TRINTA ANOS DEPOIS, ONDE PÁRA A DEMOCRACIA PARITÁRIA?
O resultado das listas eleitorais do PSD é o conhecido: a eleição de seis mulheres em 72 deputados. Pior era difícil! A responsabilidade deste cenário desastroso não é só do aparelho, é principalmente de toda a direcção, que não teve o menor empenho em respeitar o que a sociedade portuguesa é. E a responsabilidade não é exclusivamente dos homens: é também das poucas mulheres que integraram a direcção do PSD nos últimos tempos e que não deram qualquer relevância a esta matéria
Nestes escassos dias que se seguiram às eleições já muito se disse e se escreveu sobre o novo quadro parlamentar delas resultante. Houve já quem alertasse quanto ao escasso número de mulheres que se sentarão em alguns grupos parlamentares. Permitam que insista neste ponto, por militância de alguns anos na causa da participação política das mulheres e por preocupação pela total insignificância desta questão, no discurso como na prática, das direcções partidárias.
Assim é no PSD, partido em que milito, neste momento atravessada de dúvidas sobre se tal envolvimento fará realmente sentido.
As listas de candidatos a deputados do PSD ostentaram total despreocupação quanto ao equilíbrio entre mulheres e homens que, num país europeu do século XXI, qualquer lista eleitoral deve promover. E aqui vale a pena atentar em algumas listas em especial, de tal forma foi escandalosa essa insensibilidade.
Na lista do Porto a primeira mulher surgia em 15º lugar! Alguém acredita que não existisse no distrito do Porto, ou fora dele, um número suficiente de mulheres para equilibrarem esta lista? Em Lisboa, a primeira mulher surgia em 3º lugar. Depois dela via-se outra mulher em 33º. Inacreditável. Alguém terá entendido que existem mulheres que valem por trinta?
Em muitas outras listas, a maioria delas, aliás, não havia mulheres em lugar elegível: designadamente Portalegre, Setúbal, Viana do Castelo, Beja, Braga, Bragança, Castelo Branco, Faro, Madeira, Açores, Europa, Fora da Europa, não tinham qualquer mulher com probabilidade de ser eleita. Outros círculos eleitorais, que as tinham, não as conseguiram eleger por efeito dos maus resultados aí alcançados pelo partido. Assim aconteceu em Évora, Viseu ou Santarém.
Curiosamente ainda houve quem tentasse defender o indefensável argumentando que o partido tinha o maior número de mulheres como cabeças de lista, como se tal critério pudesse compensar a quase ausência de mulheres no corpo das listas da maioria dos distritos! Esqueceram-se de reparar que, por acaso, das cinco cabeças de lista colocadas, duas delas concorriam em distritos dados como perdidos ou muito provavelmente perdíveis, como acabou por suceder em Beja e Évora.
A distrital de Lisboa, que se apresentou a eleições no mais importante distrito eleitoral do país com o exemplo perfeito de tudo quanto uma lista não deve ser, ainda ousou, numa brochura que apresentou aos eleitores, escrever o seguinte: "Alguns dedicam-se a contabilizar o número de mulheres nas listas para atribuir vantagem ao PS relativamente ao PSD. Para nós isso não é o mais importante. Num país onde, infelizmente, a política ainda é demasiado masculina, o que verdadeiramente interessa é dar destaque e fazer das mulheres protagonistas e não acessórios do combate político." (!!!) As exclamações são minhas.
Então a distrital de Lisboa entende que em Portugal a política ainda é demasiado masculina? Fantástico! Ora aqui está uma novidade! Perdeu uma excelente oportunidade para alterar essa situação. Soube-se, aliás, que a direcção dessa distrital ameaçara demitir-se a dado momento do processo de elaboração da lista de Lisboa. Que se saiba, não foi em protesto por não conseguir colocar mais mulheres.
O resultado destas listas é o conhecido: a eleição de seis mulheres em 72 deputados. Pior era difícil!
Perguntarão os mais distraídos de quem é a responsabilidade deste cenário desastroso que envergonha, ou deveria envergonhar, o PSD. A resposta que se tem feito ouvir atribui culpas ao aparelho, o que quer que tal "ente," seguramente perverso, verdadeiramente seja.
Eu concretizaria um pouco mais. A responsabilidade é também e principalmente de toda a direcção do então maior partido português, que nada fez para evitar este estado de coisas, que não teve o menor empenho em respeitar o que a sociedade portuguesa é, há tempo suficiente para que as direcções partidárias tivessem reparado nisso: uma comunidade em que as mulheres são a maioria e que apresenta hoje um equilíbrio de género em muitas profissões e instituições de que a vida política e os órgãos de decisão constituem retrógrada e inquietante excepção.
O presidente do partido admitiu em Conselho Nacional não ter querido intrometer-se no processo de elaboração das listas. Fez mal. Há muito tempo que se sabe que o bendito aparelho se preocupa pouco com os critérios que verdadeiramente deveriam relevar nesses processos. Por isso, se não forem as direcções nacionais dos partidos a imporem critérios de qualidade, pluralidade e equilíbrio, o resultado será sempre o que agora se viu.
Numa excelente entrevista dada há dias à revista Pública, dizia Leonor Beleza: "Tenho dificuldade em perceber por que é que as direcções partidárias, ao nível máximo (...), não acham que, para além do princípio mais louvável que faria com que houvesse uma maior substituição por mulheres, lhes interessa justamente uma maior representatividade das mulheres para poderem assegurar a renovação pretendida." É verdade. Daí que apeteça perguntar: querem mesmo renovação? Ou será que lhes basta usá-la como instrumento retórico? Toda a renovação tentada foi, até agora, superficial e reversível.
A responsabilidade não é exclusivamente dos homens. É também das poucas mulheres que integraram a direcção do PSD nos últimos tempos e que não deram qualquer relevância a esta matéria. Algumas tentam agora dar sinais de desagrado pelos maus resultados conseguidos na participação política das mulheres no partido e no grupo parlamentar. Bem-vindas.
A militância de Leonor Beleza nesta causa há muitos anos, o seu currículo na defesa dos direitos das mulheres e o seu estatuto colocam-na numa posição indispensável para trazer este tema à agenda do PSD. Ao aceitar ser a primeira signatária de um documento que pretende mostrar aos candidatos a presidente do partido que o equilíbrio de género nos órgãos partidários não pode ser desprezado, mostrou que voltou a arregaçar as mangas para uma das suas lutas de sempre que teve agora, para mal de todos nós, um lamentável retrocesso.
Sempre que tal acontece num grande partido é a própria representatividade democrática das cidadãs e dos cidadãos que perde qualidade.
Teresa Morais
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