PARA NÃO ESQUECER
Campo do Tarrafal
«... com amargura, com dores, na recordação de tantos mártires que baquearam, mercê da criminalidade desenfreada do fascismo... um momento de evocação por tantos companheiros de luta, entre os quais enfileiravam muitos que eu defendi nos tribunais plenários do fascismo, com a minha toga honrada, embora humilde.
... verifico que, indistintamente, se encontram homens como, eu, que sofreram as torturas da PIDE: que foram seviciados, que foram torturados, que sofreram a tortura da estátua, que se viram abrigados a abandonar o seu país e a procurar em terras estranhas a tranquilidade que lhes faltava na Pátria.
... sou capaz de contar dezenas de anos de cadeia, de misérias, passadas dentro do regime fascista.
Tenho uma palavra de comovida homenagem a todos quantos, através de todas as vicissitudes, mantiveram erecta a sua dignidade e a compostura moral do seu pensamento.
Foram torturas, foram solidões, foram exílios, foram deportações, foi todo um rosário de martírios que nos tocou à porta de muitos de nós. Não nos conseguiram vencer ... E a prova de que não nos conseguiram vencer é que muitos de nós não desistimos de viver, e ainda hoje aqui estamos desafiando todas as dificuldades, tendo dentro do peito sempre a amargura das horas mal passadas.
Não me consegui desprender, da minha qualidade de presidente da Liga dos Direitos do Homem, eleito como fui por todos os quadrantes políticos do meu País, por unanimidade, numas eleições clandestinas. Não me consigo desprender desta qualidade, e as minhas palavras são impregnadas fatalmente pela recordação desta presença dentro do meu espírito.
Foram anos, ... em que todos nós, uns piores, outros melhores, uns em piores condições, outros em melhores condições, afrontámos a «besta» do fascismo, sem receios e sem medo, e com saudade eu recordo as formas em que todos nos encontrávamos juntos nas mesmas trincheiras, a minha casa aberta a todos quantos eram foragidos e procuravam guarida, a minha toga, ... posta a serviço da causa justa dos perseguidos e espoliados pela ditadura.
Não me posso desprender desta recordação e magoa-me que alguém possa supor que podemos viver num outro sistema que não seja o sistema da legalidade, legalidade pela qual nos temos batido, e particularmente nós, os advogados, no fórum da nossa Ordem e fora dele, para que terminasse para sempre o regime jurídico e penal e de investigação processual miseravelmente posto ao serviço das polícias inconfessáveis; que eu me recorde dessa luta, e, portanto, é na recordação dessa luta que eu quero aqui afirmar se o meu país alguma vez voltasse à noite negra do fascismo, nós, os advogados e os homens como eu; estaríamos outra vez dispostos a envergar a nossa toga e a batermo-nos pelos mesmos princípios.
Foram anos de demissão, de sacrifícios, de assassinatos, de sevícias, de ofensas graves ao nosso corpo e á nossa alma. li bom que nos recordemos o que foi a resistência contra o fascismo, onde andámos todos irmanados no mesmo pensamento, e se eu vergo o meu pensamento para Bento Gonçalves, sepultado no Tarrafal, não posso deixar de erguer o meu pensamento, também, para Carlos Cal Brandão, sepultado no Porto, antigo presidiário do Tarrafal, e chefe da resistência contra a invasão japonesa.
Não temos necessidade de nos ofendermos uns aos outros, de estabelecer entre os homens que se bateram pela liberdade nas horas negras do fascismo forças intransponíveis, malquerenças, já não falo em ódios, azedumos sequer; nós estamos ainda longe da vitória, espreitam-nos horas muito difíceis e muito graves, é difícil vaticinar, mas uma coisa é certa, todos nós sofremos, uns mais, repito, outros menos, para que se instaurasse de novo em Portugal um regime de legalidade...»
... verifico que, indistintamente, se encontram homens como, eu, que sofreram as torturas da PIDE: que foram seviciados, que foram torturados, que sofreram a tortura da estátua, que se viram abrigados a abandonar o seu país e a procurar em terras estranhas a tranquilidade que lhes faltava na Pátria.
... sou capaz de contar dezenas de anos de cadeia, de misérias, passadas dentro do regime fascista.
Tenho uma palavra de comovida homenagem a todos quantos, através de todas as vicissitudes, mantiveram erecta a sua dignidade e a compostura moral do seu pensamento.
Foram torturas, foram solidões, foram exílios, foram deportações, foi todo um rosário de martírios que nos tocou à porta de muitos de nós. Não nos conseguiram vencer ... E a prova de que não nos conseguiram vencer é que muitos de nós não desistimos de viver, e ainda hoje aqui estamos desafiando todas as dificuldades, tendo dentro do peito sempre a amargura das horas mal passadas.
Não me consegui desprender, da minha qualidade de presidente da Liga dos Direitos do Homem, eleito como fui por todos os quadrantes políticos do meu País, por unanimidade, numas eleições clandestinas. Não me consigo desprender desta qualidade, e as minhas palavras são impregnadas fatalmente pela recordação desta presença dentro do meu espírito.
Foram anos, ... em que todos nós, uns piores, outros melhores, uns em piores condições, outros em melhores condições, afrontámos a «besta» do fascismo, sem receios e sem medo, e com saudade eu recordo as formas em que todos nos encontrávamos juntos nas mesmas trincheiras, a minha casa aberta a todos quantos eram foragidos e procuravam guarida, a minha toga, ... posta a serviço da causa justa dos perseguidos e espoliados pela ditadura.
Não me posso desprender desta recordação e magoa-me que alguém possa supor que podemos viver num outro sistema que não seja o sistema da legalidade, legalidade pela qual nos temos batido, e particularmente nós, os advogados, no fórum da nossa Ordem e fora dele, para que terminasse para sempre o regime jurídico e penal e de investigação processual miseravelmente posto ao serviço das polícias inconfessáveis; que eu me recorde dessa luta, e, portanto, é na recordação dessa luta que eu quero aqui afirmar se o meu país alguma vez voltasse à noite negra do fascismo, nós, os advogados e os homens como eu; estaríamos outra vez dispostos a envergar a nossa toga e a batermo-nos pelos mesmos princípios.
Foram anos de demissão, de sacrifícios, de assassinatos, de sevícias, de ofensas graves ao nosso corpo e á nossa alma. li bom que nos recordemos o que foi a resistência contra o fascismo, onde andámos todos irmanados no mesmo pensamento, e se eu vergo o meu pensamento para Bento Gonçalves, sepultado no Tarrafal, não posso deixar de erguer o meu pensamento, também, para Carlos Cal Brandão, sepultado no Porto, antigo presidiário do Tarrafal, e chefe da resistência contra a invasão japonesa.
Não temos necessidade de nos ofendermos uns aos outros, de estabelecer entre os homens que se bateram pela liberdade nas horas negras do fascismo forças intransponíveis, malquerenças, já não falo em ódios, azedumos sequer; nós estamos ainda longe da vitória, espreitam-nos horas muito difíceis e muito graves, é difícil vaticinar, mas uma coisa é certa, todos nós sofremos, uns mais, repito, outros menos, para que se instaurasse de novo em Portugal um regime de legalidade...»
Texto de: Vasco da Gama Fernandes
Oferecido pelo autor numa visita a Ponte de Sor, em 1975.
Post enviado por: J.D.M.(filho)
1 Comments:
Muitos dos leitores deste blog não conheceram este senhor Vasco da Gama Fernandes.
Mas o "burro" do Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sor, devia reflectir bem sobre este texto.
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