A DIFERENÇA NA INDIFERENÇA
Calcule-se que o primeiro-ministro do país vizinho tresloucou. Interrompeu as férias quando um helicóptero se despenhou no Afeganistão, causando a morte a 17 militares espanhóis!
Fossem quais fossem as razões que tenham avultado com tão eficaz poder abortivo no seu débil espírito, a elas se pode aplicar o que Cervantes começa por dizer de D. Quixote "Com estas razones perdia el pobre caballero el juicio, y desvelábase por entenderlas y desentrañarles el sentido, que no se lo sacara ni las entendiera el mismo Aristóteles, si resucitara para solo éllo."
Nem Aristóteles perceberia, com efeito. O rei estava no seu posto, Zapatero tinha-se feito substituir devidamente, o ministro da Defesa tinha capacidade de intervenção, a Força Aérea estava em condições de assegurar a trasladação e a guarda de honra, as agências funerárias e os cangalheiros continuavam lestamente disponíveis para as pompas fúnebres, tudo, sim, tudo se encontrava em funcionamento, impecável, ordeiro, na ponta da unha.
E, todavia, Zapatero não soube ter "la sangre fría necesaria". Deixou-se desestribar do seu merecido repouso estival por um evento ocorrido lá no remoto Afeganistão, terra de talibãs, de poeiradas tórridas e de cheiro a morrinha, onde por vezes soçobram os meios aéreos e há perda de vidas de gente que anda a cumprir o seu dever.
Por essa Europa fora, quando ocorre uma desgraça, do terrorismo às catástrofes naturais, há esse péssimo costume de os responsáveis máximos comparecerem logo, mesmo que se encontrem no cu de Judas, para se inteirarem pessoalmente da extensão e da gravidade dos problemas e para que as populações se sintam acompanhadas ao mais alto nível. O que por aí tem havido de baratas tontas a acudirem a torto e a direito, da rainha de Inglaterra a Jorge Sampaio, de Tony Blair a José María Aznar!
Zapatero voltou a toque de caixa, mas não devia. Felizmente, José Sócrates chegou para ele. Mais uma vez, a Lusitânia mete na ordem a Espanha e os seus portentosos dromedários. Foi assim que Portugal deu novos mundos ao mundo.
Em poucos dias, morreram uma dúzia de bombeiros e um punhado de civis. Mas Sócrates não podia ressuscitá-los.
De resto, os bombeiros estavam no cumprimento do seu dever e os civis eram, na sua maior parte, idosos; mais tarde ou mais cedo, chegaria a sua hora. O que era preciso era enterrar os mortos e cuidar dos vivos, e também não consta que o Marquês tenha andado de um lado para o outro, peruca em desalinho, açodado a deitar a mão a macas e a padiolas.
Os feridos e intoxicados, às centenas, receberam assistência nos hospitais. Não precisavam de Sócrates para nada, pois ele não é médico e nem sequer auxiliar de enfermagem.
As casas e os haveres, as paisagens e as culturas ficaram completamente destruídas. José Sócrates, que se saiba, não tem pretensões a fazer de Rainha Santa nem traz rosas no avental. Para isso, há a Segurança Social.
Os bombeiros têm estado motivados. Não havia falta de equipamento (António Costa dixit). Quando os meios aéreos não podiam intervir, isso devia-se ao excesso de fumaça (António Costa asseveravit).
Ora, quando as coisas são só fumaça, não há necessidade de ninguém interromper as suas férias a correr, o que é sabido desde os tempos infaustos do almirante Pinheiro de Azevedo, mas não é de mais repetir para escarmento dos Zapateros da vida e de um punhado de energúmenos críticos.
O vice-primeiro-ministro estava alerta, pelo que Sócrates, que não é bombeiro nem romancista russo aplicado, só viria empatar as operações. De resto, tal como os presidentes das câmaras, que ninguém viu de mangueira em punho e não precisavam para nada de ter comparecido nos locais atingidos, a não ser para se mostrarem à televisão.
Os factos encarregaram-se entretanto de confirmar que a presença de Sócrates até nisto dos incêndios é um erro de casting extremamente nocivo ao País. Mal chegou, os incêndios recrudesceram. Mal chegou, o equipamento deixou de ser suficiente e ele desatou a pedir à Europa aviões que possam funcionar a despeito da fumaça. É certo que se cobriu de ridículo e foi à Pampilhosa homenagear os bombeiros com um paleio sem nome. Mas isso é coisa de nada e de minimis non curat praetor.
Enfim, com o seu airoso comportamento e sentido de Estado, Sócrates veio pôr em relevo um princípio fundamental que também nos estrema da Europa, mas enfim, desta vez, só pela positiva o da diferença na indiferença.
Vasco Graça Moura
Fossem quais fossem as razões que tenham avultado com tão eficaz poder abortivo no seu débil espírito, a elas se pode aplicar o que Cervantes começa por dizer de D. Quixote "Com estas razones perdia el pobre caballero el juicio, y desvelábase por entenderlas y desentrañarles el sentido, que no se lo sacara ni las entendiera el mismo Aristóteles, si resucitara para solo éllo."
Nem Aristóteles perceberia, com efeito. O rei estava no seu posto, Zapatero tinha-se feito substituir devidamente, o ministro da Defesa tinha capacidade de intervenção, a Força Aérea estava em condições de assegurar a trasladação e a guarda de honra, as agências funerárias e os cangalheiros continuavam lestamente disponíveis para as pompas fúnebres, tudo, sim, tudo se encontrava em funcionamento, impecável, ordeiro, na ponta da unha.
E, todavia, Zapatero não soube ter "la sangre fría necesaria". Deixou-se desestribar do seu merecido repouso estival por um evento ocorrido lá no remoto Afeganistão, terra de talibãs, de poeiradas tórridas e de cheiro a morrinha, onde por vezes soçobram os meios aéreos e há perda de vidas de gente que anda a cumprir o seu dever.
Por essa Europa fora, quando ocorre uma desgraça, do terrorismo às catástrofes naturais, há esse péssimo costume de os responsáveis máximos comparecerem logo, mesmo que se encontrem no cu de Judas, para se inteirarem pessoalmente da extensão e da gravidade dos problemas e para que as populações se sintam acompanhadas ao mais alto nível. O que por aí tem havido de baratas tontas a acudirem a torto e a direito, da rainha de Inglaterra a Jorge Sampaio, de Tony Blair a José María Aznar!
Zapatero voltou a toque de caixa, mas não devia. Felizmente, José Sócrates chegou para ele. Mais uma vez, a Lusitânia mete na ordem a Espanha e os seus portentosos dromedários. Foi assim que Portugal deu novos mundos ao mundo.
Em poucos dias, morreram uma dúzia de bombeiros e um punhado de civis. Mas Sócrates não podia ressuscitá-los.
De resto, os bombeiros estavam no cumprimento do seu dever e os civis eram, na sua maior parte, idosos; mais tarde ou mais cedo, chegaria a sua hora. O que era preciso era enterrar os mortos e cuidar dos vivos, e também não consta que o Marquês tenha andado de um lado para o outro, peruca em desalinho, açodado a deitar a mão a macas e a padiolas.
Os feridos e intoxicados, às centenas, receberam assistência nos hospitais. Não precisavam de Sócrates para nada, pois ele não é médico e nem sequer auxiliar de enfermagem.
As casas e os haveres, as paisagens e as culturas ficaram completamente destruídas. José Sócrates, que se saiba, não tem pretensões a fazer de Rainha Santa nem traz rosas no avental. Para isso, há a Segurança Social.
Os bombeiros têm estado motivados. Não havia falta de equipamento (António Costa dixit). Quando os meios aéreos não podiam intervir, isso devia-se ao excesso de fumaça (António Costa asseveravit).
Ora, quando as coisas são só fumaça, não há necessidade de ninguém interromper as suas férias a correr, o que é sabido desde os tempos infaustos do almirante Pinheiro de Azevedo, mas não é de mais repetir para escarmento dos Zapateros da vida e de um punhado de energúmenos críticos.
O vice-primeiro-ministro estava alerta, pelo que Sócrates, que não é bombeiro nem romancista russo aplicado, só viria empatar as operações. De resto, tal como os presidentes das câmaras, que ninguém viu de mangueira em punho e não precisavam para nada de ter comparecido nos locais atingidos, a não ser para se mostrarem à televisão.
Os factos encarregaram-se entretanto de confirmar que a presença de Sócrates até nisto dos incêndios é um erro de casting extremamente nocivo ao País. Mal chegou, os incêndios recrudesceram. Mal chegou, o equipamento deixou de ser suficiente e ele desatou a pedir à Europa aviões que possam funcionar a despeito da fumaça. É certo que se cobriu de ridículo e foi à Pampilhosa homenagear os bombeiros com um paleio sem nome. Mas isso é coisa de nada e de minimis non curat praetor.
Enfim, com o seu airoso comportamento e sentido de Estado, Sócrates veio pôr em relevo um princípio fundamental que também nos estrema da Europa, mas enfim, desta vez, só pela positiva o da diferença na indiferença.
Vasco Graça Moura
5 Comments:
Grupo de especialistas considera que dentro de apenas alguns anos cessará a tragédia dos incêndios que todos os anos assola o nosso país... é só esperar que arda o resto da floresta nacional.
Saberá o estimado leitor que um avião de combate a fogos Canadair, custa 17.000.000 de Dólares Americanos (qualquer coisa como 14.000.000 de Euros), onde se incluem, naturalmente, o avião propriamente dito, a formação do pessoal, a presença de representantes do fabricante do avião durante os 365 dias do ano junto do país - ou entidade - que o adquira, e que o mesmo tem uma vida útil de 30 anos?
Saberá igualmente o estimado leitor que os 2 submarinos que o nosso país irá comprar, com uma utilidade por demais evidente, custarão a módica quantia de 700.000.000 de Euros? Sim, leu bem, 700 milhões de Euros!
E saberá o caro leitor, já agora, quanto já se gastou na preparação da construção do TGV? E em estudos para a construção do tal Aeroporto da Ota?
Ora bem, para o TGV prevê-se um custo de 16,9 milhões de Euros por Km, num total de 850.000.000 de Euros e, para o aeroporto da Ota, que ainda não vi nenhum técnico defender a sua existência e que supostamente só fará sentido a partir de 2020, presume-se que a coisa rondará os 2.500.000.000 de Euros!
Ora bem, isto daria qualquer coisa como... ora deixa cá ver... 2.500.000.000 a dividir por 14.000.000, ora bem dá, dá qualquer coisa como... ora bem... catorze...não...ora bem, dá 179 aviões?! Tantos? Não pode ser. deve haver por aqui algum engano. Ora deixa cá ver de novo. 2.500.000.000 a dividir por 17.000.000 dá qualquer coisa como...
Com os incêndios é uma boa parte do nosso mundo rural que perde os seus rendimentos o que nos leva a questionar se o ministério da Agricultura não terá uma palavra a dizer; a mesma seca que derrotou a agricultura no sul está a destruir uma das bases da economia rural do centro e norte do país.
Confrontado com a seca no sul Jaime Silva, ministro da Agricultura, defendeu-se com os princípios da PAC, chamando a atenção para a necessidade dos agricultores recorrerem aos seguros, e agora que o que resta da população rural no centro e norte vê uma boa parte dos seus recursos ninguém lhe ouviu uma palavra. O pior é que com esta política Agrícola Comum Jaime Silva tem razão, e o mal está aí.
Com as transformações forçadas que o meio rural português sofreu nos últimos 30 anos a actual situação era inevitável, ano após anos uma floresta que se desenvolveu com um modelo de sociedade e economia rurais vai ardendo inexoravelmente até ao último pinheiro. Face às características da nossa agricultura a PAC foi uma política desastrosa, que marginalizou uma boa parte da nossa economia agrícola e da população que dela depende, destruindo uma economia de subsistência onde até a tradicional matança do porco foi proibida; e o cavaquismo tem aqui grandes responsabilidades, aproveitou viu este quadro miserável para substituir o pinheiro (que no passado havia substituído outras espécies florestais) pelos eucaliptos que interessavam à indústria do papel de onde veio e para onde voltou Álvaro Barreto.
Jaime Silva é um ministro competente e honesto, há muito que o conheço e que tenho por ele estima e amizade; mas se entender o cargo de ministro da Agricultura como o de gestor local dos instrumentos da PAC, um representante local do Comissário Europeu para a agricultura, será um ministro da agricultura tão incompetente como aqueles que o a antecederam.
A organização, eficiência e polivalência – simultaneamente polícias, bombeiros e pilotos – dos alemães que chegaram a Portugal para ajudar a debelar os fogos, a autonomia logística, o profissionalismo e a forma fácil com que se articulam com os restantes meios no teatro de operações, estão a justificar a admiração dos companheiros portugueses. São muito organizados e auto-suficientes. Trouxeram da Alemanha praticamente tudo aquilo que lhes vai ser útil.
“O combate aos fogos é apenas uma das suas missões. De facto, estes homens estão preparados para resgatar pessoas, patrulhar as orlas costeiras, vigiar os navios que lavam tanques no alto mar ou garantir a segurança dos comboios que transportam matérias tóxicas”, segundo explicou o chefe da missão alemã ao JN.
Se ao menos aprendêssemos alguma coisa!...
Na minha opinião a causa básica dos incêndios florestais é esta: há pouca gente perto da floresta para a defender.
A floresta tem dois tipos de proprietários: os idosos, alguns dos quais ainda estão no local, mas não podem, e, os filhos destes, que podem mas não estão lá.
Por outro lado, ainda há muito pinho, que também tem ardido. Será que o valor do pinhal e eucalipto não justifica que os proprietários gastem alguma coisa na sua protecção?
Por outro lado ainda, parece-me que as Matas do Estado,não falo nos Parques Naturais, que também já ardem, ardem menos, por estarem mais bem vigiadas e protegidas. Mas, se há tanta gente a querer acabar com o Estado!
Talvez a solução seja mesmo uma lei tipo lei das Sesmarias, com mais guardas florestais e guarda-rios: quem não trata e protege a sua floresta tem de a arrendar ou vender; se estes também não tratarem o Estado toma conta delas; se o Estado também não cuidar entrega-se à Europa...
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