PARTIDOCRACIA
A situação política em que vivemos coloca uma questão de fundo.
Que tipo de democracia temos efectivamente?
Dir-me-ão que, obviamente, o de uma democracia representativa. Direi que os representados são evidentes - os cidadãos eleitores - mas que os representantes não são tão óbvios.
Mesmo nos representados poderá ficar-se com a dúvida se os cidadãos abstencionistas ao voto desejam ou não ser representados.
Com excepção da eleição para Presidente da República, as outras escolhas de representantes são feitas a partir de listas de candidatos, quase todas de origem partidária.
Entram, então, em cena os directórios partidários que, utilizando o chamado aparelho partidário, transformam os votos em poder.
A lista é elaborada e apresentada por eles, os directórios partidários, e controlada por eles, os mesmos directórios.
Aquela herança do "socialismo real", o "centralismo democrático", está muito bem aplicada neste processo.
Depois, para disfarçar, fala-se nas virtudes da democracia representativa e até se avançam com hipocrisias como a proximidade ao cidadão eleitor, a regionalização, como forma mais eficaz de tratar os problemas das pessoas e das terras, ou a "governança", convidando a sociedade civil a participar directamente na resolução de problemas das diversas comunidades.
Mas, numa democracia representativa há três pilares fundamentais: o sufrágio universal, o Parlamento e os partidos.
Como vão estes três pilares e as relações entre eles na nossa democracia?
No mínimo que se pode dizer, não vão bem e muito pelo que fica dito. Em que tudo é feito sob "o manto diáfano e omnipresente dos directórios partidários", que fogem a "sete pés" do sistema de eleição directo e pessoal dos representantes do Povo: os conhecidos círculos uninominais. E assim cada vez mais há a percepção popular de se votar no futuro primeiro-ministro e não principalmente nas listas partidárias de deputados à Assembleia da República. Percepção tão forte que a recente substituição, no cargo de primeiro-ministro, de um líder partidário por um novo líder do mesmo partido não foi pacificamente aceite por muitos cidadãos eleitores.
Argumentavam que havia sido escolhido aquele primeiro-ministro, entre os anunciados pelos diferentes partidos, e não os diversos representantes das diversas comunidades, diga-se distritos ou círculos eleitorais.
Nesse sentido de opinião, os representes eleitos são cada vez mais vistos como cinzentos membros de um grupo parlamentar do que deputados, verdadeiros representantes do Povo com autonomia política própria dessa condição.
O "actor político" do Parlamento não é o deputado.
É o grupo parlamentar.
E tudo vai prosseguir.
Não será certamente esta insólita dissolução da Assembleia da República que vai mudar a situação.
Vamos eleger em 20 de Fevereiro "membros de grupos parlamentares" e talvez se consiga um primeiro-ministro.
Continuarão os "cantos de sereia" sobre a aproximação dos representantes aos representados, quando tudo se passa adentro dos partidos. Talvez se queira repetir a regionalização no mesmo esquema de domínio dos directórios partidários.
Até mesmo se coloque urgência na aplicação da "governança" a problemas que afectem assimetricamente pessoas e comunidades. Também se combaterá a "democracia directa", mesmo nos seus sinais mais fracos, argumentando com ingovernabilidade e paralisia da vida pública. E os "círculos uninominais" serão afastados, alegando fonte de perturbações, de instabilidade, de paroquialismo. Nada que os "media" e a côrte lisboeta não produzam com abundância.
Poderá haver "lobbies" de todas as profissões, de todos os sindicatos, de todas as associações patronais, de todos os interesses, a interferirem nas decisões.
Mas não poderá haver "círculos uninominais" por meio dos quais os representados façam "lobby" sobre o seu representante e lhe peçam contas do que ele faz pelos interesses deles, durante o mandato para que foi eleito. Continuaremos alegremente na partidocracia vigente e nos seus vícios e defeitos.
Já estão a "fazer" as listas dos representantes a propor aos eleitores em 20 de Fevereiro de 2005. Mesmo antes dos programas dos partidos. Ou melhor, já estão a "fazer" as listas dos futuros membros dos futuros grupos parlamentares dos actuais partidos.
Carlos Brito
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