sexta-feira, 1 de abril de 2005

CANDIDATOS



John Bolton é o candidato indicado pelo Presidente Bush, que, após ultrapassadas as resistências do Congresso à nomeação, será o próximo embaixador dos EUA na ONU. John Bolton é o homem que defendeu publicamente que as Nações Unidas não existiam e que qualquer reforma delas só poderia passar por transformar os EUA no único membro permanente do Conselho de Segurança. Para a presidência do Banco Mundial, cuja razão de existência é o financiamento dos países em vias de desenvolvimento, Bush "elegeu" e impôs à Europa o candidato único, Paul Wolfovitz, o grande ideólogo e estratega da missão "humanitária" no Iraque.
A escolha de dois unilateralistas, defensores da supremacia militar, política e moral dos Estados Unidos, para dois organismos por definição multilaterais, só pode indicar, à primeira vista, que Bush continua coerente com a sua visão do mundo, característica de um cowboy do Texas. Mas não: explicam-nos os neoliberais, tão em voga hoje, que a leitura é exactamente a inversa. Trata-se de um cavalo de Tróia ao contrário: escolhendo-se pessoas que têm as ideias e o perfil oposto ao aconselhável, isso só pode significar que elas vão mudar de ideias. O péssimo é aliado do bom - estratégia genial.
Mais lineares e lógicas são as nossas candidaturas, que agora se anunciam em diversas frentes. Guterres é candidato forte a alto-comissário da ONU para os Refugiados - o que implica, automaticamente, que deixe de ser candidato a Presidente da República, cargo que sempre disse não pretender e ninguém, ou quase ninguém, acreditou.
Saindo Guterres, Cavaco Silva fica sozinho em liça. Ferro Rodrigues não tem tempo para ressuscitar e Santana não tem ressurreição possível. Jaime Gama não tem suficiente carisma popular para fazer cócegas a Cavaco e António Vitorino, mesmo que o PS o engulisse, não conseguiria explicar ao país como é que só está disponível para o que lhe convém e quando convém. Na verdade, de todos os nomes atirados para cima da mesa, há apenas um que pode assustar Cavaco: é o de Manuel Alegre, um homem capaz de federar toda a esquerda e parte do centro numa candidatura presidencial.
Mas, antes disso, o PSD vai ter de escolher um presidente. O desfecho parece claro, a menos que uma improvável "terceira via" consiga uma confusão de última hora. Isso não sucedendo, Marques Mendes irá vencer com a tranquilidade de quem pensou antes, planeou e executou sem erros. Tem a legitimidade política de, desde o início, se ter demarcado da tragédia santanista, ao contrário de Luís Filipe Menezes, que andou aos ziguezagues, parecendo orientado pelos oráculos do dia, e acabou abraçado a Santana e... a Rui Rio! Um contra o outro, muito me espantaria que Menezes fosse além dos 15 por cento dos delegados.
Resolvida a questão partidária e, por inércia, a questão presidencial, o PSD vai ter de resolver as candidaturas autárquicas. No Porto - e através de um mecanismo verdadeiramente incompreensível a olhos de forasteiros -, Rui Rio é inamovível, apesar de ter contra ele, aparentemente, tudo e todos, excepto o PCP. Vai opor-se a Francisco Assis, um candidato socialista por exclusão de partes e que terá, desde logo, de enfrentar as resistências internas de alguns parasitas totalmente desprestigiados que vivem instalados no aparelho distrital e concelhio, fazendo da política a mais rasca das actividades lícitas.
Em Lisboa, o PSD tem a questão prévia do futuro pessoal de Santana Lopes, o qual se confunde com a estratégia autárquica e o destino da cidade. Irá ele espetar nova faca no "amigo" Carmona Rodrigues e irá este voltar a oferecer a outra face? Eis um drama que pouca influência terá no desfecho final: Lisboa, ao contrário do Porto, é para perder.
Em Lisboa, com ou sem coligação, a dois ou a três, Manuel Maria Carrilho tem tudo para a vitória e aquilo que mais tem é a convicção das pessoas comuns de que pode vir a dar um bom presidente da câmara. O mais difícil já ele conseguiu: convencer o partido a aceitar o seu nome, depois de o ter visto passar os últimos anos a saltar para dentro da carruagem quando a vitória se anunciava e a saltar para fora, assim que cheirava a "salve-se quem puder". Carrilho esteve com Guterres desde a primeira hora, a hora da vitória, e ofereceu-lhe a primeira flor na lapela e a mais demagógica, popular e ruinosa decisão do poder socialista: o embuste de Foz Côa. Depois, na altura em que Guterres mais precisava de apoio, na hora em que se vivia o desgaste e se prenunciava a derrota, foi o primeiro a saltar fora. Reemergiu, triunfante, na primeira fila da oposição ao lado de Ferro Rodrigues, quando, de repente, não havia um só guterrista nem um só socialista dotado de memória e de gratidão, em todo o país. E, quando Ferro começou a ser queimado no lume brando do "caso Casa Pia", deu às de vila-diogo e reapareceu ao lado da candidatura de Manuel Alegre, esquecendo ofensas passadas, e mais zeloso que nenhum outro a desfazer em José Sócrates. Mas, a partir de 20 de Fevereiro, não mais deixou de estar entre José Sócrates e Jorge Coelho, unha com carne. Como se vê, tem tudo para ganhar e, apesar da minha visão do seu currículo não ser propriamente aquilo que eu particularmente admiro, também reconheço que tem tudo para vir a ser um bom presidente de câmara que Lisboa tanto precisa.
Mais à direita, temos o caso notável, mas previsível, do PP, que, não só não tem qualquer ideia sobre as presidenciais ou as autárquicas, como até não tem qualquer ideia sobre si próprio - como aliás se viu no debate do programa do Governo, em que o grosso do talento daquela gente foi gasto a ajustar contas pessoais com Freitas do Amaral. No PP passa-se esta coisa que era de temer: ninguém quer tomar conta do partido. Os únicos que têm algum peso político para o fazer não o querem fazer. Estão ocupados em coisas mais práticas e mais rentáveis, como a advocacia de negócios, o tráfico de influências, a expectativa de algumas benesses ou alguns cargos generosamente concedidos pelo poder socialista. E quanto maior é o seu desvelo na "refundação da direita", maior é o seu desejo íntimo de que não os convoquem para a tarefa. Porque, no fundo, o grande problema da direita portuguesa é este: a direita ideológica ou subsiste como restos inapresentáveis do salazarismo, ou existe nos grandes negócios feitos à sombra do Estado e não confunde, de forma alguma, ideologia com oportunidades de negócio. O que os faz de direita não é mais do que a defesa do dinheiro e dos privilégios. Paulo Portas gastou sete anos da sua juventude convencido de que era possível restaurar, reabilitar e apresentar como alternativa uma direita de valores e de ideias. Foi o primeiro a perceber que ela, afinal, não existe, e daí o seu desânimo e a sua desistência.
Fora de todos estes esquemas, há um único português que se anuncia candidato a um cargo, ditando ele as próprias regras da sua vitória. É José Mourinho, que esta semana anunciou que, lá mais para o final da sua carreira, será seleccionador nacional. Mas, para que não lhe perguntem quando, deixou já esclarecido: "Será quando eu quiser, e não quando eles quiserem."


Miguel Sousa Tavares