperam que escolhas uma carreira
Quando não consegues funcionar e estás cheio de medo.

Mantêm-te anestesiado com religião, sexo e televisão,
E achas-te tão esperto, sem classe e livre.
Mas para mim não passam da merda duns saloios.

Ainda te dizem que podes chegar ao topo,
Mas primeiro tens que aprender a sorrir enquanto matas,
Se quiseres ser como os gajos da zona chique."



As soon as you're born they make you feel small
By giving you no time instead of it all
Till the pain is so big you feel nothing at all
A working class hero is something to be
A working class hero is something to be

They hurt you at home and they hit you at school
They hate you if you're clever and they despise a fool
Till you're so fucking crazy you can't follow their rules
A working class hero is something to be
A working class hero is something to be

When they've tortured and scared you for twenty odd years
Then they expect you to pick a career
When you can't really function you're so full of fear
A working class hero is something to be
A working class hero is something to be

Keep you doped with religion and sex and TV
And you think you're so clever and classless and free
But you're still fucking peasants as far as I can see
A working class hero is something to be
A working class hero is something to be

There's room at the top they are telling you still
But first you must learn how to smile as you kill
If you want to be like the folks on the hill
A working class hero is something to be
A working class hero is something to be

If you want to be a hero well just follow me
If you want to be a hero well just follow me

 
At 21 de março de 2005 às 17:16, Anonymous Anónimo said...

Indómitos, de nariz empinado e peito feito resolvemos problemas, damos conselhos, desbaratamos energia e ideias e lá vamos andando, opiniões elaboradas, dúvidas bem escondidas e medos bem protegidos por disfarces que não confessamos e ás vezes nem assumimos. Aprendemos as palavras, os gestos, os trajectos. Temos uma espécie de código sobre o que se pode e o que não se pode fazer.

Escritor não sou.
Tentei escrever o que me ia na alma com a intenção de “provocar o cómico”. Joguei com a metáfora, o inesperado, o imprevisível.
Os textos que escrevi talvez sejam parentes pobres da literatura, mas…
André Jolles diz que o gracejo e a facécia funcionam como um relaxotio animi, um relaxamento do espírito, na medida em que o gracejo “fornece ao espírito um meio de libertar-se momentaneamente de si mesmo, quando o deseje.”

Sem ressentimentos, claro.

Cada homem tem em si um continente de carácter por descobrir. Feliz aquele que age como Colombo na sua própria alma.
(J. Stephen)

Galateia de Pompeia

 
At 22 de março de 2005 às 15:14, Anonymous Anónimo said...

Isto por aqui vai muito intelectual, para uma pobre criatura como eu, que não teve tempo de estudar muito.
A escola do Prof. Escarameia, teve de ser abandonada na 3ª Classe. O trabalho na tasca esperava por mim.
Caros amigos gostava dos ver falar da literatura do Garibaldino, esse escritor "maldito" cá da vila.

 
At 23 de março de 2005 às 09:39, Anonymous Anónimo said...

E quem é que lhe disse a si que o Garibaldino era ou foi um escritor maldito cá do sítio. Ó ANARCA...

 
At 23 de março de 2005 às 10:46, Anonymous Anónimo said...

Oh Anónimo(sem nome)
Então o Garibaldino não é um escritor maldito cá na "vila"!
Onde estão as reedições da sua obra?

 
At 23 de março de 2005 às 16:17, Anonymous Anónimo said...

Exmo Senhor:
Sem Nome
O Senhor deve ser muito novo?
Não conheceu o Garibaldino de Andrade, nem deve conhecer a sua obra.

 

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