terça-feira, 30 de agosto de 2005

UMA INDÚSTRIA PRÓSPERA


Este sítio, pessimista por natureza e cada vez mais mal frequentado, está, como se sabe, em estado de pre-falência, com todos os indicadores no vermelho e sem que ninguém vislumbre melhoras significativas nos próximos anos. O sítio, aliás, está neste estado há muitos anos. Valeram os dinheiros europeus para grandes obras públicas, os milhões para formação profissional que serviram para enriquecer muitos nativos e deixar ignorantes os alunos subsidiados, a razoável situação da economia europeia que foi iludindo as deficiências estrutrurais da indústria lusitana, nomeadamente nos têxteis, vestuário e calçado, e outras benesses resultantes da nossa entrada na moeda única para disfarçar o real estado da economia do sítio. Agora, com o mercado a impor cada vez mais as suas regras, a globalização crescente e a entrada de novos parceiros na União Europeia, o castelo veio abaixo e deixou à mostra as falsidades e, sobretudo, as misérias em todos os domínios. Sociais, políticos, económicos e culturais. Sem dinheiro fácil, acabou--se a ilusão e o futuro apresenta-se cada vez mais negro.

Por falar em negro, que é a cor da nossa floresta depois de mais uma época de incêndios, importa salientar o estado próspero de uma indústria que, ano após ano, não deixa de facturar muitos milhões de euros, com taxas de crescimento assinaláveis e margens de lucro verdadeiramente invejáveis, sob todos os pontos de vista.

De facto, a indústria do fogo movimenta milhões e milhões de euros anualmente em equipamentos, produtos, viaturas e outros materiais necessários, mas nunca suficientes, para apetrechar devidamente as centenas ou milhares de corporações de bombeiros voluntários ou profissionais do sítio. E se os meios terrestres exigem um esforço financeiro tremendo, o Estado ainda despende verbas exorbitantes no aluguer dos chamados meios aéreos, os tais que são objecto, ano após ano, de imensas polémicas.

A indústria do fogo recomenda--se. E os debates de Verão, sobre pirómanos, eficácia das polícias, efeitos nefastos das imagens televisivas, limpeza das matas, coerciva ou voluntária, ordenamento florestal, pinheiros, eucaliptos, competência dos bombeiros, meios aéreos alugados ou comprados pelo Estado acabam sempre por se esfumar no Outono e no Inverno. E a indústria do fogo, indiferente a tanta palavra largada ao vento que passa, continua, próspera, cada vez mais obesa, a repor os stoks consumidos por milhares e milhares de bombeiros em mais uma época tremenda de incêndios.

E assim os fogos vão continuar neste sítio. Com muitos negócios. Públicos, privados ou em parcerias.

António R. Ferreira

2 Comments:

At 30 de agosto de 2005 às 14:06, Anonymous Anónimo said...

Por cada 1000 hectares de território nacional há:


22 (!) vezes mais fogos em Portugal do que na Grécia,


20 vezes mais do que em França,


7 vezes mais do que na Italia e


7 vezes mais do que na vizinha Espanha.

As razões desta diferença serão muitas... mas quantas se deverão ao facto de, nestes 4 países, as autoridades terem definido políticas de prevenção e combate a incêndios florestais que implicaram a aquisição de uma frota de aviões Canadair para os respectivos países e só no nosso é que sempre se concluiu que não fazia sentido a aquisição desses aparelhos

 
At 30 de agosto de 2005 às 14:07, Anonymous Anónimo said...

Ora, as matas não são limpas, apesar dos dispositivos legais já existentes, porque, entre outras coisas, falta um cadastro actualizado das propriedades florestais. E não se pode prevenir ou punir quando não há condições para apurar responsabilidades. Além disso, a calamidade dos fogos é um fenómeno há longo tempo diagnosticado, mas o Governo espera que acabe o Verão para estudar o assunto. No próximo ano, as televisões repetirão, insaciáveis, as imagens da desgraça? Os pontinhos vermelhos voltarão a aparecer nas imagens de satélite? E o Governo prometerá novamente punir os responsáveis e analisar as causas do problema? Decididamente, os fogos de Verão tornaram-se uma metáfora perfeita das incapacidades e irresponsabilidades nacionais

 

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