CARTA AOS DILECTOS
Acusam-me de mágoa e desalento como se toda a pena dos meus versos não fosse carne vossa, homens dispersos, e a minha dor a tua, pensamento
Carlos de Oliveira
O ano não foi bom.
As incertezas quanto ao nosso destino acentuaram-se.
Falam em números quando deviam falar em pessoas.
O vezo de uma mentalidade que se exprime numa tirânica incompreensão das angústias colectivas, parece haver adquirido carta de alforria.
As palavras, medula de uma civilização de que me orgulho, perderam o sentido, de tanto ser desonradas.
Mentem-nos, numa aterradora avalancha, e celebram a injustiça com a exigência segundo a qual temos de nos sacrificar ainda mais.
O ano não foi bom. E muitas vozes se calaram, numa submissão a antever servidões ainda mais desprezíveis.
O prodigioso relato da indignação, que é o bragal da nossa cultura secular e a celebração da resistência aos poderes iníquos, foi interrompido por adoradores de si mesmo ou por estrategos de pequenas glórias pessoais.
A pedagogia elementar, que devia estar no bojo de todas as frases que se dizem, de todas as palavras que se escrevem, foi preterida, em nome de um impulso errático e insano, por essa infâmia da neutralidade.
A neutralidade das palavras é a emasculação do pensamento;
a fuga às imposições do quotidiano;
o desdém pelo enganoso fatalismo com que as classes possidentes costumam tatuar a nossa ideia de nação.
Somos não só legatários de uma cultura que assombrou o mundo, como herdeiros dos milhares e milhares de portugueses, cuja ideia de imortalidade era defender o berço comum, ora empunhando o montante, ora sulcando a terra com o arado, ora enriquecendo o idioma com a pena e o talento criador.
Quando visitamos a História preservamos aquilo que ela nos indica como futuro. E o futuro será sempre levantado no conhecimento do lastro traçado por aqueles que, enfrentando as falsas razões do tempo, fizeram inflectir para outro perímetro o que parecia ser uma tendência sem alternativa.
O que perdura não é a ressurreição de mitos nem a subserviência a um fadário inexistente.
Nada disso.
Mas querem fazer-nos crer que perdemos o fôlego criador e que esta espécie de europeus está irremediavelmente condenada a uma melancólica periferia mental.
Não somos aquilo que pretendem sejamos. E a nossa aventura como povo está pejada de circunstâncias terrivelmente adversas, que desafiámos e vencemos com a força da insatisfação e a grandeza de nada exigirmos em troca, senão a honra de sermos quem somos.
O embuste não é bom sismógrafo das emoções e dos desprezos que sentimos.
A mentira nunca sustentou o poder por muito tempo. Incansável e obstinadamente a esperança sempre habitou o corpo da pátria e mobilou a consciência colectiva com o pendão das grandes determinações.
Não há política sem ética, cansaram-se de dizer três dos nossos maiores: Herculano, Antero e Sérgio.
A propensão de servir, a rectidão de carácter, a vocação para a fidedignidade, a instância de comportamento cívico foram ensinamentos desejadamente ecoantes, mas lamentavelmente desprezados por Governos vergonhosos.
No plano do espírito, temos uma literatura de autores que escrevem com evanescências gramaticais e enjeitam o compromisso.
Por outro lado, somos instrumentalizados por uma informação que se esqueceu do seu estatuto de dignidade.
Nada, ou quase nada do que jovens cientistas investigam, em laboratórios esconsos, autênticos vãos de escada, vai para as primeiras páginas da Imprensa ou abre os telejornais.
Livros medíocres, ou mesmo obscenos, recebem ampla divulgação em jornais que o não deviam fazer, ou, quando o fazem, deveriam proceder a resenhas veementemente críticas. Abandonados, os autênticos criadores, aqueles que recusam as imposições do mercado e enfrentam as sinuosidades dos medos, continuam, apesar de tudo, as plurais lições antigas, modernizando-as e afeiçoando-as aos seus pessoais critérios.
Não: o ano não foi bom.
O Governo fecha os olhos à realidade e, com gélido cinismo, procede a uma das mais afrontosas arremetidas sociais, sob a falaciosa argumentação de ser reformista.
Vivemos um período lutuoso da nossa História, e muito do que as gerações anteriores conquistaram com brio e com risco está ameaçado.
Tornámo-nos no mimetismo servil de sociedades economicamente poderosas, mas não sei se culturalmente influentes.
Muitos daqueles que prometiam o resgate social e a redenção mental estão a impor-nos o pesadelo de uma existência sem virtude nem esperança.
Há quarenta anos, íamos a salto para os países de maior desafogo: areávamos os metais aos alemães, limpávamos a merda que os franceses faziam, ou perdíamo-nos nos matos e nas savanas, em demanda do sustento que só o desterro possibilitava.
Éramos a hipótese dramática do que havíamos sido, e estávamos à mercê dos caprichos de empregadores gananciosos e de grandes empresas sem escrúpulos nem humanidade.
Porém, alimentávamos a fé, porque de fé se tratava, de um dia regressar e acender o fogo do nosso lar com a dignidade finalmente conquistada.
Dilecto:
Por vezes, sinto-me um pouco anacrónico quando reverto para um horizonte não muito longínquo e dele assomem os rostos dos que formularam, através das palavras e dos actos, da régia gravidade e da decência inabalável, um ideal de pátria que a dimensão do português bem merecia. Quais as nossas relações actuais com Portugal?
Em que ponto estamos com o tempo?
Quais as associações que fazemos, ou não, com a História, o espaço, a palavra, a ambição e o desejo?
Por vezes, tudo parece perdido; tudo parece que os padrões, os princípios e os valores foram irreparavelmente aniquilados.
Por vezes.
Todavia, resistimos a todos os desgastes, defrontámos todos os estafermos, suportámos todos os déspotas, arrostámos com todos os perigos – apenas apoiados pela razão que, embora tenuemente, nos assistia e incitava.
Somos a certeza evidente de um povo que se perpetua num idioma insubmisso, falado em vários tons e belíssimos outros registos do Alto Xingu às avenidas de Paris, das florestas do fim do mundo aos portos norte-americanos, dos confins africanos às frias ruas de Berlim.
Somos apenas isto.
Mas ser apenas isto é, já em si, o bastante.
Dilecto: bom ano e boa sorte!
B.B.
As incertezas quanto ao nosso destino acentuaram-se.
Falam em números quando deviam falar em pessoas.
O vezo de uma mentalidade que se exprime numa tirânica incompreensão das angústias colectivas, parece haver adquirido carta de alforria.
As palavras, medula de uma civilização de que me orgulho, perderam o sentido, de tanto ser desonradas.
Mentem-nos, numa aterradora avalancha, e celebram a injustiça com a exigência segundo a qual temos de nos sacrificar ainda mais.
O ano não foi bom. E muitas vozes se calaram, numa submissão a antever servidões ainda mais desprezíveis.
O prodigioso relato da indignação, que é o bragal da nossa cultura secular e a celebração da resistência aos poderes iníquos, foi interrompido por adoradores de si mesmo ou por estrategos de pequenas glórias pessoais.
A pedagogia elementar, que devia estar no bojo de todas as frases que se dizem, de todas as palavras que se escrevem, foi preterida, em nome de um impulso errático e insano, por essa infâmia da neutralidade.
A neutralidade das palavras é a emasculação do pensamento;
a fuga às imposições do quotidiano;
o desdém pelo enganoso fatalismo com que as classes possidentes costumam tatuar a nossa ideia de nação.
Somos não só legatários de uma cultura que assombrou o mundo, como herdeiros dos milhares e milhares de portugueses, cuja ideia de imortalidade era defender o berço comum, ora empunhando o montante, ora sulcando a terra com o arado, ora enriquecendo o idioma com a pena e o talento criador.
Quando visitamos a História preservamos aquilo que ela nos indica como futuro. E o futuro será sempre levantado no conhecimento do lastro traçado por aqueles que, enfrentando as falsas razões do tempo, fizeram inflectir para outro perímetro o que parecia ser uma tendência sem alternativa.
O que perdura não é a ressurreição de mitos nem a subserviência a um fadário inexistente.
Nada disso.
Mas querem fazer-nos crer que perdemos o fôlego criador e que esta espécie de europeus está irremediavelmente condenada a uma melancólica periferia mental.
Não somos aquilo que pretendem sejamos. E a nossa aventura como povo está pejada de circunstâncias terrivelmente adversas, que desafiámos e vencemos com a força da insatisfação e a grandeza de nada exigirmos em troca, senão a honra de sermos quem somos.
O embuste não é bom sismógrafo das emoções e dos desprezos que sentimos.
A mentira nunca sustentou o poder por muito tempo. Incansável e obstinadamente a esperança sempre habitou o corpo da pátria e mobilou a consciência colectiva com o pendão das grandes determinações.
Não há política sem ética, cansaram-se de dizer três dos nossos maiores: Herculano, Antero e Sérgio.
A propensão de servir, a rectidão de carácter, a vocação para a fidedignidade, a instância de comportamento cívico foram ensinamentos desejadamente ecoantes, mas lamentavelmente desprezados por Governos vergonhosos.
No plano do espírito, temos uma literatura de autores que escrevem com evanescências gramaticais e enjeitam o compromisso.
Por outro lado, somos instrumentalizados por uma informação que se esqueceu do seu estatuto de dignidade.
Nada, ou quase nada do que jovens cientistas investigam, em laboratórios esconsos, autênticos vãos de escada, vai para as primeiras páginas da Imprensa ou abre os telejornais.
Livros medíocres, ou mesmo obscenos, recebem ampla divulgação em jornais que o não deviam fazer, ou, quando o fazem, deveriam proceder a resenhas veementemente críticas. Abandonados, os autênticos criadores, aqueles que recusam as imposições do mercado e enfrentam as sinuosidades dos medos, continuam, apesar de tudo, as plurais lições antigas, modernizando-as e afeiçoando-as aos seus pessoais critérios.
Não: o ano não foi bom.
O Governo fecha os olhos à realidade e, com gélido cinismo, procede a uma das mais afrontosas arremetidas sociais, sob a falaciosa argumentação de ser reformista.
Vivemos um período lutuoso da nossa História, e muito do que as gerações anteriores conquistaram com brio e com risco está ameaçado.
Tornámo-nos no mimetismo servil de sociedades economicamente poderosas, mas não sei se culturalmente influentes.
Muitos daqueles que prometiam o resgate social e a redenção mental estão a impor-nos o pesadelo de uma existência sem virtude nem esperança.
Há quarenta anos, íamos a salto para os países de maior desafogo: areávamos os metais aos alemães, limpávamos a merda que os franceses faziam, ou perdíamo-nos nos matos e nas savanas, em demanda do sustento que só o desterro possibilitava.
Éramos a hipótese dramática do que havíamos sido, e estávamos à mercê dos caprichos de empregadores gananciosos e de grandes empresas sem escrúpulos nem humanidade.
Porém, alimentávamos a fé, porque de fé se tratava, de um dia regressar e acender o fogo do nosso lar com a dignidade finalmente conquistada.
Dilecto:
Por vezes, sinto-me um pouco anacrónico quando reverto para um horizonte não muito longínquo e dele assomem os rostos dos que formularam, através das palavras e dos actos, da régia gravidade e da decência inabalável, um ideal de pátria que a dimensão do português bem merecia. Quais as nossas relações actuais com Portugal?
Em que ponto estamos com o tempo?
Quais as associações que fazemos, ou não, com a História, o espaço, a palavra, a ambição e o desejo?
Por vezes, tudo parece perdido; tudo parece que os padrões, os princípios e os valores foram irreparavelmente aniquilados.
Por vezes.
Todavia, resistimos a todos os desgastes, defrontámos todos os estafermos, suportámos todos os déspotas, arrostámos com todos os perigos – apenas apoiados pela razão que, embora tenuemente, nos assistia e incitava.
Somos a certeza evidente de um povo que se perpetua num idioma insubmisso, falado em vários tons e belíssimos outros registos do Alto Xingu às avenidas de Paris, das florestas do fim do mundo aos portos norte-americanos, dos confins africanos às frias ruas de Berlim.
Somos apenas isto.
Mas ser apenas isto é, já em si, o bastante.
Dilecto: bom ano e boa sorte!
B.B.
16 Comments:
Apesar de todas as reformas de que tanto se fala e de que os portugueses tomaram conhecimento mais pelos protestos do que pela sua explicação a verdade é que em 2006 pouco mudou, assim como pouco vai mudar em 2007.
As reformas, bem ou mal amanhadas, bem ou mal explicadas, mais ou menos indispensáveis, são inevitáveis, se uma mudança profunda do país não será possível inverter o processo de decadência da economia portuguesa.
Mas emagrecer não significa necessariamente combater o colesterol, uma boa parte das reformas não se traduziram nem vão resultar em qualquer mudança qualitativa significativa, o país vai continuar vulnerável, basta dois meses de Governo de um qualquer Santana Lopes para que tudo volte à primeira forma, e um povo cansado do discurso da austeridade apoiará dar-lhe-á o apoio incondicional.
Não foi por as ex-mulheres dos polícias terem deixado de beneficiar do sistema de saúde do ex-marido que há mais segurança, ou porque os juízes vão dar umas bengaladas na sala de audiências durante o mês de Julho que a justiça fica mais célere e muito menos mais justa, ou porque se reduzem cinquenta mil funcionários públicos que o Estado fica mais moderno, ou porque são dadas umas aulas de substituição que os estudantes portugueses aprendem mais.
A modernização de um país não passa apenas por reformas que apenas são avaliadas pelo impacto nas contas públicas, nem as reformas podem ser feitas para se ouvirem elogios dos comissários ou de funcionários cinzentos da Comissão Europeia esquecendo o envolvimento dos cidadãos.
Não é para que os comissários falem bem dos governos ou para que sejam publicados artigo elogiosos na The Economist que as reformas servem, elas são necessárias para que os portugueses possam ter esperança num futuro melhor.
O país precisa de se modernizar e para se aproximar dos que estão à frente terá que ser melhor do que eles.
Para isso precisamos de reformas a sério e de arregaçar as mangas enquanto povo, mas é importante que essas mesmas reformas sejam explicadas aos portugueses, de nada servem as palmadinhas do Durão Barroso se os portugueses forem esquecidos.
Sou defensor das reformas, até iria mais longe do que tem ido o Governo, mas essas reformas não podem servir para animar o PSI 20 e alegrar os banqueiros, de nada servirão as reformas se os que trabalham apenas ouvem do Governo que ganham demais como se em Portugal se ganhasse assim tão bem quanto isso.
Chega de reformas justificadas pelo medo e que não se traduzem em esperança, que apenas visam não ficarmos pior do que já estamos.
Da mesma forma que sou defensor das reformas também defendo que o Governo deve dar exemplos, os mais ricos, os aparelhos partidários, os administradores de empresas do Estado e os políticos deverão ser os primeiros a dar o exemplo.
A verdade é que enquanto o Governo mudou o sistema de saúde dos juízes, dos jornalistas ou dos polícias em meia dúzia de meses ou mesmo de semanas levou uma eternidade para mudar o esquema das reformas do banco de Portugal e quanto às empresas do Estado nada mudou.
Os Convencidos da Vida
Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?
(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida – da sua, claro – para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.
Alexandre O'Neill
in: "Uma Coisa em Forma de Assim"
Por mais teoria e factualidade política que se debite à propôs das condições que prepararam e executaram a guerra ao Iraque só se pode, com bom senso, chegar a uma conclusão: a megalomania e narcisismo destes quatro cáfilas fizeram a insegurança internacional (com a consequente crise económica) em que hoje o mundo vegeta.
Vivemos hoje todos de forma mais insegura, temos todos mais medo e vivemos também com menos investimentos e somos mais pobres.
Na sequência dos bárbaros ataques do 11 de Setembro de 2001 - em que a América perdeu o mito da invencibilidade no seu próprio coração comercial, económico, político e simbólico - além das cerca de 4000 pessoas inocentes que então sucumbiram naqueles escombros, os EUA resolveram invadir o Afeganistão e o Iraque.
Num caso porque se tratava de um Estado-santuário do terrorismo que directamente fomentava o treino e as acções terroristas para aniquilar a América e o Ocidente, além de ser para lá - nas montanhas do Afeganistão - que o terrorista-mor, Bin Ladden - líder da Al Qaeda - se escondera; noutro caso porque se suspeitava que Saddam tinha estreitas ligações a essa rede de redes - a Al Qaeda - e albergava no seu país armas nucleares, químicas e bactereológicas que poderíam representar um perigo maior para a Humanidade.
O idiota da Casa Branca misturou as coisas, e agiu a quente confundindo alhos com bugalhos. Parece que é habitual.
Para esbater essas dúvidas a ONU de Kofi Annan (que cedo percebera as motivações belicosas e vingativas do idiota locatário da Sala Oval) mandou instaurar um sério inquérito levado a cabo pela Agência Internacional de Energia Atómica (dirigida pelo Sr. ElBaradei), que até foi Prémio Nobel da Paz em 2005. Deslocada ao terreno com técnicos especializados, e depois do jogo do gato e do rato entre Saddam e Bush, concluiu não existirem aquelas armas que Washington DC tanto desejaria que existissem a fim de legitimar politicamente a intervenção no Iraque e destruir o regime iraquiano e matar Saddam.
Tudo, claro está, à margem da ONU, do CS (que mereceu a oposição da China, França e Rússia) e à revelia do proclamado Direito Internacional Público - que não passa duma treta que se aprende nos bancos das faculdades mas que na vida real só serve para limpar o rabo, e é depois de se lhe tirar a goma... Em vez de se acabar com a Filosofia no Secundário melhor seria extinguir esta cadeira, por ausência de aplicação.
A par disso, o então secretário de Estado Collin Powell - homem inteligente, credível e moderado - reconheceu que as conclusões manhosas a que a CIA chegou para agradar ao idiota da Sala Oval além de não colherem fundamento nos factos eram motivo de chacota na cena internacional, e não foram poucos os cartoons, os outdoors, os mails e demais material virtual que inundou o ciber-espaço denunciando esse ridículo tão doentio quanto estúpido que só existia na cabeça dum homem tão doente quanto Saddam, com a diferença de que apenas liderava a maior potência do mundo: a América.
O resultado disto conduziu a um gradual afastamento de Collin Powell - que cedo percebera a natureza "fascista" dos profetas neocons que tomaram conta da Casa Branca.
O resultado só poderia concluir pelo seu afastamento, o que sucedeu quando o 2º mandato, infelizmente, deu nova maioria ao alcoólico da Sala Oval.
Em seu lugar, uma académica, Condoleza Rice, assumiu a pasta. A
mesma que iludiu Freitas do Amaral no caso dos voos da CIA que servem hoje de gincana política entre a Europa de Barroso (que assim distrai o mundo ante a sua incompetência e inércia) e alguns governos europeus.
Hoje, diante todos estes factos manhosos, e apesar da invasão do Iraque pela América de G.W. Bush, o Iraque está imerso numa guerra civil, os soldados norte-americanos morrem que nem tordos, a paz na região está ameaçada, o conflito israelo-árabe é um poço de conflitualidade (agravada desde a morte de Arafat), o petróleo beneficia e enriquece sempre os mesmos tiranos árabes (amigos da família Bush), a insegurança no mundo cresceu exponencialmente, e, ridículo dos ridículos, a cabeça da hidra - Bin Ladden - continua a andar por aí de satélite na mão, dando conferências de imprensa que depois envia em cassetes para serem lidas pela cadeia de tv Al Jazira - como se dum puzzle se tratasse e entreter o mundo.
Apesar de todo este dantesco cenário a que é que o mundo assiste?
À sentença do enforcamento de Saddam para daqui a um mês...
Brilhante!!.
É evidente que nada desculpará os crimes bárbaros cometidos por este energúmeno da história, mas, noutro plano, porque em contexto democrático, G.W.Bush, Durão Barroso, Tony Blair e o inepto Aznar - foram também corresponsáveis de tudo aquilo que se precipitou depois.
Tal deve-se, numa palavra, a um sentimento comum que toca aqueles quatro amadores da política que mancharam a transição do século e a entrada da Humanidade no III milénio.
O orgulho egoísta, a ambição desmesurada, a ganância, a a gula pelo poder, a soberba, aquilo que os psicanalistas definem como um padrão de vida narcísica.
Vejamos:
Bush viva obcecado com o 2º mandato; Durão Barroso é um aborto político de Bush recuperado in extremis - atormentado com uma carreira na Europa; Blair fez o papel de idiota útil (como diria Lenine, qual espécie de lacaio de luxo da Sala Oval que tudo faz para agradar a Washington);
Aznar é tão estúpido que a 1ª coisa que pensou - post-factum - aquando do atentado de Madrid de 2003 - foi imputar o acto terrorista á ETA, que o fez perder as eleições para o socialista Zapatero.
Todos eles foram atravessados por esse egoísmo e perfídia comum.
É gente que se adora a si mesma, ama o seu reflexo mas depois vive rodeado de suspeitas sobre si mesmo.
No fundo, o mundo está hoje mais inseguro, pobre e perigoso, não apenas porque as forças do mal nos atingiram a todos, mas também porque a megalomania daquele execrável quarteto viu nas acções que empreendeu a única forma de sanidade mental do mundo esquizofrénico que acabou por gerar.
E tudo para quê???
Senão para que a América de Bush planeie e programe a retirada deste novo Vietnam.
Afinal, quem deveria ser julgado: Saddam, ou, também, aquele quarteto da desgraça?
O enforcamento de Saddam Hussein, depois de um julgamento indigno desse nome, é, ao contrário do que Bush imagina, um ponto de partida.
É grave que o líder do mundo ocidental se regozije com um acto bárbaro ao arrepio de algo que levou anos e anos para se tornar uma conquista civilizacional: a eliminação da pena de morte. O Iraque transita assim para 2007 como uma enorme gangrena que ameaça alastrar.
A morte do ditador é apenas mais um rastilho, porventura o mais impressivo, para desaustinar o mundo árabe e os famosos terroristas que Bush julgava surpreender no Iraque. Pior era impossível.
Xiitas 1 - Sunitas 0
Saddam Hussein era um canalha, logo, a execução de Saddam Husssein foi a execução de um canalha, há menos um canalha no mundo, o que não significa que o mundo passe a estar melhor frequentado. Na verdade Saddam foi executado por e a mando de outros canalhas, foi condenado pela morte de 148 xiitas, tantos quanto os sunitas que os esquadrões da morte xiitas matam em menos de uma semana.
Num país onde a vida e um dos bens menos valorizados parece-me irrelevante discutir a execução de Saddam na perspectiva da legitimidade da pena de morte, por ali todos os que nascem ou vivem estão, por defeito, condenados à pena de morte, se são ou não executados isso é mais o resultado de um jogo de roleta russa praticado à escala de um país.
Não sei se o governo do Iraque vai ter a amabilidade de oferecer a corda com que enforcou a George Bush, mas deveria fazê-lo, essa corda deveria estar em lugar de destaque na sala de estar do rancho texano da família Bush. O filho idiota e menos pródigo da família conseguiu completar o trabalho do pai, a corda é o símbolo de um dos momentos mais altos da vida de um idiota.
Em termos internacionais pouco mudou com a morte de Saddam, não passou de uma vitória com sabor a vingança dos xiitas sobre os sunitas. A execução do ditador iraquiano concretiza um negócio inesperado, os americanos ficam com a corda, os xiitas festejam a morte do seu inimigo e o Irão fica com o controlo de uma boa parte do Iraque, do pouco que não está sob controlo dos terroristas.
Já morreram mais americanos no Iraque do que no 11 de Setembro, mais dia menos dias terão havido mais vítimas iraquianas do que as que resultaram de décadas de ditadura de Saddam, mais tarde ou mais cedo os EUA irão abandonar o Iraque ao terrorismo e a uma guerra civil insolúvel que só poderá levar a um conflito regional. Para acabar com um canalha os americanos criaram uma dúzia deles, destruíram um país, promoveram o terrorismo e a um conflito quase insolúvel, o que divide palestinianos e israelitas, acrescentaram um outro de maiores dimensões e de limites regionais ainda por definir.
A morte de um canalha como Saddam não tornou o mundo nem mais justo, nem mais seguro, um canhalha na prisão é muito menos perigoso para o mundo do que um idiota na Casa Branca.
pedro manuel...esse grande atrasadinho..lol bom ano pa ti pah!
CRISE QUAL CRISE?
A lucidez irritante de Miguel Sousa Tavares:
«A primeira conclusão a tirar deste Natal português é simples: ganham os comerciantes, os importadores, os operadores de telefones móveis. Perde a economia do país, os nossos filhos, que ficaram a perceber de uma vez por todas aquilo a que chamamos o ‘espírito natalício’, e perdemos nós: dinheiro e ilusões. A segunda conclusão também é óbvia. Quem voltar a falar na ‘crise’ deve ser repudiado como aldrabão e caluniador. Qual crise? Somos o país mais próspero do mundo, nunca fomos tão ricos, nunca nos sobrou tanto dinheiro, nunca as preocupações com o dia de amanhã foram tão despiciendas (ou, como explicou a um jornal uma dessas «vox populi» entrevistadas na rua, “como não antecipamos nada de bom para o futuro, tratamos de gastar agora”).
Eis o que derrota qualquer teoria económica que se pretenda racional, qualquer sabedoria doméstica presumida. Em matéria de decisões económicas, os portugueses funcionam igual em ciclo e em contraciclo, ou, melhor dito, funcionam em quadratura do círculo: se os tempos são de abundância, gastam; se são de contenção, gastam também. Se não produzem, importam; se não têm dinheiro, têm vícios; se já gastaram tudo, endividam-se. Não há crise que possa atingir tamanha fé de que alguém há-de pagar a conta. E, se forem as criancinhas a quem hoje submergimos de inúteis e caríssimos presentes, é bem feito: no fundo, pensando bem, são elas as responsáveis por esta histeria consumista: é para não as ouvirmos mais, para que nos dêem ao menos tréguas para comer o peru em sossego, que as enchemos de iPOD’s, de Play Stations, de jogos imbecis a 60 euros cada, ou, em desespero final, de viagens ao Brasil.
(...) Mas a verdade é que tanto Cavaco como Guterres foram eleitos e reeleitos pelos portugueses. Seguramente, porque nenhum deles lhes prometeu sangue, suor e lágrimas. Porque ambos convenceram os portugueses que, afinal, essa empreitada de passar directamente de país pobre e periférico para o “pelotão da frente” era coisa fácil e indolor. E, como se viu neste Natal de 2006, não há nada mais difícil de desmentir para os portugueses do que uma boa notícia. Resta-nos essa consolação: um povo tão optimista que acha que tudo se consegue sem trabalho, sem mérito e sem risco, tem de ter um amanhã feliz. Nós somos a cigarra que finalmente irá desmentir a formiga.» [Expresso]
EM 2006: MORRERAM TRÊS CANALHAS
Em 2006 morreram três canalhas: Pinochet no Chile, Separmurad Niazov no Turquemenistão e Saddam no Iraque. Dos três só Saddam não morreu deitado, mas podemos dizer que todos morreram de doença, os primeiros dois devido a problemas cardíacos e o terceiro devido a uma doença chamada George Bush.
A morte fica-nos tão mal
Saddam Hussein foi enforcado ontem, dia 30/12-2006, em Baghdad pelas autoridades iraquianas, a quem as tropas norte-americanos que o mantinham até agora preso, o entregaram.
Fiel à doutrina do tiranicídio, entendo que a morte deste tirano não se enquadra na legitimidade canónica: Saddam já estava preso e não podia vivo comandar mais mortes, portanto a sua "execução" (políticos, militares e economistas gostam de eufemismos...) não era necessária para derrubar o seu regime sanguinário; Saddam vai ser considerado um mártir árabe desta III Guerra Mundial do radicalismo islâmico contra as outras crenças.
Compreendo o efeito pretendido pela administração norte-americana relativamente a outros tiranos e candidatos a tiranos: os seus crimes podem ser julgados e eles condenados à morte, se não negociarem a sua saída voluntária do poder, como tinha sido proposto a Saddam.
Porém, na véspera de um novo ano, véspera de todos os tempos de que é ocasião, cabe firmar que, por mais grave que seja o crime, a morte não é solução de vida.
O que fica do que passa?
Será que é mais violento ver à hora de jantar centenas de crianças curdas - a Norte do Iraque - barbaramente assassinadas a mando do ditador que ontem foi enforcado, ou ver a sua própria imagem na antecâmara da morte suspensa por uma corda de cacilheiro?
Confesso que ambas as imagens me geram repulsa, mas também que ambas são imagens duma violência atroz de difícil arrumação mental no tempo em que vivemos.
Um tempo em que as instituições se regulam pelo Direito, pela separação de poderes, pelo civismo e respeito pela identidade do outro e de mais umas quantas balelas, verdadeira letra morta em certos países.
Creio que com essa decisão foi mais o Ocidente que foi julgado do que o tribunal fantoche iraquiano, que não passou de uma obscenidade de todas as estruturas num universo desestruturado, pautado pelo horror das imagens que nos fornece e da correlação que imediatamente se estabelece entre o que é político e o que emana do casulo do terror.
Por isso a política hoje infunde medo, ódio, nojo, catástrofe às pessoas..
Consabidamente, a violência gera medo, mas não unicamente naqueles que são enforcados, queimados, baleados, regados com gasolina e depois carbonizados vivos e o mais...
A violência é um vírus de assassinos natos, alguns comandam o aparelho de Estado de certas potências, e a partir daí procuram impor a sua cosmovisão à outra parte do mundo.
Todos sabemos que Saddam é um ditador facínora que a história um dia havia de condenar, mas não dessa forma bárbara - que só serviu para mostrar ao mundo quanto a América de Bush, Blair, Durão Barroso e Aznar - os fautores da Cimeira dos Açores que preparou o caldo da guerra - sem qualquer legitimidade - usam e abusam duma concepção do direito e da justiça que em tudo se lhe assemelha.
Isto leva-nos a supor que a violência não instiga medo naquela que mata, ela infunde também medo naqueles polícias do mundo, burocratazinhos Bruxelenses e políticos em fim de carreira insulares - que hoje vivem mais assustados do que tranquilos.
Aquele enforcamento não mostra apenas o estertor exercido sobre um canalha da história contemporânea, revela também como Bush, Durão Barroso, Blair e Aznar - que criaram o contexto político da guerra ao Iraque (ilegítima, por sinal, como provou a Agência Internacional de Energia Atómica dirigida por ElBaradei, nobel da Paz em 2005 - ao provar não existirem armas químicas no Iraque nem nenhuma conexão de Saddam a Bin Ladden) à margem da ONU e do direito internacional, nutrem pulsões de morte que os impele para matar - matando assim o inimigo que se constituiu como (suposto) obstáculo. E digo suposto, porque o verdadeiro obstáculo ainda anda a monte (bin), e qualquer dia aparece na Sala Oval com uma plástica replicada de G.W.Bush.
Pelo que a questão essencial que se nos afigura pertinente é: não tanto saber porque Saddam foi enforcado, mas identificar as razões que consomem a mente e o corpo d'alguns policiazinhos deste mundo de canalhas legitimados pelo direito mas que envergonham os países e os povos em nome de quem tomaram tais decisões.
Antes de a corda esticar, cair o pano e se fazer escuro pensei que a violência só pode gerar mais violência, e que ela neste caso é proteiforme, o que me pode fazer supôr que aqueles carrascos que ladeavam o ditador também têm nome: EUA, Europa, RU e Espanha.
Dito isto chegamos à conclusão maior: a megalomania e o narcisismo do quarteto da desgraça.
Doravante, talvez o maior dos pecados é todos termos visto isto. Será essa memória e consciência planetária que tudo legitimará de futuro nos terramotos da morte institucionalizada que esta Humanidade anda pra aí a criar.
Será isto que fica do que passa: o registo na memória.
OS CANALHAS TAMBÉM MORREM COM DIGNIDADE
Se George Bush estava à espera que a execução de Saddam Hussein lhe proporcionasse imagens que pudessem servir para gozo enganou-se, o ditador morreu com dignidade, não mostrou nervosismo ou medo, estava mais calmo do que os executores e as testemunhas governamentais. Azar, os canalhas também morrem com dignidade e este mostrou mais dignidade do que aquela que veríamos se os executados fossem os seus executores. E se Bush esperava usar as imagens para exibir.
FILHOS DA MÃE
Num momento em que decorria um processo negocial e quando o governo espanhol resistia às críticas da direita, uma boa parte dela herdeira do franquismo, a ETA decidiu recorrer às poucas forças que lhe restam para executar um violento atentado no Aeroporto de Barajas, precisamente na quadra de Natal. Os terroristas conseguiram o que queriam interromper negociações que nunca levariam ao que pretendem, uma ditadura no País Basco, e deram razão aos franquistas que se opõem a quaisquer negociações.
O ANO DE 2006
Segundo Vasco Pulido Valente:
«Não se pode dizer que foi um "acontecimento" do ano, mas de qualquer maneira a importância económica e política da Índia e da China não deixou de crescer. Como a da Rússia, onde Putin, com a brutalidade do costume, continua a solidificar o império.
Em 2006, não é preciso muito esforço para imaginar um mundo em que o Ocidente perdeu a sua proeminência e ficou reduzido a um parceiro menor. Nem a superioridade tecnológica, nem o poder militar americano conseguirão por muito tempo evitar o inevitável. Pouco a pouco, o Ocidente acabará por se tornar inseguro e pobre. Em 2006, a América reconheceu a derrota no Iraque, que foi desde o princípio uma aventura sem sentido. Hoje a única ambição é encontrar uma saída para um problema sem saída. A partilha é uma ideia académica, o Estado Federal já falhou e a retirada iria generalizar a guerra a toda a região. Nunca, como agora, no cúmulo da sua força, a América mostrou tão claramente a sua fraqueza. O que anuncia um futuro perigoso. Os taliban reapareceram. O Irão fabrica impunemente a bomba atómica. A Coreia do Norte experimentou a dela. Na América Latina, a Venezuela e a Bolívia ressuscitaram uma espécie de socialismo. A Rússia recomeça uma expansão, embora prudente, para a Europa. A China, com a moeda subvalorizada, sustenta o défice de Bush e ignora a propriedade intelectual. São só sinais. Infelizmente, são péssimos sinais.
Também Israel perdeu uma guerra, a primeira, com o Hezbollah, e demonstrou a sua inquietante vulnerabilidade. O Líbano, que dia a dia se desfaz (se jamais chegou a existir) está entregue a terroristas de procedência vária, sob o alto patrocínio da ONU. E, na Palestina, a vitória eleitoral do Hamas transformou uma situação insolúvel num massacre gratuito, a que o Ocidente, sem autoridade ou crédito, assiste impassível.
Em Portugal, 2006 não trouxe surpresas. Cavaco marchou para Belém. Sócrates, reduziu o défice, obrigando os portugueses a pagar mais, como lhes compete, e a ganhar menos, como sempre sucede. Dizem que se chama a isto "combater privilégios". De resto, Stanley Ho inaugurou um casino em Lisboa e Joe Berardo, esse filantropo, vendeu ao Estado uma colecção de pintura por 316 milhões de euros.
Para maior glória dos valores do Ocidente, a despedida de 2006 foi uma reportagem de oito horas na CNN sobre a execução de Saddam Hussein.»
No:Público
O RECUERDO DE BUSH
Bush tem pistola de Saddam na Casa Branca:
«The sidearm has made its way to 1600 Pennsylvania Avenue. Sources say that the military had the pistol mounted after the soldiers seized it from Saddam and that it was then presented to the President privately by some of the troops who played a key role in ferreting out the old tyrant. Though it was widely reported at the time that the pistol was loaded when they grabbed Saddam, Bush has told visitors that the gun was empty—and that it is still empty and safe to touch. "He really liked showing it off," says a recent visitor to the White House who has seen the gun. "He was really proud of it." » [Time]
Sugira-se a Bush que a substitua pela corda com que mandou enforcar Saddam.
No meio dos folguedos idiotas, passou despercebida a pequena tragédia da Nazaré.
Pequena para quem está de fora e enorme para quem assistiu, impotente, à morte dos seus a meia dúzia de metros da areia.
São infelizmente precisas imagens horríveis deste género para nos lembrarem o esterco em que vivemos. Não há powerpoint ou promessas de "modernidade" que nos redimam.
O serviço de bombeiros e de protecção civil, a polícia marítima e todo esse aparato de autoridade que se exibe em presunçosas conferências de imprensa, levaram duas horas a chegar.
Para morrerem estupidamente, bastou àqueles homens um instante da força maligna da natureza e a fatalidade de terem nascido portugueses.
Há quantos anos não faz este país outra coisa senão morrer na praia?
Não abri uma garrafa de champanhe há poucos dias, quando faleceu Augusto Pinochet: nenhuma morte de um ser humano me alegra, mesmo que se trate de um torcionário.
Qualquer manifestação de regozijo pelo desaparecimento de alguém torna-nos moralmente equivalentes ao pior que existe na nossa espécie. Por este motivo, também não sinto nenhuma satisfação pela execução de Saddam Hussein, ocorrida de noite: sem sequer discutir os aspectos processuais do caso, que aliás me parecem muito duvidosos, começo desde logo por contestar a chocante falta de justiça por detrás de cada execução "judicial". E lembrar honrosos precedentes históricos que deviam ter deixado rasto: a pena de morte decretada a Pétain no pós-guerra, de imediato comutada por De Gaulle; a execução a que foi poupado Ezra Pound, como colaboracionista do fascismo, na sequência dos apelos de várias dezenas de intelectuais, com Hemingway à cabeça. Tantas décadas depois, recuámos em termos civilizacionais.
Que satisfação podemos sentir com isto?
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