sábado, 8 de outubro de 2005

O QUADRADO

Não sei ao certo em que guerra estou. Todos os dias a esta hora, seis da tarde, começo a ser cercado por tropas que não vejo. Sinto-as perto de mim, sei que estão à minha volta, mas não vejo ninguém. Só os tiros, as rajadas, os rockets. Por vezes pegam no megafone e dão-me ordem de rendição:
- Estás sozinho, dizem. És um soldado sozinho numa guerra que há muito está perdida.
O problema é que não sei sequer que guerra é. Não sei quem me vestiu esta farda, nem quem me mandou para aqui e me pôs uma arma nas mãos. Munições não me faltam, nem rações de combate, nem água. Todos os dias sou reabastecido. Mas também não sei por quem. Não sei tão pouco quem são os meus, nem por que país ou causa estou a combater, se é que combato pelo que quer que seja. Defendo este reduto. É o meu quadrado. Talvez não tenha sentido estar aqui a defendê-lo, mas se o perdesse eu próprio me perderia. O único sentido, que talvez não tenha grande sentido, é defender este quadrado. Até à última gota de sangue, como há muito, na recruta, me ensinaram. Por isso não me rendo. Por mais que me intimem e me intimidem continuarei a resistir. Não propriamente por razões militares ou morais. Digamos que por razões estéticas. Um homem não se rende. Talvez seja por isso que estou aqui, não sei ao certo onde nem desde quando, talvez desde sempre, no meio de um quadrado, cercado e sozinho, mas não vencido.
Algures alguém me reabastece. Algures sabe que não me rendo.
Todos os dias, pelas seis da tarde, aperta-se o cerco. Todos os dias, à mesma hora, me coloco em posição. É estranho que não me acertem, verdade seja que também não sei se alguma vez atingi o inimigo, se assim lhe posso chamar. Chego a perguntar-me se não é sonho, se tudo não é apenas um pesadelo e se de repente não vou acordar.
Seja como for, a guerra continua. Em sonhos ou não, continua. São quase seis da tarde e sinto que eles se aproximam. Todos os dias é assim, todos os dias defendo o meu quadrado.
- És um homem sozinho e a tua guerra está perdida, gritam eles.
Sei muito bem que estou sozinho. Mas enquanto me bater a guerra não está perdida, ainda que se me perguntassem que guerra é eu não soubesse ao certo responder. Diria talvez que é a guerra de um homem no meio do seu quadrado. Um homem que se bate, talvez em sonho, porque tudo se calhar é sonho. Sonho de um sonho, lembro-me de ter lido algures. Que importa? Sonho ou não, eles aí estão, tenho de defender o meu quadrado, não há outro sentido senão este, lutar até ao fim, um homem não se rende, não seria bonito, seria, aliás, se me permitem, uma falta de educação, uma grande falta de educação
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Manuel Alegre

3 Comments:

At 8 de outubro de 2005 às 11:55, Blogger J said...

Estará quase tudo dito sobre as eleições de amanhã. Permiti-me acrescentar só isto:, na política, como na natureza, na vida, na saúde e em tudo "há sempre duas forças fundamentais que: a) se opõem; b)são interdependentes; c)se consomem reciprocamente; e, d)se transformam constantemente uma na outra". In - A Medicina Chinesa, de Angela Hicks, da Editorial Presença.
Na política estas forças são a esquerda e a direita, nem sempre assumidas pelos mesmos partidos, claro. E, quando um concelho ou país está doente politicamente há desequilíbrio entre estas forças. Mas, naturalmente e pela acção dos cidadãos mais esclarecidos o equilíbrio e o bem estar são dinamicamente (r)estabelecidos em patamares mais avançados. Terá de ser o que vai acontecer amanhã, ou, depois de amanhã...

 
At 9 de outubro de 2005 às 14:12, Anonymous Anónimo said...

OS SALTEADORES DA ARCA VAZIA

Saldanha Sanches escreve sobe as autárquicas e conclui atirando-se à justiça:

«Numa espécie de greve da justiça que só vai agora ser declarada somam-se os casos de políticos (autarcas e não autarcas) que são constituídos arguidos e que esperam anos e anos por uma acusação ou mesmo por um interrogatório. Sempre com a estafada desculpa da falta de meios. Poderia ao menos haver, com um mínimo de racionalidade, um investimento dos escassos meios existentes em processos considerados exemplares. Nos crimes de colarinho branco o efeito dissuasório destas acções é bem conhecido. Mas o que temos são processos interrompidos ou mal instruídos.»

 
At 9 de outubro de 2005 às 21:55, Anonymous Anónimo said...

Nunca se está sozinho numa guerra.....
Seja qual fôr o resultado destas eleições, quem luta pelos sonhos, pode perder uma batalha, mas nunca a guerra....
Quando os que pensam vencer pela trafulhice e pela ganância cairem, dois palmos de terra é tudo o que resta deles....
Dos Homens....Ficará sempre a memória....

 

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