quinta-feira, 27 de janeiro de 2005

CRISE DE REPRESENTAÇÃO


Os primeiros produtos mediáticos de uma nova geração política estão no poder dos dois partidos mais importantes. Hipervalorizando as emoções, a televisão deu-nos Santana Lopes, entre o comentário do futebol e o mundo das "caras". Hipervalorizando a imagem, a televisão fez de Sócrates o seu par, ou seja, seu igual. É verdade que ambos já existiam antes de serem "feitos" pelos "media", Lopes em particular. Mas o par, a junção que marcou o destino de ambos, foi feita na televisão, assim como a promoção que os lançou para os cargos cimeiros da governação.

Mas o que também está a emergir é um desfasamento entre a produção mediática destas figuras-imagens e as exigências políticas e sociais presentes no mercado eleitoral que elas deixam insatisfeitas.
O mecanismo do "sabonete-Presidente", atribuído erradamente a Rangel, parece ainda ser imperfeito, o que é sinal de que, ou a mediatização da sociedade é menor do que se imagina, ou então que em momentos de crise - e os portugueses encontram-se numa fase depressiva do seu ciclo euforia-depressão - não é inteiramente eficaz.
O sinal dessa insatisfação entre o produto oferecido e a procura eleitoral é que, para muitos portugueses que votam habitualmente e com um mínimo de interesse e participação cívica, a panóplia de escolhas do dia 20 de Fevereiro é insatisfatória.
Não sei, e só se saberá na análise dos resultados do voto, se esta crise é estrutural ou conjuntural, mas os sinais de uma crise de representatividade estão à vista de todos, numa campanha sem emotividade, sem esperança, em que a abominação do presente se faz sem verdadeira motivação para a mudança.

O epicentro dessa crise de representação está no PSD de Santana Lopes.
Não só muitos eleitores tradicionais do partido parecem relutantes em votar Lopes, como tudo indica que os eleitores centristas que oscilam entre PSD e PS, que deram maiorias ao PSD, de há muito fugiram sem entusiasmo para o PS, ou para um espaço de perplexidade que nenhum partido ocupa.
Já chamei a atenção para que o aparecimento de um partido social-democrata moderado, entre o centro e o centro-esquerda, tinha possibilidades fugazes, mas reais, de aparecer para agregar eleitores que se sentem nestas eleições afastados por Lopes e não atraídos por Sócrates.
A falta de fluidez do nosso sistema político e a rigidez do sistema eleitoral tornaria suicidária a prazo essa pretensão e por isso as forças moderadas e reformistas favorecem a acção no interior dos partidos existentes.

O facto de no PSD se tornar cada vez mais evidente que a liderança de Santana Lopes é (foi) um epifenómeno de trágicas consequências para a credibilidade do partido manifesta-se numa campanha em que mesmo os candidatos distritais evitam a todo o custo serem associados à liderança e discutem publicamente a sucessão dentro do partido.
A liderança de Santana Lopes, que sempre apostou no culto de personalidade e na capacidade mágica e solitária de este ganhar todas as eleições, assume também a responsabilidade, se houver uma derrota - e uma derrota do PSD é perder as eleições, não é impedir que o PS tenha maioria absoluta.
Neste contexto, o PSD de Santana Lopes tem dificuldade em polarizar os votos na sua área política, disparando em todos os sentidos, contra o Presidente da República, contra o Bloco de Esquerda (gastando um cartaz para o fazer), contra as empresas de sondagens (gastando outro cartaz), sem direcção estratégica ou alvo principal.
Esta confusão permitiu ao PP uma campanha agressiva que é toda pensada para ocupar o espaço do PSD.
É cedo para se saber se esta campanha resultará, mas pelos seus temas e palavras de ordem, a começar pela de "voto útil", o adversário do PP não é outro senão o PSD. O amolecimento do eleitorado do PSD, volatilizado no centro-esquerda, pode também sofrer no centro-direita pela competição com o PP.

O que o PSD afasta o PS não atrai.
O PS está numa posição privilegiada de ser o partido que todos se convenceram que vai ganhar as eleições.
Beneficiando da tendência para as eleições serem um plebiscito sobre o primeiro-ministro, o líder do PS é naturalmente promovido, mesmo sem dar provas da sua capacidade para o exercício do cargo, ou tendo que suportar um escrutínio severo das propostas do PS.
Mas, se o caminho do PS parece apontar para uma vitória, o objectivo de uma maioria absoluta está longe de ser adquirido.
A memória do guterrismo é ainda viva e a vacuidade da acção política de Sócrates não mobiliza fora do aparelho e do eleitorado mais seguro do PS. No entanto, as pressões para um voto útil à esquerda no PS são mais intensas do que na direita no PSD.
A minicrise na área de influência do BE, à volta das declarações reaccionárias de Louça no debate com Portas, é também um exemplo de como o actual leque de opções políticas está sobre tensão mesmo nos seus extremos.

Neste segundo balanço da campanha eleitoral não parecem alterados os pressupostos do primeiro que publiquei no PÚBLICO há cerca de três semanas. Continua a verificar-se a inexistência de uma forte bipolarização, acentua-se a previsível conflituosidade entre o PSD e o PP e, se há algo de novo, é a constatação de que a entrada de Santana Lopes na campanha não parece ter mudado a situação. A menos de um mês das eleições os dados parecem estar lançados.
José Pacheco Pereira

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