sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

UM HOMEM DO FUTURO...


Peter Drucker - o "operário" do conhecimento

Este génio do pensamento económico e social morreu a semana passada.
Creio, contudo, que viverá sempre. Pouco ou nada poderíamos dizer sobre ele - que acrescentasse algo ao mundo ou ao pensamento económico e social - agora na transição dos séculos e dos milénios.

Nunca precisou de apresentações.
Tinha uma posição muito peculiar sobre as instituições que nos governam: dos governos modernos... Drucker entendia que só conseguíam fazer bem duas coisas:


1) Travar guerras no sistema internacional ;
2) Inflacionar a moeda.



É óbvio que muitos outros pensadores e políticos o tentaram contrariar, em vão. Drucker sobreviveu a todos eles.
Tinha e tem um impacto planetário.
Só o seu nome representa uma novela na lista dos best-sellers em muitos países do mundo, designadamente no Brasil, com milhões de almas a consumir "gestão", a ingerir-gestão.
Para nada, afinal...
Pois nem a corrupção consegue - já não digo eliminar, mas pelo menos reduzir para níveis aceitáveis que permite fazer respirar a economia.
Era um gurú para muitos homens de empresa e decisores do mundo moderno.
Foi um pensador profundamente criativo; criou conceitos; inovou; inventou as privatizações.
Drucker foi um trabalhador incansável do conhecimento; foi um defensor da gestão enquanto disciplina que tinha de se levar muito a sério.
Cheguei a beber os seus conhecimentos quando estudei marketing para Organizações que não visam o lucro.
Drucker foi sempre uma permanente fonte de inspiração.
Estava procupado com o 3º Sector - o não lucrativo - que ajudou a explicar muita da filosofia que orientou as ONG que se criaram em toda a década de 90 e, de algum, fizeram a história dos últimos anos.

Quase sempre contra os governos dos Estados, a favor das pessoas. E, não raro, porque se trata de organizações de homens, também se abetoavam com recursos financeiros vindos dos Estados (de que eram pequenos "lacaios") ou faziam o trabalho sujo que os governos ou não podiam ou não queriam fazer na arena internacional, designadamente em cenários de conflito e de miséria humana..decorrente de guerras civis que originavam clamorosos conflitos humanitários.
A vida dos refugiados atesta bem essa triste e dramática realidade dos nossos dias.

E é aqui que lhe reconheço mais valia: foi um autor seminal, deixando noutros pistas que poderiam ser desenvolvidas depois dele.
Drucker era, pois, um autor prolixo, multiplicava pães como formigas, parecia ter o dom do milagre da multiplicação, ao invés de muitos outros autores-eucalipto que secavam tudo à sua volta.

Ele já foi cunhado de tudo: "pai da gestão"; o inventor da América industrial; etc, etc.
Aparte todo o seu legado, que ainda está por fazer e apurar, e pode levar uma década a construir, desejaríamos, contudo, deixar aqui uma memória pessoal - que vale o que: em 1998 - terminava o meu mestrado em Ciência Política.
O trabalho tinha quase 700 páginas e respondia pelo seguinte nome: As ONG(D) e a Crise do Estado soberano - um Estudo de Ciência Política e Relações Internacionais, Ed. Univ. Lusíada, Lisboa, 2000.
O chamado 3º Sector - integrava uma boa parte do trabalho, daí termos pensado em sugerir que o genial Peter Drucker pudesse conhecer o trabalho e, em conformidade, tecer cinco, quatro, três, duas uma linha a propósito do mesmo.

Havia que arranjar a morada e contactá-lo.
O JNR teve essa amabilidade.
Enviei o fax para sua residência em Claramont, na Califórnia, EUA.
Ele recebeu-o e umas horas depois deu-me uma resposta mais ou menos nestes stermos: dada a minha avançada idade já não me encontro disponível para participar em conferências, lançamentos de livros e congéneres...
Foi uma nega virtuosa.
Eu, um investigador desconhecido, tentando falar com um ser planetário - que me respondera horas depois de o interpelar por fax.
Interessante, pensei..
Na altura o mail ainda não estava muito generalizado.
Não fora o meu Pai ter falecido nesse ano, nesse mês, talvez nessa semana e ainda guardaria esse fax com imenso orgulho.
Guardo-o na mesma, apesar de tudo.
Foi, talvez, a nega mais apetecível que devo ter recebido na vida.
Hoje, tal como quando em 2000 lhe enviei o fax para a sua residência, tive plena consciência desse acto: uma mosca perguntando o nome a um elefante.
Só que o elefante em vez de esmagar a mosca, acabou por lhe responder educadamente.
Hoje recordo tudo isso com uma tristeza colorida, e acabo por ter um bom pretexto para reencontrar esse tal fax que recebi do genial Peter Drucker há 5 anos.
Ao mesmo tempo em que tinha perdido o meu pai com 60 anos editava o meu 1º trabalho: As ONG(D) e a crise do Estado...
Foi um ano terrível, repleto de dualidades, ambivalências, ciclotimias, alegrias e frustrações e dores d´alma.
- Enfim, foi um ano cheio de neve e de carvão que tentei ultrapassar o melhor possível na paleta de cores da minha estranha vida.

Hoje, essa "estória" da mosca em diálogo com o elefante por fax deixa-me a pensar. E também parece que suscitou preocupação a Drucker, já que as grandes organizações não podem ser versáteis.
Uma grande organização, dizia Peter Drucker, - é eficaz pela massa e não pela agilidade. As moscas podem saltar muitas vezes a sua própria altura, mas o mesmo não se passa com os elefantes.

É óbvio que PD foi simultaneamente uma mosca e um elefante, ou um elefante-mosca. E como é fácil imaginar um elefante alado..., voando por todo o lado, deixando sementes por onde passa.
No sítio das sementes cresciam depois palmeiras.. E se conto hoje aqui esta estória, que é, afinal, um simples testemunho com base num fax, é porque o dia do seu desaparecimento foi também um dia triste para mim, apesar de nunca o ter conhecido.
Nem era preciso, pois com certos homens - só os podemos conhecer pela via intelectual, através das ideias. E isso basta-nos.
Fiquei sempre com a sensação que estava ali um homem bom, além de sábio.
Foi também um episódio que fronteirou com a morte do meu pai, no Natal de 2000 - que agora vai fazer 5 anos nesse tempo que passa.

E são estas "continuidades" e "descontinuidades" - que hoje fazem falta à economia, à sociedade e à política.
Drucker foi, de facto, um homem presciente.
Andou sempre à frente da realidade.
Esteve para a economia e a gestão como Cervantes esteve para a literatura, antecipando-as.
Criou paradigmas com base nos quais víamos a realidade mais simplificadamente e mensurávamos os grandes números de forma mais rigorosa e adequada.

Quando olhamos para trás e recordamos Adam Smith ou David Ricardo - intragávelmente cuspidos no manual do Pedro Soares Martínez, que tinha de ser decorado como um verso do Al Corão, lá nos vêm à memória as vantagens comparativas. E sendo o clima de Portugal favorável à plantação de uvas - (a minha Avó - por exemplo - adorava podar as videiras desconhecendo em absoluto essas teorias das vantagens comparativas de Smith e de Ricardo, e fazia-o de óculos escuros mais parecia uma estrela de Holliwood) - e o clima de Sua Majestade/Inglaterra favorável à criação de ovelhas, fazia sentido trocar o vinho luso pela lã inglesa.

O comércio fluía naturalmente por esse binómio de economias complementares, precisamente porque aquelas duas nações - Portugal e Inglaterra - para recuperar o exemplo clássico que se estuda nos manuais de economia política - produziam produtos diferentes, ao invés do que então se passara entre Inglaterra e os emergentes EUA - que poduziam pordutos iguais e, por isso, entravam em choque concorrencial, como é hoje o prato do dia. Estranho é que essa guerra económica e comercial se verifique hoje com a China e a Índia - a fábrica e o escritório do mundo...

Com efeito, com Drucker já não podemos recorrer aos velhos Smith e Ricardo. Drucker rasgou essa fronteira e abriu um novo mundo.
Um mundo assente numa nova mercadoria que agora pulula na economia mundial e coloca tudo de pernas para o ar.
Pois quanto mais iguais forem as economias no quadro de funcionamento das suas estruturas - mais tendem a sofrer.
Seja nos seus custos factoriais seja na sua concepçãao tecnológica, apesar de maior e mais intensivo passar hoje a ser o comércio entre as nações do mundo inteiro nesta aldeia global - onde todos se falam, mas em que verdadeiramente só muito poucos se conhecem.
O recurso a Drucker para explicar a malha do nosso tempo é, pois, vital.
Foi ele que viu, com a sua tal presciência, que a mercadoria-chave da economia-mundial é o conhecimento - directo através de um investimento ou por intermédio de força de trabalho que se orienta pela via da migração dos milhares de trabalhadores que todos os anos, todos os meses, todos os dias, são obrigados a sair dos seus próprios países para trabalharem nas economias de outros países.
Portugal conhece bem essa "estória"...

Drucker percebeu como ninguém essa lógica de funcionamento do padrão do centro comercial global emergente.
Drucker foi sempre um homem presciente, um homem do futuro.

Um dia perguntaram a Drucker o que fazia no tempo de lazer..
Respondeu: que tempo de lazer?
Depois pediram-lhe para comentar a aparente ironia de estudar as grandes organizações e as grandes empresas como a GM - sem nunca ter trabalhado numa.. Replicou : Nunca poderia trabalhar numa grande organização. Aborrecem-me até às lágrimas.


Peter Drucker foi, em nosso entender, um engenheiro de conceitos, mais do que um homem da gestão ou da empresa - no puro sentido da palavra.
Percebeu que numa economia internacional em mutação há apetites comuns, exigências comuns que já não se confinam ao velho espaço das economias nacionais.
Agora a "guerra" é de âmbito global. E Drucker percebeu - muito antes dos outros gurús que pensavam a gestão e a economia globais - o funcionamento desse padrão, que era agora motorizado por um novo apetite universal - que, por sua vez, se alimentava dos pequenos luxos que geravam e intensificavam essas tais interdependências na economia mundial.


Pelo amável fax que dele recebi - que foi a nega mais saborosa que tive e, sobretudo, pelos seus inúmeros e seminais ensinamentos, deixamos aqui este breve testemunho.
Talvez um dia façamos um artigo mais sério sobre PD.
Ele merece...

Pela sua sagesse, mas também pela sua bondade (só própria dos grandes homens) - que parece ter sido verdadeiramente sentida por todos que lidaram com ele.
Por tudo isso, fica aqui o nosso sentido agradecimento e pesar.


Pois como dizia em The New Realities - in a class by himself... it is impossible to read the man without learning a lot.

O valor das Coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis e pessoas incomparáveis.

• Eis o que pediria ao nosso Fernando Pessoa para transmitir ao nosso amigo Peter. Isto, claro, se fosse possível uma e outra coisa. Ou seja, resgatar Pessoa à morte para lhe fazer este pedido; e adiar a morte a P. Drucker por mais uns tempos a fim de lhe poder transmitir a mensagem de Pessoa. E, já, agora alguém tem por aí o telemóvel de Deus...

Pedro Manuel


4 Comments:

At 2 de dezembro de 2005 às 15:40, Anonymous Anónimo said...

Não era, como T. Pinto disse ao jornal A Ponte, só na sua casa que havia pouco dinheiro. Na de muitos outros e na minha, 4 anos mais antiga, também. Aliás, uma das razões por que fui para Economia era precisamente para haver mais dinheiro (o que, claro, aconteceu). E, precisamente o pouco dinheiro e a ligação à terra me levaram a trabalhar no Ministério da Agricultura, no primeiro emprego que,no ano de 1976, surgiu. Mas, quero-vos dizer uma coisa: já pouco ou nada ligo aos grandes estudos e opiniões dos economistas e que tais. Neste ponto, acho que M. Tatcher tinha toda a razão: para governar bem um país basta saber governar bem as nossas casas. E, para tanto, o chefe de família tem de: 1)arranjar, honestamente, o dinheiro que pode;2) ajudar mais mulher, filhos e família do que os de fora; 3) recompensar e punir conforme o mérito e demérito, a começar por si próprio.
Ora, o chefe do governo tem de ser como um bom chefe de família, neste caso portuguesa, e, digo isto, mau grado as famigeradas conversas em família do Caetano.
Mas, nem os últimos nem o presente chefes do governo têm sido isto. Têm, p.e., atacado forte e feio a classe média, o que é muito grave.
Deste modo, temos de tomar as chefias nas nossas mãos, sem resistir nem ceder...

JoaquimMarquesMachoqueira

 
At 3 de dezembro de 2005 às 18:22, Blogger J said...

CAPITAL

Viva o capital!
Abaixo capital!
Viva regional!
Isto é capital!

Viva a capital!
Abaixo capital!
Viva o bom jornal!
Tal é fundamental!!

 
At 5 de dezembro de 2005 às 14:42, Anonymous Anónimo said...

Peter Drucker numa lição: a gestão como imperativo moral (I)

No passado dia 22 de Novembro, a General Motors informou que iria fechar 9 fábricas e dispensar 30.000 empregados. Quatro dias antes, fora divulgada uma carta que o presidente da General Motors, Rick Vagoner, enviara aos seus 325.000 empregados, assegurando, contra os rumores que correm em Wall Street, que a empresa não irá abrir falência.

E acrescentou: "Os enormes prejuízos da GM North America são, certamente, insustentáveis e requerem uma estratégia apropriada, de implementação imediata, para os enfrentar e tornar de novo lucrativo o nosso negócio na América".

Uma semana antes, no dia 11 de Novembro, morria o fundador da ciência da gestão, Peter Drucker(1). Este conhecia muito bem a GM. A carreira de Drucker e a disciplina da gestão estão intimamente ligadas a este gigante da indústria(2). Durante quase dois anos, entre 1943 e 1945, Drucker realizou o seu primeiro grande trabalho de consultoria, estudando por dentro, a convite da respectiva administração, o funcionamento de uma grande empresa industrial. Desta estadia nasceu, em 1946, o primeiro livro de gestão, The Concept of the Corporation, e uma visão fundadora de Drucker que perduraria ao longo de toda a sua obra: a grande empresa como a mais nobre das criações humanas e a gestão como um imperativo moral.

A influência e popularidade de Drucker é insofismável e enorme. Num extenso inquérito, recentemente promovido pelo Financial Times, Drucker ocupa o primeiro lugar entre os mais influentes teóricos e práticos da gestão e dos negócios, à frente de Bill Gates, Jack Welch, Richard Branson ou Warren Buffet .

Muitos quererão lembrar Drucker como o maior dos gurus da gestão - e é assim que a esmagadora maioria dos obituários se lhe referem. Mas, é um erro tremendo avaliar desse modo a vida e a obra de Peter Drucker. Primeiro, porque ele próprio o recusou de forma violenta comparando o guru com o charlatão, termo que usou explicitamente para se colocar de fora da espécie. Segundo, porque o termo remete, geralmente, para os criadores de modas em gestão, que vêm e vão sem deixar rasto, com propostas contraditórias, num posicionamento oposto aquele que caracterizou o trabalho de Drucker, sempre orientado pela coerência, seriedade e continuidade.

Drucker chegou à necessidade de fundar e desenvolver a gestão por imperativo moral. Este imperativo toma forma no seu espírito entre 1939 e 1942. Abandonou a Áustria em 1932 - depois de vários conflitos com o regime de Hitler, de que muito cedo avaliou os riscos e consequências - e emigrou para a Inglaterra. Desgostoso com as hesitações inglesas face a Hitler, ruma aos EUA, onde no início de 1939, publica o seu primeiro livro: The End of Economic Man. Neste livro, estuda as origens e as consequências dos regimes totalitários - nazismo, fascismo e comunismo - tomando uma posição pessimista, julgando que só uma, então incerta, intervenção americana deixava lugar para alguma esperança. O livro foi objecto de uma recensão elogiosa de Winston Churchill(3), que nota em Drucker um invulgar rigor analítico. Esta recensão contribuiu para o assinalável êxito do livro.

No seu segundo livro, The Future of Industrial Man (1942) - este marcado agora por um claro optimismo, suportado pelos valores do cristianismo e da liberdade individual - avança, pela primeira vez, com a ideia que o orientará para sempre: a nova força, e a solução para os males da sociedade, é a gestão. Esta será a única força revolucionária que destroçará as forças destrutivas da sociedade que identificara na obra anterior.

O conceito de gestão é construído no seu terceiro livro, Concept of Corporation (1946), o qual fixa, igualmente, a sua metodologia: a reflexão sobre os problemas das organizações e procura de soluções, a partir da observação directa e de dentro da empresa. O livro nasce de um trabalho pioneiro de consultoria - suportado por uma estadia de 18 meses no interior da empresa - realizado a pedido do então presidente da General Motors, Alfred Sloan. Para além de vários conceitos técnicos aqui enunciados pela primeira vez - a descentralização, a gestão por objectivos, etc. - a ideia de integridade, ou de moralidade, como Drucker prefere, é o elemento unificador da nova disciplina. Seguir-se-ão mais 36 livros - dos quais o último, The Effective Executive in Action, só sairá em Janeiro de 2006 - todos fiéis e subordinados a esta ideia central.

The Practice of Management (1954) é a introdução clássica à gestão.

É indicado o papel do marketing, dos objectivos claros, do equilíbrio entre a estratégia de longo prazo e os resultados de curto prazo. É célebre a sentença: "A empresa - dado que a sua função é criar e manter clientes - tem apenas dois objectivos: Marketing e Inovação. Tudo o resto são despesas".

NOTAS

(1) A morte de Peter Drucker não podia deixar de me suscitar uma reflexão sobre as origens da disciplina da gestão, dado o papel fundador que o autor teve na sua história. O défice português de gestão - já sublinhado por alguns - é maior do que se imaginaria. O falecimento do fundador da ciência da gestão, Peter Drucker, deveria ser motivo para o aparecimento na imprensa de referência de múltiplos artigos de opinião dos nossos especialistas em gestão, realçando, com abordagens naturalmente diversificadas, a sua contribuição ímpar para a constituição deste ramo do saber. Impus-me, como dever, dadas as responsabilidades que tenho num escola universitária de gestão, dar o meu contributo. É certo que a universidade portuguesa ainda não leva muito a sério a gestão enquanto área autónoma, como se comprova pela ausência, quase generalizada, de cadeiras de História do Pensamento em Gestão e de História das Empresas e das Organizações. Estas disciplinas ainda não existem, na esmagadora maioria das escolas, como elementos formativos básicos, nos planos de estudo das licenciaturas em Gestão.

(2) Factos recentes confirmam que, mais uma vez, o problema da GM é de gestão - e este, à boa rigorosa maneira de Drucker, resume-se a Marketing e Inovação - e não de política pública. A GM tem vindo a perder, vertiginosamente, quota de mercado nos EUA, em benefício das empresas japonesas do ramo, produzindo também no território americano. O sucessor de Alfred Sloan, Rick Wagoner, gosta de citar os 1.500 dólares por veículo que a GM paga de benefícios sociais, função tão cara a Drucker, já no longínquo The Concept of the Corporation de 1946. Mas omite, curiosamente, que os gastos associados às deficiências em marketing e inovação - elemento central do The Practice of Management de 1954 - os incentivos ao comprador, valem 3.500 dólares por veículo na GM, contra apenas 1.000 dólares no caso dos carros japoneses produzidos no mesmo território. Vale dizer que seria altura de trazer Drucker de volta à GM, desta vez para aplicar, na íntegra, as suas recomendações.

(3) Por entre rasgados elogios a esta obra, Churchill discorda da conclusão de Drucker que apontava para o provável entendimento entre a Alemanha e a Rússia. Drucker baseava-se, para chegar aquela conclusão, na natureza dos dois regimes e nas forças económicas que os justificavam. Churchill, elogiando o rigor analítico de Drucker, julgava que o forte nacionalismo russo seria mais forte e contrariaria as forças identificadas por Drucker. Estávamos no início de 1939. Apenas uns meses mais tarde, era assinado o pacto germano-soviético.

 
At 5 de dezembro de 2005 às 14:44, Anonymous Anónimo said...

Peter Drucker numa lição: a gestão como imperativo moral (II)

A frontalidade de Drucker – um dos seus traços marcantes – deu origem, no processo de publicação de Concept of Corporation, a episódios deveras instrutivos. A maior parte das recomendações contidas no livro foram violentamente rejeitadas pela empresa, chegando esta ao ponto de ameaçar, com o despedimento, os funcionários que fossem encontrados na sua posse.

A empresa ficou melindrada com o livro e zombou da pretensão de Drucker de que a grande empresa possa ter responsabilidades sociais. Nas suas memórias – My Years With General Motors (1964) – Alfred Sloan, responsável pela contratação de Drucker, não se lhe refere uma única vez, apesar do relacionamento intenso que os dois mantiveram na empresa durante dois anos.

Por educação e ambiente familiar, Drucker estaria destinado a ser um economista. O pai, Adolf Drucker, ele próprio professor de economia, introduziu-o na convivência com grandes economistas, entre os quais Joseph Schumpeter, do qual foi amigo e admirador.

Mas, embora tenha escrito e reflectido amplamente sobre temas económicos, nunca quis ser considerado um economista e desdenhava da teoria económica, principalmente a macroeconomia. A sua rejeição da teoria económica é por vezes violenta como no célebre "The Poverty of Economic Theory", no New Management do Verão de 1987.

Ao procurar classificar Drucker nas correntes de pensamento económico, ocorre inclui-lo na escola austríaca, quer pelo país de nascimento, quer pela convivência com parte importante dos seus expoentes, quer ainda pela proximidade dos temas e das abordagens.

Resistiu a ser agrupado na escola austríaca, pesar das suas posições favoráveis ao empreendedorismo, à inovação e contra o keynesianismo, o excesso de governo e dos impostos elevados. Temas como o tempo, as expectativas, o papel da informação, a mudança económica, lembram Bohm-Bawerk, von Mises ou Haykek e, em geral, toda a escola austríaca.

Mas a relação entre esta escola e Drucker foi muito difícil e complexa. Foi colega de Mises, nos anos 50 na Universidade de Nova York, e aquele faz-lhe várias referências, considerando-o um renegado. De facto, desgostoso com os efeitos da crise de 1929, Drucker tira algumas conclusões não concordantes com os austríacos: toma posição contra o padrão ouro, é favorável ao banco central e a um governo forte, embora pequeno, mas com algum papel na educação e na segurança social.

Quanto aos austríacos modernos, como Rothbard ou Kirzner, ignora-os nos seus escritos, embora tenha ensinado, como este último, nos anos 60 do século XX, na Universidade de Nova York.

É com Schumpeter, como ele um renegado da escola austríaca, que mais se identifica. Aquele é para ele o maior economista, embora não lhe partilhe o pessimismo acerca do destino do capitalismo. Para Drucker, a salvação do capitalismo existe e está na gestão.

Apesar desta tensão, o diálogo e a ponte que estabelece com a teoria económica são permanentes, mesmo nos trabalhos exclusivamente de gestão. Por exemplo, critica o planeamento empresarial de curto prazo, que classifica, com desprezo, de "keynesianismo industrial".

Critica os monetaristas e a nova escola clássica e acusa o keynesianismo de ter destruído a poupança nos países ocidentais. Todas estas correntes são, para Drucker, inadequadas, por não considerarem o papel fundamental do empresário. Em suma, a teoria económica, para ser útil, deveria centra-se na microeconomia, em particular no estudo da oferta, da produtividade e da formação de capital.

Foi percursor, em 1956, da análise da necessidade da privatização das empresas públicas de parte importante das funções do Estado e propôs a abolição do IRC, "o mais assassino dos impostos". O Estado deve ser pequeno e forte e não grande e fraco como se tornou. As instituições públicas não podem operar como as empresas porque não são negócios.

Desgostoso com alguns efeitos do capitalismo, como a grande depressão de 1929, mas julga o socialismo, o fascismo e o comunismo, ainda piores. Pretende dar uma moral ao capitalismo. A grande empresa é a solução com o seu espírito de comunidade. Só a grande empresa pode dar sentido de comunidade segurança de emprego, formação profissional e educação.

Vê-se como verdadeiro educador de gestores. Estes devem ter um objectivo moral. Baseia-se no conceito cristão do homem e invoca os valores espirituais, não para desprezar ou opor aos valores materiais, mas para os tornar mais produtivos.

O apego a esta ideia da vida e da sociedade, teve a sua expressão pessoal na fidelidade ao seu casamento de 68 anos e à esposa de sempre, Doris Schmitz. O modo como chegou à gestão, a missão que lhe definiu e a sua própria natureza, resultam de um imperativo moral e político muito forte, que está presente desde as primeiras obras.


Unificou e deu objecto à ciência da gestão, como disciplina distinta e distintiva das técnicas, como a contabilidade, a técnica financeira ou a organização do trabalho. Drucker juntou e enquadrou todas estas parcelas num todo coerente.

A insistência em transmitir, de forma simples e profunda, assuntos complexos afastou-o do mundo académico tradicional. Foi por este subestimado durante muito tempo . As grandes universidades, Harvard e Stanford por exemplo, simplesmente ignoraram-no, enquanto não conquistou, a pulso e contra elas, uma posição cimeira. Ensinou sempre em escolas de pequena dimensão. "Escrevem apenas para um pequeno círculo e o seu jargão é impenetrável", diz, referindo-se aos académicos. Teve horror à obscuridade, à arrogância e à especialização que criticava na academia. Mas, a partir dos anos 80 do século XX, mesmo as grandes escolas começaram a dar-lhe importância e a cortejá-lo. Não obtiveram, contudo, retribuição.

Com a sua visão ampla da sociedade, quis estender as fronteiras da gestão aos sectores público e social e, até mesmo, ao corpo político. Descortina: "Há um novo pluralismo na sociedade que não compreendemos mas que temos que pôr a funcionar". Esta é a tarefa da gestão nos próximos 50 anos. Desta preocupação resultou o Managing The non Profit Organization: Practices and Principles (1990) – constituindo uma introdução à gestão para o sector social – e a criação de um instituto dedicado à gestão de entidades não lucrativas.

Mais do que um aspecto particular da gestão, como muitos reivindicam para valorizar a sua posição, o que o caracteriza o contributo de Drucker é a atitude mental e a consideração da empresa como uma entidade, não só económica, mas também social. A gestão é, na sua perspectiva, a quinta-essência da actividade social. O que o distingue é a amplitude e a profundidade do pensamento. Outros aprofundaram o marketing ou a estratégia ou a logística. São especialistas. Ele modelou a forma de pensar globalmente a gestão.

A sua visão da grande organização como elemento essencial da sociedade deve ser destacada. O seu The Concept of the Corporation, resultante, como se referiu atrás, da sua imersão na General Motors, é certamente, uma análise fria e racional da grande organização. Mas é, igualmente, um hino à grande empresa capitalista. Não descarta a pequena empresa, para a qual dispensa simpáticas palavras. Mas, sabe onde se faz o jogo económico.

Mesmo, quando na fase final, se vira para o estudo das organizações sociais e públicas - para as quais visiona e prevê um papel relevante – é nas grandes organizações que pensa: no Exército de Salvação, na Cruz Vermelha e noutras organizações de grande dimensão. A grande empresa é a peça central da sociedade.

Embora seja de bom tom referir o Drucker prolixo e a sua longevidade intelectual – que são indiscutíveis – deve ser sublinhado, antes, o essencial da sua contribuição e a natural desigualdade do valor dos seus livros.


No fim parece ter pedido vitalidade. As questões do estímulo ao espírito empresarial e da inovação, da gestão das empresas conjuntas e das alianças estratégicas, de que se ocupou nas obras mais recentes, requerem ainda muito estudo. Talvez um pouco esgotado, não reconheceu esta falha. A relação entre a grande empresa e os poderes públicos é também insuficientemente tratada.

As contribuições capitais – que são enormes – ocorreram nas fases iniciais, até ao The Practice of Management de 1954. Embora tenha colocado depois problemas novos e relevantes, a resposta que lhes dá é insuficiente. Mesmo sua grande paixão final, a gestão dos sectores social e público, o seu pensamento não apresenta soluções com a força das primeiras obras, ainda que coloque os verdadeiros problemas, com a clareza e a racionalidade que lhe são próprios e que fazem dele o mestre do pensamento em gestão.

 

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