sexta-feira, 19 de maio de 2006

PAÍS EXCELENTÍSSIMO

«A intenção é tudo», ouvi eu dizer em boa parte da minha vida aos que, como depois viria a descobrir, assim se escudavam de nada fazer ou, mais grave ainda, de só fazer o que lhes interessava, o que levava os mais avisados a alertar-me que «de boas intenções está o inferno cheio».
Posso assegurar que tais ditos não se reportam a eventuais vidas futuras, que dessas não há quem regresse para dar testemunho, mas à terrena existência a que estamos fadados.


Vem isto a propósito da mais recente polémica nacional – o encerramento de uma série de maternidades – em que se extremam posições entre presumíveis bem intencionados e cépticos calejados que preferem «um pássaro na mão do que dois a voar».
O busílis da questão não está, obviamente, na intenção anunciada pelo Governo, cuja é – ou diz ser – a de garantir uma assistência de excelência a parturientes e nascituros, cumprindo assim não apenas o desígnio primeiro da assistência devida à população, mas também, e não é de somenos, fomentar o aumento da natalidade.


O problema, que parece complicar-se quanto mais explicações são aduzidas, está no facto de o Governo pretender levar a cabo tal desiderato encerrando maternidades, para concentrar os tais serviços de excelência em ‘hospitais centrais’, sendo que o centro aqui, geograficamente falando, significa as mais das vezes o litoral, ou, como no caso de Elvas, um pouco mais de interior... em Espanha.
Deixemos de lado a questão do «nacionalismo bacoco», como salvo erro lhe chamou o ministro da Saúde, ao contestar o desagrado das portuguesas face à alternativa de ir dar à luz ao país vizinho, embora pareça legítimo que as mães portuguesas prefiram ter os filhos, tal como as condições para os ter, na sua própria pátria, onde residem, trabalham e pagam impostos que é suposto serem aplicados no bem comum.
Fiquemos do lado de cá da fronteira e interroguemo-nos sobre este curioso conceito de desenvolvimento que, em nome da excelência, encerra no interior justamente os serviços susceptíveis de contribuir para a fixação da população, como é o caso das maternidades e das escolas, só para citar dois exemplos.


Diz o Governo que é por uma boa causa – a qualidade do nascimento e da educação – mas as soluções propostas não escondem o seu carácter intrinsecamente economicista e profundamente centralizador – logo, prejudicando o desenvolvimento regional –, já que a qualidade tanto pode e deve ser fomentada em Odemira, Elvas, Freixo de Espada à Cinta ou Lamego, como em Lisboa, Porto, Évora ou Coimbra. Com a diferença, nada pequena, de que ao concentrar num lado se desertifica no outro, agravando problemas de ambos os lados.
Diz o Governo, fugindo à discussão dos custos – no caso vertente melhor seria chamar-lhe investimentos –, que há falta de recursos humanos para assegurar a qualidade dos serviços hospitalares, mas em toda esta polémica não se ouviu falar uma única vez da formação de médicos e especialistas.


Diz o Governo que as mulheres passam a ter o direito de escolher o local onde vão ter os filhos, mas nega-lhes o direito de parir na sua região e aí fixar raízes.
Diz o Governo que quer qualidade e pratica uma política de ‘viva como puder, morra quando quiser’.
Num país assim, excelentíssimo, o que precisamos não é de boas intenções, é de boas políticas e de bons governantes.

A.F.

2 Comments:

At 19 de maio de 2006 às 16:27, Anonymous Anónimo said...

O encerramento de maternidades anunciado pelo governo tem estado envolvido numa intensa campanha de propaganda, procurando justificar o injustificável e esconder as verdadeiras razões da decisão que se pretende tomar.

Este processo é uma boa síntese da política de ataque aos serviços públicos que caracteriza a acção do governo PS.
A decisão é apresentada como única solução e fundamentada em razões meramente técnicas. Estas decisões são o conveniente casamento entre uma política de redução dos serviços públicos e a intenção mal disfarçada de abrir espaço para o sector privado.
Nesta questão das maternidades o governo afirma que tudo se resume a uma luta entre a sua intenção de zelar pela segurança das parturientes e das crianças e os regionalismos demagógicos dos que defendem a manutenção das maternidades. Certamente pode discutir-se a rede de maternidades e organizá-la de forma a dar a melhor resposta.
Mas nunca foi esse o objectivo do governo e sim o de reunir as condições para o encerramento de um largo número de maternidades públicas, tal como está a fazer com atendimentos de urgência, extensões de centros de saúde, escolas e tantos outros serviços.
O governo tem apresentado o argumento da segurança como a questão central, usando até as mortes de recém-nascidos na sua propaganda.
Mas a verdade é que têm surgido muitas e avalizadas posições contra esta decisão, como ainda recentemente o estudo da Escola Nacional de Saúde Pública, que comprovou não haver nas maternidades que o governo agora quer encerrar nenhuma situação específica de insegurança ou falta de qualidade.
Quanto ao critério da não existência de 1500 partos anuais, que na maior parte dos casos foi o único a ser apontado, não é nem nunca foi um critério absoluto, que possa ser desligado da realidade concreta do território e da população.
Há aliás muitas unidades, para além das que têm agora o encerramento anunciado, que não realizam igualmente 1500 partos por ano (23 de um total de 50).
O também invocado problema da falta de pessoal qualificado, tanto existe nestas unidades mais pequenas, como em grandes unidades, sendo por vezes proporcionalmente bem mais grave nestas, como ainda recentemente foi denunciado pela Ordem dos Enfermeiros em relação à Maternidade Alfredo da Costa. É preciso perguntar de quem é a responsabilidade da falta de profissionais nesta área. Se é o governo que anualmente define as vagas de internos das várias especialidades, e se, conforme afirmou a própria Ordem dos Médicos, há 12 anos que as maternidades agora visadas não recebem internos de ginecologia-obstetrícia, a responsabilidade da situação a que se chegou é dos que tomaram estas graves decisões.

Travar ataque contra o SNS

Importa ainda dizer que, ao contrário do que o ministro afirma, mesmo que agora se proceda apenas ao encerramento do bloco de partos, isso provocará o definhamento das restantes valências da maternidade, seja porque é esse de facto o objectivo da sua política, seja porque naturalmente os profissionais e os investimentos tenderão a concentrar-se nas unidades onde há nascimentos.
Quanto às condições para as deslocações das parturientes não estão planificadas, como já denunciou a Liga de Bombeiros, e como a própria Comissão Materno-Infantil do Ministério admite, ao afirmar que está agora uma equipa a estudar essa questão.
A situação é bastante favorável aos interesses dos hospitais privados.
A respectiva associação já veio afirmar-se disponível para assegurar os partos onde os serviços públicos vão encerrar, tendo apresentado propostas ao ministério da saúde que aguardam resposta. O seu presidente afirmou mesmo que (DN 11-5-06) «O Ministério da Saúde tem um problema e estamos a oferecer a solução. É legítima a pretensão das populações…». Na mesma notícia afirmava ainda, em relação às regras mínimas para o funcionamento de maternidades: «O que interessa é assegurar a qualidade no atendimento com flexibilização de custos, e isso nós podemos fazer porque não temos as mesmas regras rígidas de contratualização».
De facto assim é. Enquanto nas unidades públicas tem de haver em permanência 2 obstetras, 1 pediatra, 1 interno, 1 anestesista e 2 enfermeiros, as unidades privadas têm apenas de dispor de «pessoal técnico (médico e de enfermagem) devidamente habilitado».
Nas unidades privadas não se aplica o critério de 1500 partos por ano.
Enquanto nas unidades públicas se exige um bloco de partos com sala de operações sempre disponível, nas privadas exige-se apenas uma sala de partos por cada 350 nascimentos/ano.
Para além disso a fiscalização destas unidades é inexistente.
As razões para esta decisão estão assim claras.
O governo não contou no entanto com a forte mobilização das populações contra mais este ataque aos seus direitos.
Populações que continuam inconformadas e a usar os meios ao seu alcance para contrariar esta decisão. É decisivo que esta luta continue, para travar mais esta machadada no Serviço Nacional de Saúde.

 
At 22 de maio de 2006 às 17:28, Anonymous Anónimo said...

Setença Proferida em 1487 no Processo contra o Prior de Trancoso
«Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de sessenta e dois anos, será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou, sendo acusado de ter dormido com vinte e nove afilhadas e tendo delas noventa e sete filhas e trinta e sete filhos; de cinco irmãs teve dezoito filhas; de nove comadres trinta e oito filhos e dezoito filhas; de sete amas teve vinte e nove filhos e cinco filhas; de duas escravas teve vinte e um filhos e sete filhas; dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve três filhas, da própria mãe teve dois filhos.
Total: duzentos e noventa e nove, sendo duzentos e catorze do sexo feminino e oitenta e cinco do sexo masculino, tendo concebido em cinquenta e três mulheres».

«El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou por em liberdade aos dezassete dias do mês de Março de 1487, com o fundamento de ajudar a povoar aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo e guardar no Real Arquivo da Torre do Tombo esta sentença, devassa e amis papeis que formaram o processo».

 

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