segunda-feira, 31 de janeiro de 2005

AUSCHWITZ 60 ANOS DEPOIS



Quinta-feira passada foram comemorados os sessenta anos da libertação de Auschwitz, o principal campo de destruição nazi. As comemorações são boas e correram bem. Mas decorrem num clima preocupante.

É consolador ouvir o chanceler alemão afirmar a 25 de Janeiro que a Alemanha "tem uma responsabilidade particular" na Shoa; embora não seja bem clara a origem dessa responsabilidade, pois julga que "a esmagadora maioria dos alemães que hoje vivem não tem culpa no Holocausto". Seja como for é um progresso em relação à sua teoria segundo a qual, com a última vitória social-democrata, a Alemanha teria passado a "país normal".

É óptimo que os poderosos do mundo comemorem o fracasso do nazismo na sua tentativa de acorrentar o mundo e aniquilar os judeus - "em Auschwitz e Birkenau os europeus comemoram o genocídio" titulava Le Monde, num lapso que dá calafrios na espinha.
Já é preocupante que estas comemorações ocorram num clima de aumento do nacionalismo, do racismo e de desequilíbrio dos poderes na Europa.

Mais de metade dos alemães estão fartos de ouvir as "lamúrias" sobre o genocídio. Os atentados anti-semitas crescem em toda a Europa. O combate ao terrorismo fundamentalista islâmico dá pretextos ao racismo anti-árabe. Crescem o desprezo e o medo pelos imigrantes. O fim do comunismo russo criou um vazio do poder na Europa de Leste e alterou os equilíbrios em que tinha vivido a do Ocidente. O que provoca inquietações. O nacionalismo cresce em toda a parte - seja nos volumosos candidatos a directores da Europa, seja nos micro-estados balcânicos ou peninsulares.

O parágrafo anterior aplica-se por inteiro à Europa entre as duas guerras - isto é, ao período em que os nazis unificaram a Europa continental e começaram o falhado genocídio. Então, os alemães também se queixavam da paz de Versalhes - que os tratara como criminosos. O anti-semitismo crescia. Os imigrantes eram odiados e apátridas. O fim do império austro-húngaro e a inicial fraqueza da Rússia soviética desequilibraram o leste europeu.

A tentativa de genocídio nazi é o zénite de um crescendo do racismo comparável ao que hoje começamos a viver. É costume afirmar que ninguém previu a Shoa mas essa afirmação é inexacta. Teodoro Herzl, um judeu que celebrava o Natal, tornou-se sionista a sério quando o caso Dreyfus (1894) lhe mostrou que não haveria sossego para os judeus europeus - mesmo os assimilados e patriotas. O sionismo previu a Shoa. O grosso da opinião euro-americana ignorava-a ou conhecia-a e achava-a de somenos? Ainda é cedo para saber.
Hoje, no palácio europeu, o sonho voa para o federalismo e a rua é dominada pelo racismo e o nacionalismo, filhos do medo e da inveja, pais da intolerância e da perseguição. É preciso inverter a situação - porque as mesmas causas produzem os mesmos efeitos.
L.S.M.

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