UM KATRINA MUITO NOSSO
Está já nos blogues e nos jornais, os Mercúrios anunciadores. Chegará a todo o lado, aos táxis, às mesas dos cafés, às ruas. Estão no horizonte uns largos meses de radicalismo político, de subida de tom, de irritações mútuas, de aquecimento das palavras e dos gestos, o arsenal das duplicidades, os velhos argumentos de sempre, o meter tudo no mesmo saco, o “nós” e os “eles” quando os “eles” não somos “nós” e vice-versa, a incapacidade de ouvir os outros, a indiferença face às razões alheias a favor da posição em que se está, a a-história como método analítico, a manipulação da memória, o ressentimento e a arrogância.
Metade do país contra outra metade, com raiva, mas sem consequência, vão-se dedicar afincadamente a este desporto com a mesma vacuidade que dedicam às virtudes do seu clube e ao demérito do clube alheio. Vai ser um cansaço e nada mais trará do que susceptibilidades feridas, lastro de acusações e contra-acusações, ressentimentos e arrogâncias e o que ficará é o mesmo sólido terreno de resistência à mudança, o que se solidificará é a mesma partidarite interesseira, o mesmo Portugal que se diz não desejar mas que se ajuda a ficar tão sólido como betão.
A nossa incapacidade, herança péssima do salazarismo e do atraso, de pensar e de fazer política fora da imprecação e da acusação moral é reveladora da nossa condição terceiro-mundista. É o equivalente em política ao feio que alastra a partir da Estrada Nacional 1, tem as mesmas origens, a mesma mecânica.
Podia ser diferente? Claro que podia. Com esforço podia, mas duvido que o seja. A trituradora já está a funcionar com o seu habitual contingente de assessores, jornalistas, políticos, autores de blogues. O seu primeiro esforço vai ser a igualização moral (cívica, política): são todos iguais, ninguém é diferente, são todos tão maus como nós somos. Depois desta terraplanagem moral, então pode-se ir ao business as usual, como lhes convém.
Posso fazer diferente? Posso pelo menos esforçar-me para fazer diferente. Tomando posições, porque isso é normal em política numa democracia, mas não colocando entre parêntesis as causas a favor das posições. Vamos ver se consigo.
José Pacheco Pereira
Metade do país contra outra metade, com raiva, mas sem consequência, vão-se dedicar afincadamente a este desporto com a mesma vacuidade que dedicam às virtudes do seu clube e ao demérito do clube alheio. Vai ser um cansaço e nada mais trará do que susceptibilidades feridas, lastro de acusações e contra-acusações, ressentimentos e arrogâncias e o que ficará é o mesmo sólido terreno de resistência à mudança, o que se solidificará é a mesma partidarite interesseira, o mesmo Portugal que se diz não desejar mas que se ajuda a ficar tão sólido como betão.
A nossa incapacidade, herança péssima do salazarismo e do atraso, de pensar e de fazer política fora da imprecação e da acusação moral é reveladora da nossa condição terceiro-mundista. É o equivalente em política ao feio que alastra a partir da Estrada Nacional 1, tem as mesmas origens, a mesma mecânica.
Podia ser diferente? Claro que podia. Com esforço podia, mas duvido que o seja. A trituradora já está a funcionar com o seu habitual contingente de assessores, jornalistas, políticos, autores de blogues. O seu primeiro esforço vai ser a igualização moral (cívica, política): são todos iguais, ninguém é diferente, são todos tão maus como nós somos. Depois desta terraplanagem moral, então pode-se ir ao business as usual, como lhes convém.
Posso fazer diferente? Posso pelo menos esforçar-me para fazer diferente. Tomando posições, porque isso é normal em política numa democracia, mas não colocando entre parêntesis as causas a favor das posições. Vamos ver se consigo.
José Pacheco Pereira
13 Comments:
a inveja...
... é dos sentimentos mais antigos. Há por aí quem se espante com a reação à tragédia que se abateu sobre os EUA, derivada do furacão Katrina, mas tal reação é normal e natural, nos tempos que correm. É a mesma de quem se sentia reconfortado, nos circos romanos, por ver outros pior, na arena, é a de quem se sente secretamente feliz, por ver o gigante sangrar, ingratos, são como aquele dirigente político do Kuwait 'libertado' que vê no furacão um agente da vontade de Alá, é a mesma reacção de quem, doente, fica feliz por também os outros ficarem doentes, é uma reacção infantil, mesquinha, primária de terra queimada, e é uma doença da civilização. Só e apenas
Furacão denuncia divisões raciais em Nova Orleães
Imagens da cidade com milhares de negros isolados, desesperados e em alguns casos a pilharem lojas têm enchido os noticiários das cadeias de televisão. Pobreza da população negra nas grandes zonas urbanas dos Estados Unidos ficou a nu
A calamidade causada pelo furacão Katrina trouxe à superfície as divisões raciais e de classe que continuam a ser uma característica da sociedade norte-americana.
Se é verdade que as câmaras de televisão podem distorcer a verdade ao concentrarem-se num aspecto de uma realidade mais vasta, em Nova Orleães não se pode contornar o facto de serem negros e pobres a esmagadora maioria dos deslocados que não têm para onde ir.
Centenas, senão milhares, de norte-americanos de todas as raças perderam os seus haveres e familiares em várias zonas do Alabama e Mississipi, mas são as imagens da cidade de Nova Orleães com milhares de negros isolados, desesperados e em alguns casos a pilharem lojas, farmácias e lojas de armas de fogo que têm enchido os noticiários das cadeias de televisão, fazendo lembrar cenas até agora vistas em locais distantes como a Libéria.
Isto reflecte claramente a pobreza da população negra nas grandes zonas urbanas dos Estados Unidos, tornada mais visível em Nova Orleães por ser uma das cidades norte-americanas onde a maioria da população é negra e onde 33 por cento da população total vive na pobreza.
"Nova Orleães é uma cidade dividida em duas: uma relativamente rica, pequena, e bonita, que é predominantemente branca, e outra que é pobre, grande e feia e é quase totalmente negra", escreveu o comentarista Eugene Robinson.
Dados estatísticos indicam, com efeito, que 67 por cento por cento da população de Nova Orleães é de raça negra.
Das sete zonas mais afectadas pelas inundações, cinco são de maioria negra e a pobreza, aí, abrange 34,6% da população, segundo as estatísticas oficiais.
Estes números, no entanto, não reflectem os altos níveis de pobreza em certos "bairros negros" da cidade afectados pelas cheias.
Na zona central da cidade (Central City) que está debaixo de água, 87 por cento da população é de raça negra e 50 por cento vive na pobreza.
Na zona de "Lower Ninth Ward" 98 por cento da população é negra e 36 por cento vive na pobreza. Em "Bywater" 61 por cento da população é negra e 39 por cento é pobre.
A única excepção nesta tendência é o bairro de Gentilly Terrace onde 70 por cento da população é negra e o nível de pobreza é de 16%, um nível muito abaixo do dos outros bairros de maioria negra mas mesmo assim acima da média nacional de pobreza de 12,4 por cento.
Quando se compara este quadro com o dos "bairros brancos" afectados pelas cheias, as diferenças são notórias. Assim, por exemplo, no bairro de Lakeview, submerso pelas águas, 94 por cento da população é branca mas apenas 05 por cento é considerada pobre.
Houve destruição nessa zona mas os habitantes há muito que estavam em segurança noutras partes do estado ou do país, beneficiando de uma maior mobilidade dada pela sua maior riqueza e demonstrando que, ao contrário do mito, as tragédias naturais não tratam todos por igual.
"Esta catástrofe serviu para deitar luz sobre a miséria e constitui um comentário infeliz sobre raça e classe," escreveu o comentarista Bob Faw.
2005/09/02
José Pestana,
Agência Lusa
"Katrina blues"
Pertenço a uma geração para a qual New Orleans tem um significado especial. Há o jazz, já se vê, mas há sobretudo tudo o que para nós o jazz significou a cultura, e em especial a música, como grande e vitoriosa afirmação do povo negro, protagonista e vítima da secular barbárie da escravatura; o conhecimento; do apaixonante processo político e cultural do Sul dos Estados Unidos, esse cruzamento entre a França e a Espanha, o calvinismo europeu e a religiosidade afro-caribenha, mas também a Reconstrução ou, já nos anos 60, a epopeia dos Freedom Riders.
New Orleans era isso tudo, o mardi gras, a Original Dixieland Jazz Band, os funerais, a memória, o presente, o cajun e o porto, o French Quarter, o piano de Roll Morton, o palco onde Armstrong ou Kid Ory se estrearam, os blues.
O que hoje contemplamos no delta do Mississipi não é apenas a crueldade da Natureza o que acontece na Luisiana é o retrato do falhanço de uma política, do falhanço de uma concepção do papel do Estado, do próprio funcionamento de uma sociedade.
Em New Orleans o "mercado" exerceu essa "função reguladora" que lhe atribuem. Proporcionou petróleo e lucros, desregulamentou exigências urbanísticas e responsabilidades infra- -estruturais. New Orleans é o retrato da política que George W. Bush quer ver no mundo e de que o seu embaixador Bolton na ONU é o retrato.
Os 250 quilómetros por hora dos ventos do "Katrina" arrasaram antes de mais nada a lógica capitalista dominante o problema é que as primeiras vítimas são os homens e tudo o que criam.
Mas, não duvidem até por tudo isso, os blues, esses, continuarão a cantar-se...
"Isto não é forma de tratar seres humanos"
patrick moser *
O SuperDome de Nova Orleães deveria proteger os americanos da fúria do furacão Katrina, mas, cinco dias depois, o refúgio transformou- -se num verdadeiro inferno, dominado pela violência e por um cheiro pestilento. "Estes últimos dias foram um verdadeiro inferno", disse Baron Duncan, 42 anos, referindo testemunhos de outros prisioneiros do grande estádio que falam de violência, desespero e até mesmo de violação de crianças.
"As pessoas foram violadas lá dentro. As pessoas foram mortas. Têm decorrido imensos tumultos", afirmou um veterano da polícia de Nova Orleães, lembrando que é impossível estabelecer a ordem numa multidão de mais de 20 mil pessoas amontoadas em condições deploráveis. "As pessoas estão fechadas como prisioneiros. Não podiam ficar lá dentro sem enlouquecermos", confessa.
Este polícia, que está em SuperDome desde domingo, não consegue conter a raiva perante a falta de preparação das autoridades para fazer face a esta catástrofe. "Es-ta cidade sabia há muito tempo que qualquer coisa como isto podia acontecer. As autoridades não fizeram nada e entregaram-se à providência", reforça o polícia, que não se quis identificar.
Os ocupantes do SuperDome chapinham na água, que entrou no edifício depois de uma parte do tecto ter cedido à força do vento. Um odor pestilento penetra no enorme espaço e os sanitários revelam-se insuficientes. "O cheiro pega-se à garganta. As pessoas fizeram as suas necessidades aqui dentro, por todo o lado", conta Loraine Banks, uma enfermeira de 53 anos.
A evacuação do SuperDome começou na quarta-feira com o transporte das pessoas mais debilitadas, mas as autoridades mostram-se incapazes de prever quanto tempo demorará a esvaziar o local. Imundos, exaustos e assustados, os ocupantes atiram-se contra as grades de metal do complexo na esperança de fazer parte dos que têm lugar nos autocarros e saem do local.
Para Baron Duncan, a situação pior vive-se de noite, na escuridão, na humidade e com um cheiro nauseabundo. "Somos tratados como animais. Há tiros, estamos em perigo. Duas crianças, uma delas um rapaz de 8 anos, foram violadas."
Norma Blanco Johnson, que espera par entrar num autocarro com dois filhos, um ainda bebé, questiona-se sobre o que terá acontecido aos outros filhos, dos quais não tem notícias desde a passagem do furacão, na segunda-feira. "Não sei o que lhes aconteceu", diz, sublinhando que a esta angústia se junta o horror da estada no SuperDome. "Isto não é forma de tratar seres humanos. Perdi tudo e sinto-me a encontrar o inferno. Não tenho lugar para ir", acrescenta, mostrando as roupas sujas e desgastadas. Audrey Jordan está dominado pela revolta as autoridades sabiam que o Katrina podia provocar brechas nos diques que protegem a cidade, construída em cima do mar. "Querem gastar milhões de dólares a reconstruir um estádio mas não são capazes de consolidar diques", diz.
* Jornalista da France-Presse
As fragilidades do Império
Os negros são sempre os mais pobres. Os brancos são sempre os mais ricos. Os mais ricos têm sempre mais que fazer do que ajudar os mais pobres. É assim em Nova Orleães, é assim na América, é assim no resto do mundo
joão morgado fernandes
A América que se mostra hoje deambulando, aos farrapos, pelas televisões de todo o mundo é a mesma América que, há um mês, teve um grupo de homens e uma mulher em órbita, revivendo o sonho espacial.
Há duas maneiras de encarar o paradoxo. Dirão uns que a América é a terra das oportunidades, onde todos podem sonhar com a Lua. Contraporão outros que nenhum daqueles negros que vemos na TV tinha sequer um carro em que pudesse fugir do furacão.
A América, enquanto paradigma das chamadas democracia e civilização ocidentais em que vivemos, deve ser objecto de discussão permanente. Essa América, para o bem e para o mal, já nos colonizou. Bem ou mal, tenta exportar o seu modelo político, económico, social e cultural para todo o mundo. A propósito da guerra do Iraque e da reeleição de Bush, muitos intelectuais chegaram a questionar-se se, cada um de nós, à volta do mundo, não deveria ter direito a votar no homem que, ocupando a Casa Branca, simboliza o poder mais efectivo e universal dos nossos tempos. O Império. Desconte-se o exagero, mas admita-se que é assunto que merece alguma reflexão.
E é por isso que, perante a tragédia de Nova Orleães, as nossas perplexidades não podem ser muito diversas daquelas com que se defronta cada um dos americanos.
Por exemplo porque são negros, negros pobres, muito pobres, aqueles que vemos perdidos entre águas e ruínas? Ou porque não consegue a América rica, a tal que vai à Lua, alimentar, socorrer, alojar os desgraçados que se acolhem num estádio- -pocilga ou vagueiam por uma auto- -estrada tornada inútil?
Simplesmente porque os negros são sempre os mais pobres. Porque os brancos são sempre os mais ricos. E porque os mais ricos têm sempre mais que fazer do que ajudar os mais pobres. É assim em Nova Orleães, é assim na América, é assim no resto do mundo.
A constatação dessa banal fragilidade da América não comporta necessariamente qualquer antiamericanismo. Mas pode abrir um interessante debate acerca de uma autoproclamada superioridade e das suas bases de sustentação.
USA perante a catrástrofe ... «novo genocídio» ( palavras do marido de uma diplomata castelhana).
POR FAVOR: NÃO CONFUNDAM AMÉRICA - UM CONTINENTE - COM ESTADOS UNIDOS!
Embora haja por aí quem desconverse, e volte a desconversar, o problema não está, nem nunca esteve, na aldeia global em que habitamos, em criticar, a propósito do Katrina ou de outra coisa qualquer, os americanos. O problema está - sempre que os americanos metem água - em alguns não resistirem à tentação e em vez de se cingirem aos factos recuperarem uma cartilha ideológica obsoleta e a crítica abstracta ao capitalismo, e ao mercado, de que os EUA serão o expoente máximo. Isto cá, que lá nos EUA a coisa pia mais fino, à esquerda e à direita. Atente-se nesta prosa notável de Paul Krugman, hoje dada à estampa no New York Times, onde se didscute o cerne da questão, que também passa pela natureza, definição e papel do Estado. Algo que as esquerdas não gostam nada de discutir...
At a fundamental level, I'd argue, our current leaders just aren't serious about some of the essential functions of government. They like waging war, but they don't like providing security, rescuing those in need or spending on preventive measures. And they never, ever ask for shared sacrifice. (...) So America, once famous for its can-do attitude, now has a can't-do government that makes excuses instead of doing its job. And while it makes those excuses, Americans are dying.
Mas Krugman é do MIT, mudou-se para Princeton, tem dezenas de livros publicados, pertence em suma ao establishment, logo será 'suspeito'. Atente-se então ao que tem sido escrito naquele que é talvez o mais famoso blog do momento, um relato sensível e real, escrito na primeira pessoa por um grupo de administradores de sistemas informáticos que se recusou a abandonar o seu datacenter, em Nova Orleães...
It began with what could be the understatement of the year. "Hmm. This could actually be a nasty storm," Barnett posted at 9:05 p.m. PDT on the Saturday the storm began approaching.
Just after 6 a.m. PDT Sunday, he issued a challenge: "Come on with it then, storm. Bring me what ya got. Let's see who wins."
Throughout Monday morning, he reported messy conditions, "but as long as no flooding occurs, the city should be fine. There's really nothing to say...Imagine a low rumbling turbine engine for several hours, lots of wind and debris, and me taking pictures and video."
But by Tuesday morning, his tone grew more serious: "I do not want to be an alarmist, but people who have the means to leave the greater New Orleans area need to do so. The infrastructure required to maintain a city is down. It could be a long time before it's back up. There will be too many people fighting for exceptionally scarce resources."
On Wednesday morning, the chaos began: "If you're on the cam, you've got a special treat: You're watching the flood progress (hasn't moved in 24 hours) and the looting of a hotel."
(resumo dos primeiros dias via News.com)
mas continua e hoje temos (mais) uma prosa notável...
Slept in til 7am today. The police and military still control the streets and they're patrolling in force by vehicle -- you can see this on the cam. A lot of people have asked about the vehicles and who's in them. They're all police vehicles now -- commandeered.
Let me address the political situation for a moment. I noticed that the responses I've been getting on the blog and the stuff I've been reading in the mainstream media has become very politicized. I'm not going to get into politics here -- I'm just going to do my work and then report what I see and hear throughout the day. If you guys want to play Democrat vs Republican vs Independent, go right ahead, but I'm really weary of the permanent election season this country's turned into. Honestly, these are politicians you guys are getting so excited about. Politicians. As far as I'm concerned, I don't trust people who want to tell other people how to spend their money and what they can read or see on television and what they can do in the privacy of their own homes. There's no way I'm going to feel comfortable supporting someone who thinks he knows what's best for the rest of "society" and is willing to use force and the threat of force to make others fall into line.
So yeah, I'm not going to support or condemn anyone specific for what's going on here.
And another thing to think about when we start pointing fingers is this. The government is never equipped to handle a crisis like this. There's too much bureaucracy -- initiative-stifling bureaucracy which prevents swift, effective action. I would like to hear from government employees on this. The nature of that bureaucracy is such that you have very specific guidelines to follow for even the most minute tasks. You need approval for just about everything, and the person you need approval from usually needs approval to give you the approval.
It's not as easy as say rounding up 4 of your co-workers and saying, "We've got someone at such and such an address, let's go grab her and get her out of there." Now add a destroyed or disabled command and control center to that bureaucracy and you've got a total and complete mess.
You (as a civilian) don't need "Approved" stamped on 3 different forms before you can run into your neighbor's house and pull them out. I hope this makes sense.
Anyway, I'm sure there's been human error in this catastrophe. How could there not be? But what I'm saying is that I've come to expect poor decision making and a total lack of initiative from government. They can't even balance a budget, at the federal, state, or local levels. I could balance my checkbook and spend within my means when I was a teenager. But I'm not gonna point fingers and get into the blame game. If you want me to blame something besides the storm herself, I blame the nature of government in the first place. It's too big, it's too slow, it's too inefficient, it's too bloated, and it's too intiative-stifling to be effective in normal circumstances, much less in a disaster. It's a systemic issue, more than an issue of individual people in government.
Ok, that being said, I see more civilians on the street now -- although many of them appear to be journalist types.
More later.
Muita matéria para se pensar, à esquerda e à direita, mas não, para muitos é preferível continuar a ver as coisas a preto e branco, maniqueístas, estereotipadas, dá menos trabalho e é de tradição. É pena.
O furacão Katrina e as devastadoras consequências que provocou na costa sul dos Estados Unidos deixaram perceber, com evidente crueza, quanto o "eldorado americano" (vendido em qualquer canto onde chegue a CNN e se venda a coca-cola), tem, afinal, enormes e frágeis pés de barro!
São milhares os mortos (mais ou menos de dez mil, nunca porventura saberemos), é uma enorme multidão de desalojados e centenas de milhar de sobreviventes apenas com a roupa que trazem vestida, é a destruição de uma vastíssima área urbanizada (?!...) bem maior que o território português, é o desaparecimento das infra-estruturas básicas de abrigo e sobrevivência, de comunicação e de mobilidade. É sobretudo o drama da fome e das crianças e idosos sem qualquer apoio e protecção (espectáculo impensável na imagem construída e difundida do eldorado), que nos entra em casa e a tantos deixa boquiabertos e incrédulos.
Então a maior potência económica e militar do Mundo não é capaz de proteger os seus próprios cidadãos, de prevenir as consequências de catástrofes naturais cuja natureza é normal naquelas paragens e cuja magnitude havia, aliás, sido bem prevista pelos serviços meteorológicos?
Então aquelas imagens de total abandono e de completa desprotecção não "podiam" ser apenas captadas em África e num qualquer país latino-americano ou asiático?
Então a maior potência económica e militar do Mundo, que tem dinheiro e soldados para impor as suas leis e interesses em qualquer parte do Mundo (mesmo contra a vontade e direitos desse mesmo "mundo"), não dispõe de estruturas e meios capazes de enfrentar os efeitos de uma catástrofe no seu próprio território? Afinal, quais são as prioridades, a protecção da população ou a defesa dos interesses planetários de alguns dos seus cidadãos?
A devastação mostrou ao Mundo que o eldorado americano se baseia, afinal, em muitas mentiras e profundas injustiças. A crueza das imagens (e não há montagens que permitam leitura diversa) mostra que quem sofre as consequências mais dramáticas da destruição, quem perde tudo (ou o pouco que ainda tinha) são os negros, são os pobres, é afinal uma imensa multidão de americanos que são discriminados pelos "seus" responsáveis políticos (Bush visitou o local, cinco dias depois dela ocorrer), e por uma sociedade profundamente individualista e sem consciência de solidariedade ou de justiça social, cujos objectivos únicos se centram sempre na busca de mais e mais lucro, mesmo que à custa da destruição de todos os sistemas e serviços públicos e universais de protecção colectiva.
A devastação também mostrou as consequências catastróficas de uma política de utilização do território baseada e desenvolvida num permanente e constante desafio do delicado equilíbrio natural existente naquela costa marítima (com terrenos "de construção" abaixo do nível do mar ou artificialmente conquistados ao oceano), adulterando e transformando sem sentido (nem qualquer necessidade vital) vastíssimas áreas do litoral, em zonas com características climáticas tão específicas e sensíveis.
O furacão Katrina matou inocentes e desprotegidos, devastou tudo por onde passou, destroçou mesmo a réstia de esperança que existia no coração de muitos americanos. Mas a verdade é que o furacão Katrina fez também ruir a imagem idílica (mas mentirosa) que o eldorado americano construíra sobre si mesmo.
O "Katrina" deixa um rasto de grande destruição, mostrando a profunda discriminação na sociedade americana.
A outra América
As imagens e os relatos chegam-nos dos Estados Unidos mas acreditaríamos facilmente se nos dissessem que aquilo se estava a passar num qualquer país africano, daqueles que aparecem no final dos rankings mundiais do rendimento «per capita». Antes pelo contrário: o difícil é acreditar que aquela é a nação mais poderosa do planeta, que tanto invade o Iraque como envia sondas a Marte.
Mas bem vistas as coisas, a América que morreu e perdeu quase tudo com o Katrina não é a mesma América de sucesso que conhecemos do noticiário rotineiro.
Não deixa de impressionar que a quase totalidade dos rostos que aparecem nas nossas televisões e jornais sejam negros. São os que nem sequer têm meios para fugir, porque sempre ficaram à porta da terra da igualdade de oportunidades.
É verdade que o furacão foi devastador como poucos e que a construção de Nova Orleães abaixo do nível do mar contribuiu para alavancar a tragédia.
Mas a gritante falta de acção das entidades oficiais perante uma catástrofe anunciada com dias de antecedência é hoje clara. Quem pôde fugir com o seu carro fê-lo. Quem não tinha carro para fugir não teve qualquer ajuda para o fazer, porque nem plano de evacuação houve.
Este desleixo começa agora a ser cobrado à Administração Bush. Na sua coluna no «New York Times», o economista Paul Krugman recordava na sexta-feira que, antes do 11 de Setembro de 2001, a Agência Federal de Gestão de Emergências já colocava no topo das maiores ameaças aos Estados Unidos um ataque terrorista em Nova Iorque, um sismo de larga escala em São Francisco e um furacão em Nova Orleães. Esta última ameaça era mesmo considerada aquela que potencialmente podia causar maior número de baixas. Confirma-se agora, da pior forma, que as previsões oficiais estavam certas.
Vai-se puxando o fio e começam a colocar-se em causa as grandes apostas estratégicas feitas por George W. Bush. O esforço logístico e financeiro feito com a operação iraquiana destapou a capacidade de actuação no próprio território americano. E fazem-se contas: cerca de um terço dos efectivos e de metade dos meios da Guarda Nacional estão deslocados no Iraque.
Não é fácil antecipar o impacto que esta tragédia poderá ter nas opções estratégicas americanas dos próximos anos.
Mas já é claro que todo o mundo vai pagar um pouco esta factura. Seja nos preços do petróleo ou no impacto retardado de alguma desaceleração económica que possa ocorrer nos Estados Unidos.
As nações poderosas também o são por terem esta capacidade, muitas vezes involuntária, de repartir as suas desgraças.
Não é habitual vermos a União Europeia e uma série de outros países a oferecerem ajuda humanitária aos Estados Unidos, depois de Washington a ter pedido formalmente.
Que se ajude em tudo o que se puder, obviamente. E que se retire também desta tragédia uma lição de humildade. Esta administração americana, em particular, bem que precisa dela.
Resposta inadequada
Relatório responsabiliza Administração Bush pelas consequências do Katrina
A resposta da Administração Bush foi inadequada e existem dúvidas sobre a capacidade dos Estados Unidos lidarem com um possível ataque terrorista. Esta é a conclusão de um relatório preliminar da comissão independente criada pelo Congresso norte-americano para investigar a forma como o Governo lidou com as consequências do furacão Katrina. Em Nova Orleães continuam as operações de resgate dos sobreviventes.
Uma semana depois a luz volta ao centro da cidade. É um sinal de que lentamente Nova Orleães tenta regressar à normalidade. Mas há ainda muito a fazer.
As equipas de emergência já conseguiram reparar a maior parte dos diques danificados e o bombeamento da água acumulada na cidade já começou a ser feito.
O presidente da Câmara de Nova Orleães diz que serão precisas pelo menos três semanas para secar a cidade. Os engenheiros do Exército são mais pessimistas: garantem que serão precisos três meses para retirar a água de Nova Orleães.
O nível da água já começou a descer, mas 60 por cento da cidade ainda está submersa. Vão ser precisas pelo menos duas semanas para limpar os destroços e pelo menos dois meses para reestabelecer a electricidade na totalidade.
Apesar das dificuldades, é já possível novas evacuações e buscas em locais até agora inacessíveis. As autoridades acreditam que haja milhares de corpos debaixo destas águas.
O presidente da Câmara de Nova Orleães calcula que o número pode chegar aos 10 mil. Estima-se que 14 mil pessoas estejam desaparecidas.
A devastação provocada pelo Katrina obrigou as autoridades a interromper o ano lectivo.
Foi dada uma ordem de evacuação obrigatória mas a população resiste. Não quer abandonar as suas casas e os seus haveres. O presidente da Câmara de Nova Orleães já pediu ao Exército que obrigue as pessoas a deixar as suas casas. A água está contaminada, os mosquitos abundam e os riscos para a saúde pública são elevados.
A prioridade agora é angariar fundos para ajudar as vitimas dos Estados mais afectados pelo Katrina.
George W. Bush anunciou que vai pedir ao congresso norte americano 40 mil milhões de dólares para a próxima fase das operações de socorro e recuperação.
Estima-se que entre 140 mil a 160 mil das casas inundadas pelas águas fétidas estejam irrecuperáveis.
A Cruz Vermelha tem uma lista de 94 mil pessoas desaparecidas. Os nomes estão no site da associação de ajuda humanitária. Na lista estão cidadãos da Grã-Bretanha, França, Polónia, Noruega e Espanha.
in:SIC online
The wretchedness coming across our television screens from Louisiana has illuminated the way children sometimes pay with their lives, even in America, for being born to poor families.
It has also underscored the Bush administration's ongoing reluctance or ineptitude in helping the poorest Americans. The scenes in New Orleans reminded me of the suffering I saw after a similar storm killed 130,000 people in Bangladesh in 1991 - except that Bangladesh's government showed more urgency in trying to save its most vulnerable citizens.
But Hurricane Katrina also underscores a much larger problem: the growing number of Americans trapped in a never-ending cyclone of poverty. And while it may be too early to apportion blame definitively for the mishandling of the hurricane, even President Bush's own administration acknowledges that America's poverty is worsening on his watch.
The U.S. Census Bureau reported a few days ago that the poverty rate rose again last year, with 1.1 million more Americans living in poverty in 2004 than a year earlier. After declining sharply under Bill Clinton, the number of poor people has now risen 17 percent under Mr. Bush.
If it's shameful that we have bloated corpses on New Orleans streets, it's even more disgraceful that the infant mortality rate in America's capital is twice as high as in China's capital. That's right - the number of babies who died before their first birthdays amounted to 11.5 per thousand live births in 2002 in Washington, compared with 4.6 in Beijing.
Indeed, according to the United Nations Development Program, an African-American baby in Washington has less chance of surviving its first year than a baby born in urban parts of the state of Kerala in India.
Under Mr. Bush, the national infant mortality rate has risen for the first time since 1958. The U.S. ranks 43rd in the world in infant mortality, according to the C.I.A.'s World Factbook; if we could reach the level of Singapore, ranked No. 1, we would save 18,900 children's lives each year.
So in some ways the poor children evacuated from New Orleans are the lucky ones because they may now get checkups and vaccinations. Nationally, 29 percent of children had no health insurance at some point in the last 12 months, and many get neither checkups nor vaccinations. On immunizations, the U.S. ranks 84th for measles and 89th for polio.
One of the most dispiriting elements of the catastrophe in New Orleans was the looting. I covered the 1995 earthquake that leveled much of Kobe, Japan, killing 5,500, and for days I searched there for any sign of criminal behavior. Finally I found a resident who had seen three men steal food. I asked him whether he was embarrassed that Japanese would engage in such thuggery.
"No, you misunderstand," he said firmly. "These looters weren't Japanese. They were foreigners."
The reasons for this are complex and partly cultural, but one reason is that Japan has tried hard to stitch all Japanese together into the nation's social fabric. In contrast, the U.S. - particularly under the Bush administration - has systematically cut people out of the social fabric by redistributing wealth from the most vulnerable Americans to the most affluent.
It's not just that funds may have gone to Iraq rather than to the levees in New Orleans; it's also that money went to tax cuts for the wealthiest rather than vaccinations for children.
None of this is to suggest that there are easy solutions for American poverty. As Ronald Reagan once said, "We fought a war on poverty, and poverty won." But we don't need to be that pessimistic - in the late 1990's, we made real headway. A ray of hope is beautifully presented in one of the best books ever written on American poverty, "American Dream," by my Times colleague Jason DeParle.
So the best monument to the catastrophe in New Orleans would be a serious national effort to address the poverty that afflicts the entire country. And in our shock and guilt, that may be politically feasible. Rich Lowry of The National Review, in defending Mr. Bush, offered an excellent suggestion: "a grand right-left bargain that includes greater attention to out-of-wedlock births from the Left in exchange for the Right's support for more urban spending." That would be the best legacy possible for Katrina.
Otherwise, long after the horrors have left TV screens, about 50 of the 77 babies who die each day, on average, will die needlessly, because of poverty. That's the larger hurricane of poverty that shames our land.
By NICHOLAS D. KRISTOF
in:The New York Times
Bye Bye América
É paradoxal que os Estados Unidos desloquem centenas de milhar de tropas para uma invasão do Iraque, quando são aos milhões as famílias norte-americanas que vivem abaixo do limiar da pobreza.
Os efeitos devastadores do furacão Katrina nas faixas costeiras do Sul dos EUA mostraram duas coisas que são quase uma mesma: que os Estados Unidos estão tão mal preparados para enfrentar catástrofes apocalípticas como as demais nações do mundo – as imagens resultantes da passagem do Katrina são muito semelhantes às imagens provocadas pelo tsunami que destruiu parte do Sudeste Asiático no final do ano passado – e quando toca ao sofrimento humano, são sempre os mais pobres e excluídos que pagam mais caro. Os desalojados nas ruas de Nova Orleães eram, maioritariamente, negros de baixa condição económica que, impossibilitados de fugirem para qualquer outro lado, se quedaram pela cidade à espera de melhores dias. A interpretação destes factos é relevante para o mundo, mas será ainda mais para os próprios Estados Unidos da América. Ao mundo, isto ajuda a quebrar a ideia da invencibilidade do mito: se por um lado, a capacidade logística e militar dos EUA – que de resto já se encontra pelas ruas da amargura no Iraque – se mostra pouco eficiente quando tem de enfrentar os elementos da Terra, por outro, evidencia que o modelo económico norte-americano – aquilo que aqui nos parece o sucesso fácil alicerçado em algo como «querer é poder» – assenta numa distribuição absolutamente assimétrica da riqueza, provocador de enormes bolsas de pobreza, associadas a focos muito complicados de exclusão e violência sociais. E para os próprios Estados Unidos, tudo isto ajuda à desconstrução da ideia imperial que os norte-americanos têm deles próprios. Há muitas coisas sobre as quais os cidadãos dos EUA se podem orgulhar na sua história, nas suas tradições e na sua «american way of life». Mas há uma outra quantidade delas sobre as quais não devem sentir nenhum orgulho. E o facto de serem uma nação socialmente fragmentada e desestruturada deve ser uma dessas.
Enquanto têm investido enormes quantidades de dinheiro na sua projecção mundial, em contínuas intervenções em todas as partes do mundo de onde lhes parecem surgir ameaças, os Estados Unidos têm descurado o desenvolvimento social e económico da sua própria «homeland». E para que lhes serve uma política internacional tão intervencionista e agressiva se a casa está tão desarrumada? Os impérios não se destroem, habitualmente, pela pressão externa, mas pela desagregação económica e social que corrói o seu núcleo e o que lhe está mais próximo. É absolutamente paradoxal que os Estados Unidos desloquem centenas de milhar de tropas para uma invasão do Iraque, cujo sentido e o fim são desconhecidos e provavelmente impossíveis, quando são aos milhões as famílias norte-americanas que vivem abaixo do limiar da pobreza, sem assistência médica, sem qualquer tipo de apoio social e sem acesso a formação escolar de qualidade. O Katrina, para quem gosta de interpretações mais cabalísticas destas coisas, será um sinal de Deus aos americanos para que começam a olhar para o que se passa dentro das suas fronteiras, esquecendo por um bocado os seus ímpetos militaristas no exterior. Mas como vivemos dentro dos parâmetros do racional cartesiano, o Katrina foi, quanto mais não seja, uma terrível catástrofe natural que nos fez olhar de outra forma para os Estados Unidos da América e descobrir que por debaixo de uma fina máscara de modernidade e até de algum «glamour», está apenas um país de pobres e ao nível do que pior se encontra no Terceiro Mundo. Bye bye, América. O mundo merece outros donos.
PS – E por falar em catástrofes, faz este ano 250 anos que o grande terramoto destruiu Lisboa. Convinha, em vez de fazer uma festinha para comemorar o «evento», falar seriamente sobre o tema. De uma maneira profilática e séria. A saber: quais são as zonas sísmicas? os prédios em que vivemos aguentam idêntico choque? quais os riscos de um subsequente maremoto? o que fazer em caso de novo terramoto? a protecção civil tem planos? quais são e são bons e eficientes? Porque é que suspeito que, se a Natureza se repetir, Lisboa será agora uma catástrofe muito maior do que a de 1755?
Enviar um comentário
<< Home