EXECUÇÃO DE SADDAM HUSSEIN
Vivemos num mundo estranho e cada vez mais ameaçador. O primado da imagem tenta sobrepor-se à importância da sensatez, e aniquilar o que resta de razão.
A feroz disputa pelas atenções nos media corresponde ao desvario da competitividade, que impele pessoas e coisas ao mais nauseabundo dos comportamentos. Que sociedade estamos a edificar? As palavras têm-nos permitido construir laços sociais, e estabelecer uma relativa superioridade sobre os outros instrumentos de mediação. Porém, pretendem fazer-nos crer que novas reivindicações nos encaminham para outros reportórios, em que as palavras já não correspondem, fundamentalmente, às exigências da época nem à identidade social do indivíduo.
As sórdidas imagens obtidas, "clandestinamente", antes, durante e depois do enforcamento de Saddam Hussein, são indícios daquilo que desejam inculcar-nos. E o regozijo repulsivo de Bush, assim como as acrobacias "humanistas" de Blair traduzem a natureza do imbróglio político-ideológico que envolveu a brutal invasão do Iraque. Mas o caos no Médio Oriente não é acontecimento novo no historial norte-americano de atrocidades, invasões, depredações, genocídios, intervenções, assassínios, e apoio a ditadores fantoches em todo o mundo. E a "justiça" iraquiana, que mandou executar Saddam, é outra expressão da política de última fronteira, cuja influência é determinante na acção diplomática dos EUA.
A CNN transmitiu, incessantemente, o filme da execução e das vozes que sublinharam o medonho acto. A política informativa daquela importantíssima rede de televisão é conhecida, e tem ocasionado a veemente crítica de sectores mais progressistas, incomodados com a unilateralidade do noticiário, e aquilo que lhe subjaz. Pior, ainda, é quando, em Portugal, assistimos ao mesmo desfile de horror, numa espécie de aparato subserviente que enche de opróbrio as televisões.
Que ganhámos, todos nós, com a projecção daqueles minutos finais de um homem perante a sua própria morte? Imediatamente a seguir deveria estabelecer-se um debate alargado, com representantes de todas – repito: de todas – as forças políticas, sociais e culturais. A persistência na tese de que somente a apresentação dos factos elimina qualquer espécie de tendência, é falaciosa. Parece, infelizmente, ser regra de um jornalismo sem pejo, cada vez mais afastado do leitor e do telespectador, e cada vez mais distante da sua particular identidade.
A execução televisionada de Saddam Hussein conduz à ambiguidade das particularizações, na tentativa de as converter em aspirações de carácter geral. Não o é. E a "democracia" iraquiana, apressadamente aplaudida pelo "socialista" Blair e pelo "neoconservador" Bush implodirá, naturalmente, não só devido à imperfeição da sua legitimidade, mas, sobretudo, pelas tensões religiosas e políticas que aumentam, dia a dia, no país e na região.
Quando o extraordinário Blair, fazendo coro com as mais cínicas declarações da Administração Bush, declara ser contra a pena de morte, mas que a "democracia" iraquiana e o seu tribunal de excepção unicamente aplicaram as leis "democráticas" do país, o despudor e a imoralidade atingiram o cume. A verdade é que a caixa de Pandora foi aberta por pequenos aprendizes de feiticeiro. Blair vai embora. Bush começou a ser corrido. Aznar, outro comparsa, e Durão Barroso, figurinha menor, figuram no rodapé desta tragédia, a qual desemboca em múltiplas incertezas.
Num mundo aparentemente "normalizado" existem forças subterrâneas preparadas para minar as bases e subverter, totalmente, essa imposição do topo. O terrorismo é uma das faces dessa relação inseparável da inquietação com o desespero. E o caos no Médio Oriente reproduz essa angústia para produzir a cólera. Não há terceira via. E os norte-americanos, quando foram vergonhosamente corridos do Iraque, deixam atrás de si um mar de sangue, acrescentando, ao rol de milhões de inimigos, outros milhões mais.
Uma vez ainda, a assim chamada Comunicação Social tripudiou sobre a sua essencial responsabilidade. A questão central consiste na "mundialização" da ideologia informativa. A obediência rasteira ao que ocorre nos Estados Unidos atinge o desprezível. Despenha-se um aeroplano no local mais recôndito do Arizona e logo as nossas zelosas televisões aplicam-nos minutos de imagens. E alguns dos grandes acontecimentos europeus são ignorados ou, apenas, levemente noticiados pela Euronews, a horas impossíveis ou impróprias.
As nossas televisões são florestas de enganos sem clareiras. E o enforcamento de Saddam Hussein foi disso exemplo dramático. A execução foi transmitida em diferido. E como está a ser a nossa?
B.B.
A CNN transmitiu, incessantemente, o filme da execução e das vozes que sublinharam o medonho acto. A política informativa daquela importantíssima rede de televisão é conhecida, e tem ocasionado a veemente crítica de sectores mais progressistas, incomodados com a unilateralidade do noticiário, e aquilo que lhe subjaz. Pior, ainda, é quando, em Portugal, assistimos ao mesmo desfile de horror, numa espécie de aparato subserviente que enche de opróbrio as televisões.
Que ganhámos, todos nós, com a projecção daqueles minutos finais de um homem perante a sua própria morte? Imediatamente a seguir deveria estabelecer-se um debate alargado, com representantes de todas – repito: de todas – as forças políticas, sociais e culturais. A persistência na tese de que somente a apresentação dos factos elimina qualquer espécie de tendência, é falaciosa. Parece, infelizmente, ser regra de um jornalismo sem pejo, cada vez mais afastado do leitor e do telespectador, e cada vez mais distante da sua particular identidade.
A execução televisionada de Saddam Hussein conduz à ambiguidade das particularizações, na tentativa de as converter em aspirações de carácter geral. Não o é. E a "democracia" iraquiana, apressadamente aplaudida pelo "socialista" Blair e pelo "neoconservador" Bush implodirá, naturalmente, não só devido à imperfeição da sua legitimidade, mas, sobretudo, pelas tensões religiosas e políticas que aumentam, dia a dia, no país e na região.
Quando o extraordinário Blair, fazendo coro com as mais cínicas declarações da Administração Bush, declara ser contra a pena de morte, mas que a "democracia" iraquiana e o seu tribunal de excepção unicamente aplicaram as leis "democráticas" do país, o despudor e a imoralidade atingiram o cume. A verdade é que a caixa de Pandora foi aberta por pequenos aprendizes de feiticeiro. Blair vai embora. Bush começou a ser corrido. Aznar, outro comparsa, e Durão Barroso, figurinha menor, figuram no rodapé desta tragédia, a qual desemboca em múltiplas incertezas.
Num mundo aparentemente "normalizado" existem forças subterrâneas preparadas para minar as bases e subverter, totalmente, essa imposição do topo. O terrorismo é uma das faces dessa relação inseparável da inquietação com o desespero. E o caos no Médio Oriente reproduz essa angústia para produzir a cólera. Não há terceira via. E os norte-americanos, quando foram vergonhosamente corridos do Iraque, deixam atrás de si um mar de sangue, acrescentando, ao rol de milhões de inimigos, outros milhões mais.
Uma vez ainda, a assim chamada Comunicação Social tripudiou sobre a sua essencial responsabilidade. A questão central consiste na "mundialização" da ideologia informativa. A obediência rasteira ao que ocorre nos Estados Unidos atinge o desprezível. Despenha-se um aeroplano no local mais recôndito do Arizona e logo as nossas zelosas televisões aplicam-nos minutos de imagens. E alguns dos grandes acontecimentos europeus são ignorados ou, apenas, levemente noticiados pela Euronews, a horas impossíveis ou impróprias.
As nossas televisões são florestas de enganos sem clareiras. E o enforcamento de Saddam Hussein foi disso exemplo dramático. A execução foi transmitida em diferido. E como está a ser a nossa?
B.B.
11 Comments:
EUA
Imitação fatal
Um menino de 10 anos, natural da Guatemala, morreu enforcado em Huston, no estado norte-americano do Texas, quando aparentemente imitava a execução do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein
De acordo com o porta-voz da polícia do condado de Webster, Tom Claunch, ao The Houston Chronicle, citando a mãe do menor, a criança tinha visto as notícias sobre a execução de Saddam Hussein antes de se enforcar. O corpo foi encontrado domingo passado.
Multiplicam-se os artigos de opinião dos que em tempos apoiavam as tropas que iam encontrar as armas de destruição maciça, os mesmos que mais tarde partilharam da alegria de Bush quando o ditador foi preso, também os mesmos que celebraram a implantação da democracia quando se realizaram eleições do Iraque, novamente os mesmos que criticaram Zapatero por ter retirado as suas tropas.
O espectáculo da execução de Saddam incomodou-os, lá tentaram criticar a pena de morte e alguns até foram mais afoitos e criticaram mesmo a execução, mas o que os incomodou foi terem percebido que na plateia estavam polícias ligados ao mais extremista dos xiitas e inimigo confesso dos EUA. A execução não foi nem um exercício de justiça nem a vitória sobre a barbárie, não teve qualquer semelhança com Nuremberga, foram criminosos a executar outro criminoso, os mesmos crimonos que matam americanos nas ruas de Bagdad.
Se a execução fosse feita com decência e o ditador tivesse implorado enquanto fazia xixi nas calças os nossos defensores amigos de Bush, que lidam com a guerra como se estivessem a jogar à distância com uma consola Xbox, estariam eufóricos, teria sido uma grande vitória, as imagens justificariam o pecadilho da execução. Mas não foi, um dos homens que mais conviveu com a morte teve tempo para se preparar para ela, usou a única arma de destruição maciça de que dispunha, uma pose irritante e uns versículos do livro sagrado, o suficiente para se tornar num mártir sunita.
Sejamos honestos, no Iraque não há democracia nenhuma e nem é necessário discordar do governo para que tarde menos tempo a ser executado do que o que Saddam teve que aguardar, aliás, basta morar no local errado, ser xiita num bairro sunita, ou sunita numa cidade xiita, para ser condenado à morte. E não são só os catalogados por terroristas que matam, são todos, a começar por esquadrões da morte constituídos por polícias treinados por ocupantes ingénuos.
O que restar do Iraque vai ser o que era quando tudo começou, uma ditadura, uma ditadura de xiitas que unidos ao Irão são um perigo para os aliados locais dos EUA, um perigo bem maior do que era Saddam Hussein. A democracia que Bush queria que se tornasse num modelo para os muçulmanos vai acabar provocando mais vítimas do que a ditadura de Saddam, vai ser o modelo do que nenhum muçulmano não quer.
O idiota do George Bush mandou matar mais de 3.000 jovens americanos, lançou o caos no mundo, transformou o terrorismo num exército organizado à escala mundial, fez tudo isso para colocar o Iraque sob a influência do Irão. Veremos o que vai suceder aos sunitas ou aos cristãos do Iraque, e nem vale a pena falar dos curdos pois esses sempre foram vítimas da história, foram vítimas dos turcos, foram-no dos sunitas e vão ser dos xiitas.
E como se tudo isto fosse pouco os EUA perderam a credibilidade enquanto potência militar, as suas bombas são eficazes em países onde existe uma opinião pública que pensa como no Ocidente. Foram eficazes na Sérvia, mas não serão em nenhum país onde a alternativa a morrer com uma bomba é morrer de fome, onde a esperança de vida passou a ser esperança de sobrevivência ou onde a religião oferece a felicidade que a vida não proporciona. Perderam na Somália, vão perder no Iraque e perderão no Irão se o Bush for suficientemente idiota para se ir lá meter.
Lembro-me de D. José Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboa, ter comparado a invasão do Iraque a um pontapé num formigueiro. Estava-se mesmo a ver o resultado. não venham agora teorizar sobre o infortúnio, quem apoiou a invasão do Iraque é co-responsável pela morte de mais de 3.00 jovens americanos de de muitos milhares de iraquianos. Mas estejam descansados, nunca serão julgados e se houverem vítimas de terrorismo no Ocidente o mais provável é que sejam cidadãos anónimos que nunca foram convidados para um beberete na Embaixada dos Estados Unidos da América, e se algu dia tiverem que morrer soldados portugueses numa qualquer batalha contra os terroristas vai ser um soldado anónimo que se fez voluntário para ganhar mais algum dinheiro para ajudar a pagar a casa ao banco.
Saddam Hussein. De tirano a mártir?
Sadam Hussein era um tirano. Com o seu humilhante enforcamento os americanos ainda o transformam em mártir como parecem mostrar as manifestações em vários países árabes.
Saddam Hussein cometeu inomináveis crimes para manter o seu poder pessoal e transformar o Iraque numa potência regional. Desencadeou guerras e massacres que conduziram à morte de mais de um milhão de pessoas e para o fim da vida tornou-se, como Estaline, que dizem que admirava, um paranóico com o culto da personalidade e a mania da perseguição.
A condenação à morte do ditador - uma barbárie caduca entre os povos civilizados - resultou de um julgamento que apenas quiz saber de uma parte menor dos seus crimes. Seria estranho se não se percebesse que havia um objectivo claro: deixar na sombra os crimes maiores porque estes tiveram a benção e a cumplicidade da potência que tutela o tribunal fantoche que julgou Saddam Hussein.
Para a invasão do Iraque que levou à condenação de Saddam Hussein usaram-se pretextos vários: existência de armas de destruição em massa, democratização do regime, luta contra o terrorismo. São os slogans da retórica do momento de uma política imperial onde não entram conceitos morais. Política imperial primeiro da Inglaterra, da França e depois dos Estados Unidos que tem como objectivo permanente, desde há quase um século, controlar a região onde se encontram 60% das reservas de petróleo.
O Início
Tudo girava bem, pelos lados da velha Mesopotâmia, com a monarquia Hachemita, posta como capataz, ao leme do Iraque pelos Britânicos, em 1921, após a desagregação do império Otomano, quando a situação se torna feia com o golpe de estado do general Abdel Karim Qassem, em 1958. Na esteira do nacionalismo árabe de Nasser o golpe de Qassem põe fim (em sentido literal) à família real, instala uma república laica, a igualdade perante a lei de todos os cidadãos independentemente de sexo, raça ou nacionalidade. Política de nacionalização do petróleo, de reforma agrária, denúncia dos "bons" tratados com o Ocidente, aproximação táctica à União Soviética. A administração Kennedy alarma-se e apoia com dinheiro e outros meios o jovem e anti-comunista partido Baas, ao qual Saddam pertencia, para um golpe que derrube Qassem. Em 1963, o golpe dirigido pelo coronel Ahmad Hassan al-Bakr triunfa, Qassem é fuzilado (Saddam tinha falhado uma tentativa anterior, em 1959) e traz em pouco tempo Saddam Hussein às alavancas do poder quer em segundo plano, mas como homem forte, quer a partir de 1979 como presidente, após derrubar al-Backr. O regime manteve-se e continuará laico, o país, mercê do petróleo nacionalizado, usufruia de um grande desenvolvimento e de conquistas sociais importantes como ensino e saúde gratuitos.
Saddam Hussein amigo
Contra os comunistas
Em 1979 o futuro ditador, agora enforcado, já era para os Estados Unidos um amigo. Já tinha dado excelentes provas com o extermínio dos comunistas em 1963 numa profícua colaboração com a CIA que facilitava o trabalho ao Baas fornecendo, nomeadamente, listas de comunistas a abater.
E contra os curdos
A rebelião dos curdos em 1963 contra o regime amigo do Baas desgostava a América e magnânima, após a venda de 5.000 bombas de napalm ao Iraque, ofereceu, grátis, mais mil. Os curdos foram vencidos em três tempos. Gado, searas, aldeias inteiras foram varridas e carbonizadas pelo napalm.
E contra o Irão de Khomeini
Em 1979 Komeini irrompe no Irão com a revolução islâmica e assusta os EUA e Sadam. O primeiro por causa do petróleo iraniano que nas mãos de Alá poderia ficar mais caro e incerto do que nas mãos do tio Sam, o segundo pela força que dava à maioria xiita do Iraque, há 1300 anos marginalizada pela elite sunita, por razões de hegemonia regional e disputas fronteiriças.
Os EUA incentivam o Iraque a declarar a guerra ao Irão que durará oito anos debilitará económicamente o Irão e o Iraque, matará cerca de um milhão de pessoas num e noutro campo mas, e nem tudo é mau, enriquecerá os grandes fornecedores de material de guerra americanos e especialmente os companhias francesas Dassault, Thomson e Aérospatiale.
A vitória não parece sorrir ao Iraque mas uma ajuda dos amigos ocidentais - que oficialmente são neutros - foi decisiva. Os Estados Unidos deram informações decisivas, captadas pelo sistema de satélites. Localização de forças, movimentos de tropas e outros alvos a atingir. Empresas alemãs vendem armas químicas produzidas por americanos e franceses. "O laboratório Pasteur vendeu germes biológicos ao Iraque, a empresa alsaciana Protec equipou uma fábrica de gás de combate em Samarra, a firma americana Bechtel, forneceu ao Iraque uma fábrica de armas químicas."
De novo os Curdos. E armas químicas
Um dos crimes pelo qual Saddam não chegou a ser julgado foi a morte com armas químicas, em 1988, de 5 mil habitantes curdos da aldeia de Halabja acusados por Bagdad de terem colaborado com os iranianos. A questão curda é particularmente sensível porque a sua zona é uma das mais ricas do Iraque em... petróleo.
Na época, os Estados Unidos e a França impediram que Saddam Hussein fosse condenado por esse crime. Nomeadamente o presidente Ronald Reagan impôs seu veto a uma lei destinada a bloquear o comércio americano com o Iraque.
Saddam Hussein inimigo
Arruinado com a guerra e com uma dívida gigantesca de mais de 25 mil milhões de dólares aos seus fornecedores de armas Saddam lança olhos para o Kuwait, um dos seus grandes credores, que se estava a portar mal com Bagdad. Recusava renegociar a dívida e aumentara a produção de petrólio rebaixando os preços. Além de que, aos olhos dos iraquianos, este emirato, sempre pertencera à província iraquiana de Baçorá, durante o longo domínio Otomano. Aquela ficção de país era uma invenção da Inglaterra colonialista que sob a divisa de dividir para reinar deu a independência ao Kuwait só em 1961 em vez de a ter permitido a sua integração no Iraque que aliás foi de imediato exigida por Qassem.
A Invasão do Kuwait
Saddam Hussein antes de invadir o minusculo vizinho auscultou a América através da embaixadora americana April Glaspie. Informou-a de que a atitude do Kuwait equivalia a uma declaração de guerra. April Glaspie respondeu-lhe que os Estados Unidos “não tomariam posição alguma em relação a um conflito de fronteiras entre o Iraque e o Kuwait”. Dois dias mais tarde, as declarações de April Glaspie foram repetidas publicamente em Washington pelo secretário de Estado adjunto John Kelly. À pergunta sobre o que faria seu país se o Iraque atacasse o Kuwait, respondeu o seguinte: “Nós não temos tratados de defesa com nenhum país do Golfo”. Mesmo no Congresso dos EUA esta atitude foi criticada mais tarde como um encorajamento a Saddam Hussein.
Mas os Estados Unidos acharam que apesar das boas relações com o seu aliado não podiam tolerar que este dominasse mais petróleo. E o Kuwait é um conglomerado de poços de petróleo. De um momento para o outro, George Bush, pai do actual presidente, transformou o amigo Saddam num Hitler. "Estamos a lidar com um novo Hitler".
A 1ª Guerra do Golfo
Quando os EUA puseram o exército de Saddam Hussein em fuga do Kuwait era legítimo esperar que o quisessem vencer e favorecer a criação de um governo democrático. Fizeram nessa altura um apelo massiço aos xiitas para que se revoltassem e eles assim fizeram na esperança de ajuda do exército americano que perseguia as forças de Saddam mas as tropas americanas recusaram-lhes ajuda e assistiram sem se mexer ao massacre dos xiitas no sul do país.
O embargo ao Iraque
"O massacre mais mortífero jamais cometido no Iraque não foi obra de Saddam Hussein, mas do Conselho de Segurança das Nações Unidas: as sanções impostas ao Iraque depois da invasão do Kuwait. Proibindo o comércio com aquele país, essas sanções teriam provocado em doze anos a morte de 500 mil a 1 milhão de crianças, segundo números das Nações Unidas.
Coordenador humanitário da ONU no Iraque, o irlandês Denis Halliday, demitiu-se em 1998 para não ter que continuar a aplicar o programa de sanções, que ele qualificou de “genocídio”. Ele afirma que o comité de sanções das Nações Unidas arruinou o sistema iraquiano de saúde, impedindo-o de importar equipamentos de higiene, saneamento e medicamentos vitais, sempre com a mesma justificação: esses produtos poderiam, de uma maneira ou de outra, servir para fabricar armas de destruição em massa."
Porque ninguem fala do massacre do Pinochet por ordem dos EUA?
Sejam serios
Antes de se falar da morte de Saddam, o que "fala" nas imagens que vimos na televisão é a morte.
No nosso mundo liofilizado europeu, a Ceifeira vê-se pouco.
É escondida nos hospitais, disfarçada em quartos obscuros, cuidadosamente retirada da nossa vista.
Ali, numa qualquer instalação policial ou militar, com o ar frio do cimento nu, às horas perigosas da madrugada, um homem como nós defronta tudo. Como nós.
Ali, naquele momento, não há qualquer distinção. É ele e somos nós.
O morto que ainda está vivo, anda, fala.
Dead man walking, como se diz nos corredores da morte texanos.
Não há diálogo com a Ceifeira, não há palavras que possam ser ditas. Saddam portou-se com dignidade, embora eu não saiba bem o que significa esta frase, ou sequer se tem algum sentido dizê-la.
Tivesse ele chorado, implorado, ou exibido um medo evidente e haveria alguma diferença?
Havia para nós, o medo dele seria ainda mais o nosso.
Assim como foi, alimenta a nossa vaidade, de que possamos também defrontar assim a Ceifeira e por isso ter essa "dignidade", forma última da nossa humanidade, prometeica a seu modo arrogante, diante do executor humano e divino.
Os brutos e os cruéis também podem ser dignos face à morte, isto, para quem saiba alguma coisa de história, não é novidade nenhuma.
Aquele homem ali no cadafalso não era um homem comum, nem a morte lhe era alheia.
Bem pelo contrário, Saddam matou, mesmo com as suas mãos, e deixou atrás de si um rastro de assassinatos, crimes e violências que o colocam entre os grandes criminosos políticos do século XX, numa indiferença brutal.
Naquela sala, ele estava no seu ambiente, ele melhor que ninguém percebia todos os papéis, dos carrascos, da vingança tribal e religiosa, da pura habituação à morte violenta, o convívio próximo de muitos iraquianos com a Ceifeira, mais que próximo, íntimo.
Se alguma coisa o podia surpreender, era até a relativo carácter asséptico daquela execução, tão encenada, limpa, sossegada. As coisas depois perderam um bocado o pé, com os insultos e os gritos, mas tenho a certeza que foi incomensuravelmente mais pacífica do que os hábitos da casa.
Não foi o espectáculo que foi brutal, foi a morte, como é sempre, aqui com a agravante de ter sido decidida por homens e não pelo fluir do destino. Se há adquirido civilizacional numa parte do "Ocidente", é que os nossos governantes máximos, políticos, juízes, polícias, perderam o direito de decidir sobre a vida e a morte dos que os afrontam, quer a eles, quer à sociedade. O fim da pena de morte é um adquirido crucial, frágil como todos, mas para já garantido em grande parte da Europa, embora mais recentemente do que se pensa. Mesmo assim, o assassinato político que acompanhou a nossa história, e que ainda há poucos anos matou Ceausescu e a mulher (esqueceram-se dos Ceausescu os jornalistas que repetiam na sua ignorância que no século XX "nenhum" ditador conheceu o destino de Saddam, pensando certamente que foi esta a "justiça" que faltou a Pinochet, que muitos que choram por Saddam desejavam ver morto), parece uma excepção, não o sendo. Que o digam os presidentes tchetchenos.
Mas uma coisa é ser radicalmente contra a pena de morte, como sou, outra é usar, com a "má fé" que Fernando Gil tão bem retratou, essa condenação como mais um argumento contra a invasão americana do Iraque. A discussão da invasão americana e dos sucessos que se lhe seguiram é hoje tão dominada pela irracionalidade e pelo "pensamento único" que nos impede pura e simplesmente de pensar. Aliás, nunca encontrei melhor exemplo do que possa ser o "pensamento único" do que a completa unanimidade agressiva sobre os eventos do Iraque. Bastava sequer ouvir a cena macabra dos últimos momentos de Saddam, para perceber como para os iraquianos presentes, entre os quais o próprio Saddam, o que está em jogo está muito para além do binómio ocupação-resistência e já lá estava muito antes da invasão.
Se se quer discutir a sério o papel político da execução de Saddam, então é preciso em primeiro lugar libertarmo-nos de usar a condenação da pena de morte como argumento, porque ele é em si muito irrelevante no Iraque, nem muda nada que não estivesse já mudado e infelizmente para pior. A execução de Saddam foi mais um episódio de uma guerra civil larvar que atravessa o Iraque, e é como tal interpretada pelos iraquianos, que a festejaram do lado xiita e que a condenaram do lado sunita, apenas e só nesse contexto. E é por ter sido mais um episódio da guerra civil que a desaparição física do ditador em nada contribui para a acalmia do país, e muito menos para a democracia. Mostra também como os americanos, em particular, perderam o controlo do processo e têm um dilema crescente: ao passarem o poder para os iraquianos, tem que aceitar uma política interna cada vez mais dominada pelo conflito civil entre xiitas e sunitas, com os curdos a desejarem estar noutro mapa, de preferência com o petróleo a que acham ter direito.
Se não se está de "má fé", então tem que se discutir as alternativas para a coligação após a invasão. Os EUA e os seus aliados sabiam que iam defrontar no Iraque o problema de capturar vivos os principais dirigentes do regime baasista. Não era nada que não tivesse vários precedentes recentes, como o da Alemanha e Japão no fim da II Guerra, ou dos dirigentes sérvios na guerra jugoslava.O precedente alemão e japonês foi resolvido com tribunais como o de Nuremberga, que acabaram na condenação à morte de muitos altos dignitários nazis, ao exemplo do que aconteceu em muitos outros países da Europa, onde uma vaga de julgamentos ou de decisões extrajudiciais levaram à execução, muitas vezes sumária, de milhares de colaboradores dos alemães. Se no Iraque fosse seguido o mesmo exemplo, seriam americanos e os outros membros da coligação a julgar Saddam não se sabendo com que base jurídica. Se fosse com base na legislação nacional iraquiana, ou na base da legislação de Nuremberga, Saddam seria quase de certeza condenado também à morte.
Havia a alternativa de o julgar num tribunal como o de Haia, para onde foi enviado Milosevic. Mas o consenso que havia para a Jugoslávia não existia para o Iraque e um tribunal com um apoio internacional dúbio seria sempre visto como um tribunal americano disfarçado. Era provável que neste caso, se o julgamento fosse na Europa, Saddam escapasse com vida, mas ficaria preso até ao fim dos seus dias.
Não custa imaginar o clamor que, quer a solução tipo Nuremberga, quer a de um tribunal internacional levantariam, para além de poder reforçar a ideia de uma ocupação estrangeira permanente do Iraque.Havia uma outra solução, a de levar Saddam para os EUA, como aconteceu com Noriega, mas também aí não seria difícil imaginar o clamor internacional e o impasse jurídico a que se chegaria, pois também na lei americana os crimes de Saddam implicavam a pena de morte.
Apesar de tudo, visto pelo princípio dos "prognósticos só no final do jogo", qualquer destas soluções seria melhor, agora que sabemos o que aconteceu. Mas é preciso entender que os motivos dos americanos, como acontece com algumas das maiores asneiras cometidas no Iraque, resultam de uma mistura de boa vontade ingénua e negligência na análise cuidada dos riscos. Ninguém que quer a democracia pode deixar de admirar a enorme ingenuidade americana, que é o melhor da América, e nalguns caos, o pior. Vistas as coisas hoje percebem-se as intenções dos EUA: usar o julgamento de Saddam como uma catarse nacional para o Iraque, permitir um módico de justiça (e por muitas críticas que se possam fazer ao julgamento, ele esteve a milhas do que é habitual na região) e oferecer aos iraquianos um ponto zero de partida para a sua democracia. Só os americanos podiam alguma vez pensar nisto a sério, mas não há razão para duvidar das suas intenções, de que, bem sei, está o inferno cheio.
Havia, aliás, uma maneira não americana, nem ingénua de pensar esta questão. Estaline era especialista nessa maneira, que certamente seria muito mais realista e eficaz: a de que "acabando-se com o homem, acabava-se com o problema", mas não me parece que seja esta a alternativa em que alguns críticos do que se passou estejam a pensar.
José Pacheco Pereira
In:Público
[ macacos de imitação ]
Três jovens suicidaram-se, enforcando-se, ao tentar imitar o enforcamento de Saddam Hussein. Também pelo burgo, houve quem tentasse tal façanha!
Um respeitado militante do PS, insatisfeito com o rumo das coisas, tentou fazer o mesmo mas, devido ao seu peso, a viga mestra da sala partiu e o socialista não conseguiu mais do que uma perna partida e um torcicolo no pescoço...
Ganda ninho de comunas a ranger os dentes que aqui está.
:)
O QUE FAZER A TANTOS SADDAMS?
Há pouco tempo li que o nome George era dos menos usados nos EUA, agora fiquei a saber que há uma pequena aldeia indiana onde há 20 crianças com o nome Saddam:
«O vilarejo de Lakhanow, no Estado de Bihar, no norte da Índia, é um típico vilarejo da região com casas de tijolos e ruas empoeiradas. Apenas um detalhe que diferencia o local: mais de 20 crianças da pequena cidade receberam o nome de Saddam Hussein.» [BBC Brasil Link]
Gritem!
Se algum dia me enforcarem, que seja aos gritos, que me cubram de insultos, que me cuspam na cara, que façam qualquer coisa que me distraia da companhia mais opressiva – a da minha própria morte.
E a corda, que seja de sisal – não me privem dessa última dor, expressão ainda de vida. A outra alternativa seria o enforcamento "como deve ser": frio, silencioso, limpo, com uma solenidade terrível, o enforcado a caminhar para o patíbulo sem outro foco que não o seu próprio e triste fim. A gritaria foi o que vi de mais humanitário no enforcamento de Saddam Hussein.
E, no entanto, o que gerou as maiores manifestações de repulsa pela execussão do antigo ditador foram os gritos de ódio contra o condenado. Até os norte-americanos disseram, na voz de um general, que teriam feito as coisas "de outra maneira". Pois, eles são mesmo muito bons nisso. Têm até a injecção letal – última palavra em homicídio legal.
Requinte de crueldade não foi a gritaria, mas a corda de cânhamo (não abrasiva, os enforcados a-do-ram!).
Que horror – não os gritos e a maneira como foi feito, mas o próprio gesto.
Se até das coisas mais feias se pode extrair alguma beleza, da horrível existência de Saddam Hussein talvez se possa tirar alguma coisa que se aproveite. E não me refiro a um comportamento eventualmente mais discreto da plateia nos próximos enforcamentos. O que a exibição do enforcamento de Saddam Hussein, na grande praça pública que é o YouTube, nos pode ajudar a ver de importante não é a má-criação da torcida, mas a contradição em termos que há entre sentido de humanidade e pena de morte.
Foi um linchamento? Claro que foi, mas o que fez daquilo um linchamento não foram os apupos da assistência, e sim o cadafalso e a corda (de cânhamo). E, se não fossem o cadafalso e a corda (de cânhamo), seria a cadeira eléctrica ou a agulha e a seringa. Pena de morte é linchamento. Seja qual for o método utilizado, sejam quantos forem os recursos previstos em lei, seja qual for o rigor formal observado durante o processo e na execução da pena, quando um homem é condenado à morte instaura-se um ritual de linchamento. No Iraque ou nos Estados Unidos da América. Com ou sem gritaria.
PS: Pena de Saddam? Eu?... Sim. A verdade é que não sei que outro nome lhe dar. Talvez porque o nome disso seja "pena" mesmo. Sempre detestei Saddam (e não gosto mais dele agora). Nunca me terão visto negar a moralidade de uma acção armada, mesmo que estrangeira, que o derrubasse. Quando se anunciava a intenção norte-americana de invadir o Iraque, o meu temor (tragicamente confirmado) era muito mais de um erro estratégico do que de um erro moral. E, desde que o vi com a corda (de cânhamo) ao pescoço, tenho noites mais atormentadas. E, sem o retrocesso de um milímetro sequer do meu horror a Saddam, sinto uma pena pungente do assassino enforcado.
PPS: A ideia de democracia implica, necessariamente, no reconhecimento da falibilidade do Estado. O reconhecimento da falibilidade do Estado inibe, de maneira inapelável, qualquer hipótese de instituição legal da pena de morte. Portanto, onde há pena de morte não há democracia.
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