sexta-feira, 31 de dezembro de 2004

"VOLTAR A ACREDITAR" EM QUÊ?


"Voltar a acreditar" é o lema do PS para esta campanha. E já começaram a aparecer os cartazes. "Voltar a acreditar em Portugal", li no primeiro que vi, à entrada e Lisboa, como, se de repente, tivessem voltado os dias do Euro 2004 e voltássemos a ter uma selecção para nos alegrar os dias e distrair dos problemas. Enquanto o Governo continua a anunciar medidas atrás de medidas - privatização das Ogma, concursos para novos helicópteros, novo plano de combate aos incêndios, abertura de vagas para funcionários judiciais ... -, como se estivesse ainda mais em funções do que antes de se ter demitido, a única coisa que o PS tem para dizer é um pedido de fé. "Voltar a acreditar". Mas acreditar em quê se tudo o que o novo PS de Sócrates parece ter para dar são os restos do PS de Guterres?
Os cabeças de lista dados a conhecer esta semana são uma imensa desilusão, uma sucessão de homens do aparelho e senadores socialistas, com anos de exercício em São Bento e passagens mais ou menos conturbadas pelos governos de Guterres. Enfim, a "tralha guterrista". Será nela que Sócrates quer que os portugueses voltem a acreditar?
Quando em 1995, Guterres formou governo, Portugal descrispou-se, descontraiu-se, sentiu que podia ser um país moderno e europeu, um país à imagem da Expo e com euros no bolso. Acreditou. Como gostaria de voltar a acreditar. Mas como voltar a acreditar nesses dias, sem lembrar tudo o que se seguiu? Sem lembrar o estertor do guterrismo? Sem lembrar que esse mesmo país a seguir se descobriu "de tanga" e mal-amado? Em vez de voltar a acreditar, Sócrates arrisca-se é a que os portugueses se voltem a lembrar de todo os erros que o agora líder socialista diz que é preciso não voltar a cometer.
Para além da "tralha guterrista", pouco mais há a notar nos nomes escolhidos pelo secretário-geral do PS. Quando a grande novidade dos cabeças de lista socialistas é Matilde Sousa Franco - uma tentação a que o PS não resistiu e que já fez escola no PSD (com Fernanda Mota Pinto e Teresa Almeida Garrett, viúva de Lucas Pires) - está muito dito sobre o que o PS tem para oferecer.
As primeiras prestações de uma das supostas estrelas do PS socrático - Manuel Pinho, quadro do grupo Espírito Santo, que já vinha a colaborar com Ferro Rodrigues e será o cabeça de lista por Aveiro - também deixam muito a desejar. Questionado sobre o que um eventual governo socialista fará para resolver o problema do défice, o nome do PS para a economia não pode responder apenas qualquer coisa do género de que o PS terá uma táctica e uma estratégia.
E o que dizer de Pedro Silva Pereira? Claro que um partido deve ter um porta-voz, mas não há mais ninguém no PS para falar sobre tudo e mais umas botas, para reagir a qualquer assunto?
Sócrates tem uma atenuante: entre a sua eleição como secretário-geral do PS e a decisão de Sampaio em dissolver a Assembleia da República não passaram dois meses. Fraca desculpa. Quem há três anos se prepara para ser líder do PS tem de ter feito o trabalho de casa.
E tem uma vantagem: se os seus cabeças de lista demonstram a sua incapacidade para renovar o partido, os de Santana Lopes mostram o quanto o PSD já não acredita no seu líder.
EUNICE LOURENÇO

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