O NATAL TRANSFORMOU-SE NO CARNAVAL DO CONSUMO...
No país com um poder de compra 30 por cento abaixo da média da União Europeia a 25 onde, nos últimos três anos, o nível de vida mais se deteriorou, no país campeão europeu do endividamento das famílias, o dinheiro de plástico estava a voar a uma velocidade de cruzeiro de perto de 6,3 milhões de euros à hora - 106 mil por minuto, 1800 por segundo -, sem contar com os derradeiros dias das compras de Natal.
Recentes indicadores também apontam para o disparo dos empréstimos concedidos para consumo e, simultaneamente, das cobranças duvidosas. Mas isso não impede a voragem das ofertas e facilidades de acesso ao crédito por todos os meios ao alcance dos cidadãos e para todos os fins.
Um dia destes bastará desejar ter dinheiro na conta e ele já lá está. E depois?
Bem, depois há sempre a possibilidade, pelo menos, de contrair novos empréstimos para pagar os anteriores e continuar a consumir, consumir sempre e mais.
O mercado está feito a contar com isso.
O carácter artificial e ilusório da sociedade em que vivem os portugueses - país onde a degradação do poder de compra dos salários se tem vindo a acentuar todos os anos - começa por aí, pelo permanente incitamento ao consumo de tudo, desde logo pelo consumo de dinheiro, mesmo quando e onde ele não existe.
Nem a mensagem do primeiro-ministro escapou de algum modo a uma certa euforia que estimula o consumo desenfreado.
O País está a melhorar.
O consumismo, numa sociedade desprovida de verdadeiros valores, transformou-se no sentido único da vida e da felicidade das pessoas: consomes e ostentas, logo existes. E foi assim que a celebração do aniversário de Jesus Cristo, o Natal, se transformou no Carnaval do consumo.
João P. Guerra
Um dia destes bastará desejar ter dinheiro na conta e ele já lá está. E depois?
Bem, depois há sempre a possibilidade, pelo menos, de contrair novos empréstimos para pagar os anteriores e continuar a consumir, consumir sempre e mais.
O mercado está feito a contar com isso.
O carácter artificial e ilusório da sociedade em que vivem os portugueses - país onde a degradação do poder de compra dos salários se tem vindo a acentuar todos os anos - começa por aí, pelo permanente incitamento ao consumo de tudo, desde logo pelo consumo de dinheiro, mesmo quando e onde ele não existe.
Nem a mensagem do primeiro-ministro escapou de algum modo a uma certa euforia que estimula o consumo desenfreado.
O País está a melhorar.
O consumismo, numa sociedade desprovida de verdadeiros valores, transformou-se no sentido único da vida e da felicidade das pessoas: consomes e ostentas, logo existes. E foi assim que a celebração do aniversário de Jesus Cristo, o Natal, se transformou no Carnaval do consumo.
João P. Guerra
11 Comments:
Muita gente, designadamente a Deco (que ganha a vida com estes estudos, estatísticas, ensaios e demais alarmes sociais, por entre marcas de máquinas de lavar roupa e de aparelhagens de som.. e avisando qual das torradeiras e televisões é mais ecológica) espanta-se com os gastos exagerados dos tugas nesta época natalícia.
Davam para construir o aeroporto da OTA, assim até já nos dispensamos de o construir, basta lembrar os gastos de natal e viajar em pensamento...
Mas o busílis da questão, nesta onda desenfreada de hiperconsumismo pelo burgo, é capaz de ser mais complexo. E a questão legítima que se deve colocar é como chegámos até aqui?
Ao mundo da individualização hiperconsumista em que as identidades pessoais e culturais se geram, alegadamente, adquirindo bens e mais bens, e raros são os que pertencem à categoria de 1ª necessidade.
Aqui temos de recorrer à teoria sociológica que explica esta dinâmica catastrófica - para o indivíduo e para o tecido conjuntivo da sociedade - e referir que tal mudança é estimulada por uma troika de forças: a tecnologia, as instituições e os valores. Descodificando: as ferramentas, as regras e os valores. E é aqui que nos encontramos, escravos de todas estas forças, para o melhor e para o pior.
Infelizmente tem sido para o pior, a ajuizar pela ausência de taxas de poupanças que poderiam ser aforradas nos bancos que depois poderiam emprestar esse capital de forma mais reprodutiva na sociedade.
Em seu lugar, os bancos ainda são obrigados é a emprestar dinheiro aos particulares, dado o consumo desenfreado das pessoas (singulares).
Ora, este desequilíbrio é péssimo para a economia, sobretudo se se pensar que 70/80% dos bens comprados são produzidos no exterior e não contribuem directamente para criar riqueza ou postos de trabalhos sustentáveis.
Daqui resulta já uma 1ª conclusão: é aquela troika de forças (tecnologia, instituições e valores) que nos está a formatar a mente, e não o inverso, o que é perigoso.
Em vez de nos emanciparmos desse tipo de desenvolvimento sumptuoso e de nos aproximarmos de Deus, estamos antes cada vez mais dependentes do status artificial que aqueles bens oferecem na configuração das identidades e mais distantes de Deus. Daqui resulta o abismo, a vertigem, a voracidade.
É como se estivéssemos a ser comidos, esventrados, devorados pelos braços armados da tecnologia, pelo dinheiro, pelo brilho daqueles cristais e, ainda por cima, oferecêssemos um sorriso de cumplicidade sinalizador de que aquela troika de forças poderia continuar o massacre neste jogo de morte consentida.
Isto é tanto mais estranho na medida em que hoje o Homem no mundo post-industrializado é livre, já conquistou as tais ferramentas que lhe permitem controlar a Natureza, e viver as suas vidas independentemente dos caprichos do clima ou do ambiente - que também têm ajudado a estragar.
Ou seja, vivemos numa fase em que é o Homem quem tem os comandos do processo de desenvolvimento, com as engenharias, as biotecnologias e as nanotecnologias a ajudarem nesse comando global do mundo.
Já não dependemos do Senhor - criador da Terra e dos Céus. E não obstante isto lá acabamos por abarrotar as catedrais do consumo envergonhando os números com aquela estatística que faz de nós, porventura, os mais gastadores (e pobres) da Europa. O que em si já é um paradoxo.
Bem sabemos que a tecnologia empurra-nos para esse colete de forças, e de forma inconsciente obriga-nos a consumir.
É o capitalismo de mercado na sua máxima expressão, nunca pede licença para nos arrombar o cofre dos neurónios e tocar nos botões que nos dá as ordens de compra, mesmo tratando-se de bens sumptuários.
Em vez de ficarmos prisioneiros desta armadilha da tecnologia, das instituições (da publicidade) e dos valores consumistas que aquela troika nos incute - não seria melhor irmos alí para a Torre de Belém fazer alpinismo?!
Ou comprar um Lego atómico e fingirmos que mandamos peças à cabeça de Fidel Castro, ao ditador de Angola cujo nome aqui não promovo, ao ditador da Coreia do Norte - que até já teve um defensor na bancada do pcp que o cunhou de democrata e demais energúmenos que, infelizmente, ainda não foram julgados pela História...
Creio que o progresso jamais deve ser encarado de forma mecânica e determinista, somos sempre nós que devemos controlar o processo de aquisição, e não o inverso como lamentavelmente hoje sucede. E o resultado está à vista.
É, paradoxalmente, o próprio progresso tecnológico que nos está a "ajudar" a afundar enquanto pessoas e enquanto agentes económicos. Assim, ficamos sem cérebro e também pobres. E é sem a faculdade de pensar nem o dinheiro que só nos resta fazer uma coisa: dirigirmo-nos aos bancos e pedir mais dinheiro emprestado para liquidarmos o que comprámos de véspera.
O que só parece beneficiar a banca - que se ri à descarada. Não é isto admirável neste nosso mundo novo!!!
PS: Uma nota à Deco.
Em tempos idos fui associado daquela agremiação.
Prometeram-me no folheto de subscrição determinados bens caso subscrevesse uma assinatura.
Paguei e esses bens não vieram.
Em seu lugar, enviaram-me um qualquer "charuto" que liminarmente recusei, assim como acabei por pedir a anulação da subscrição.
Foi, pois, um caso de Publicidade enganosa.
Depois, i.é, nos dois anos subsequentes, comigo já out of game, enviavam para minha casa cartinhas com folhetos de subscrição que tinham sempre o mesmo destino. E cuja despesa daria para comprar duas ou três unidades do produto que promoviam aquando da subscrição. E se conto aqui esta pequena estórieta, que vale o que vale, e já deve ter sucedido a outras pessoas, é porque ela também não deixa de ser sintomática vinda de quem vem.
Hoje, quando vejo o Jorge Morgado - com aquele ar sério - a falar naquelas estatísticas lembro-me logo da Publicidade enganosa de que fui objecto quando em tempos a própria Deco me queria vender gato por lebre.
É irónico, não é...
Quem não os conheça...
IDIOTICES
Se é uma idiotice Sócrates escolher a sua mensagem de Natal para nos "oferecer" uma dose de optimismo, também o é o facto de todos os líderes dos partidos da oposição terem vindo contrariar o discurso de Sócrates. Ficamos todos com a sensação de que o primeiro-ministro transpira optimismo, enquanto a oposição segue o princípio de quanto melhor pior, não escondendo a esperança de que com o agravar dos problemas económicos dos portugueses aumentam as suas expectativas de alcançarem o poder.
Ainda bem que os agentes económicos não seguem os sinais dos políticos, nem a economia vai crescer só porque Sócrates quer nem entra em recessão por ser esse o desejo mais ou menos secreto da oposição.
QUAL FOI O PRÉMIO PARA ANTÓNIO BORGES
É uma questão de fazer as contas:
«Segundo documentos apresentados na noite de terça-feira na comissão de valores mobiliários americana (SEC), ele receberá 27,3 milhões de dólares em dinheiro, 15,7 milhões em ações e 10,5 milhões em opções do mercado financeiro.
A gratificação do presidente do maior banco de negócios do mundo, que assumiu as rédeas do Goldman Sachs este ano, depois de Henry Paulson ter sido convocado para a secretaria do Tesouro, superou o recorde atingido semana passada por John Mack, do Morgan Stanley.
O recorde anterior pertencia a Paulson, que recebeu gratificação de 38,3 milhões de dólares no fim de 2005.
A Goldman Sachs anunciou também gratificações de 25 milhões de dólares para Gary Cohn e Jon Winkelried, que compartilham os cargos de presidente e co-presidente da direção.
Os 11 mais altos executivos do banco receberam no total 180 milhões de dólares.»
In:UOL
A ILUSÃO
Ao primeiro-ministro convinha-lhe, na sua austeridade soturna, meditar nisto.
Em vez da "confiança" e dos "sinais encorajadores", Sócrates devia ter confrontado a raça que pastoreia com a realidade. Só que a realidade empurra a ilusão e só vagamente entra na cabeça das pessoas.
A avaliar por isto, o "consumo privado" está aos melhores níveis da melhor Europa.
Daqui a uma semana, quando todos os forrobodós passarem, a realidade, qual serpente venenosa, descerá pelas chaminés como nunca um qualquer pai natal desceu.
A um Sócrates virtual corresponde um país irreal e vice-versa.
Se calhar está tudo bem assim e não podia ser de outra maneira.
A esta hora, milhões de pessoas contam os cêntimos que lhes restam nas carteiras, sem saber bem como poderão pagar os créditos que contraíram para pagar prendas que em grande parte serão esquecidas num canto da casa. No fim do dia, milhares de famílias poderão descansar de mais uma correria natalícia, de mais uns dias no ano a stressar por causa dos doces, das prendas, dos convites, dos SMS, dos postais e de toda a parafernália consumista.
Alguns terão o dia de amanhã para recuperar, outros não. Doze famílias estarão de luto.
Felizmente que não sou só eu a ver o Natal desta forma e a admiti-lo publicamente.
Basta ver este genial poema de António Gedeão.
«Dia de Natal
Hoje é dia de era bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.»
"Não podemos transformar a última foda numa ocasião especial, porque,
enquanto estamos a dá-la, não sabemos se é a última e,
quando descobrimos, se calhar, já nem nos lembramos de como foi"
David Lodge
Galileu Galilei
1564-1642
"Quanto à introdução de novidades. Quem poderia duvidar que leve às piores desordens quando mentes que Deus criou livres são compelidas à submissão escrava a uma vontade externa?
Quando nos dizem que devemos negar a evidência de nossos sentidos e sujeitá-las ao capricho de outros? Quando pessoas sem qualquer competência são tomadas juízes de peritos e se lhes outorga autoridade para tratá-los como lhes aprouver? São essas as novidades capazes de levar à ruína das comunidades e à subversão do Estado."
(Diálogos Sobre os dois Principais Sistemas do Mundo)
Evasões
António José Teixeira
Não é Carnaval, mas, talvez para dar folga ao cinto apertado pela governação socialista, nunca os portugueses terão sido dados a tanto excesso. Não foi e não é necessariamente folguedo, foi e é muito dinheiro gasto em pouco tempo. O cartão multibanco não teve parança, muitos milhões de euros mudaram de mãos em poucos dias. Quase mil euros foram movimentados por segundo, o que demonstra a voragem consumista do nosso tempo. A constatação propicia moralismos diversos, seja porque somos um país pobre a fazer de rico, seja porque estamos demasiado endividados e só pensamos em aumentar as dívidas, seja porque transformamos todas as datas festivas em hinos ao consumo. A verdade é que tendemos a esquecer que o modelo produtivo e social em que vivemos, e a que pressupostamente não somos alheios, tem por base o estímulo ao consumo. De uma forma simplista podemos dizer que o crescimento do consumo faz crescer a produção e o comércio. O problema português não está no excesso consumista natalício, admitindo que é um excesso. O problema está na nossa fraca capacidade produtiva, na enorme dependência externa.
Portugal é um país de comerciantes, uma desproporcionada superfície mercantil. Bate recordes nos hipermercados. Projecta mais centros comerciais do que qualquer congénere europeu. O prazer e a felicidade de hoje já não se fazem de marcas simbólicas, de intercâmbios pessoais ou do mero convívio social. Ganha crescente protagonismo o sujeito consumidor, que vai destronando o cidadão preocupado com a comunidade. O desejo e o prazer realizam-se numa incessante procura e conquista de objectos, quantas vezes confundidos com sujeitos nossos iguais.
A cultura consumista vive do efémero, faz do passado um mero pretexto de diversão e evasão. Produz demasiado lixo, que não recicla. Vive da precariedade e na velocidade. Foge demasiadas vezes sem destino. Estampa-se insolvente numa qualquer estrada sem que a morte seja mais do que uma ocorrência ou calamidade sem especial significado.
A voragem do consumo não tem pensamento estratégico. Esgota-se em si própria, descrente em qualquer salvação. Num mundo de pouca esperança, goza--se o presente que os amanhãs já não cantam. O tempo é agora de saldos, promoções, pechinchas, oportunidades a não perder. Aproxima-se a passagem de ano e neste país sem direitos adquiridos, em défice continuado, nada como voar para o Brasil para esquecer o garrote de Sócrates. Para que conste, os voos já estão esgotados. Se nada mais houver, restará o comando da televisão...
Editorial do DN de 28/12/2006
AS PRENDAS
O Natal é tempo de prendas e já lá vai o tempo em que as crianças metiam o sapatinho na chaminé, agora todos dão prendas a todos e os embrulhos concorrem em altura com as árvores da temporada. E num tempo em todos dão prendas as empresas também vestem a roupa de reis magos e vão dar prendas aos governantes e altos dirigentes da Administração Pública. Quem não se lembra da admiração de Guterres pelo valor das prendas que eram enviadas para o primeiro-ministro?
Nestes dias não é raro verem-se atarefados estafetas carregados de prendas a caminho dos gabinetes dos ministros, dos secretários de estado, dos directores-gerais e dos subdirectores-gerais, são sacos e sacos de artigos de luxo. Ontem cruzei-me com as prendas do BPN para a equipa governamental do ministério das Finanças. Dir-me-ão que são gestos simpáticos, que são prendas simbólicas, mas não estou a ver um banqueiro oferecer ao ministro das Finanças uma garrafa de JB ou uma caneta Inoxcrom, nem gente que até nos arredondamentos tenta ganhar dinheiro estar tão desinteressadamente generosa. E são muitos os banqueiros, financeiras, grandes empresas, etc., etc., a quem fica mal não mandar um postalzinho de Boas Festas a um ministro e nos tempos de consumimo que atravesamos um postal implica o respectivo embrulho anexo.
Quanto receberá cada ministro em prendas durante a quadra natalícia? Gostaria que um qualquer ministro, por exemplo, o ministro das Finanças publicasse a lista das prendas que recebeu, até poderia montar uma cerimónia televisionada para o vermos a carregar no botão para que essa lista ficasse disponível na Internet, à semelhança do que fez com a lista dos devedores ao fisco.
sto não significa que duvide da honorabilidade dos ministros ou que considere que as prendas são motivos de suspeita. Só que nos países menos corruptos há muito que foram adoptadas regras quanto a prendas bem como ao seu tratamento fiscal. Até porque os muitos milhares de contos que os governantes e dirigentes recebem em prendas são deduzidos dos lucros das empresas, ou seja, são os portugueses que efectivamente as pagam, através dos impostos que pagam para compensar os impostos que deixam de ser pagos em consequência deste expediente.
Não só deveriam haver limites como as prendas deveriam ser registadas contabilisticamente com a indicação de quem as recebeu. Além disso quem as recebe deveria ficar sujeitp ao pagamento de IRS sobre o valor das mesmas.
Num tempo em que tanto se fala de corrupção, de sacrifícios e de grupos de interesses seria um gesto muito saudável se Sócrates adoptasse regras neste domínio. Por uma questão de transparência, de equidade e de justiça fiscal.
Alice do País das Maravilhas escolheria Portugal para viver em 2007? Quereria ela ser a líder do grupo de rock'n'roll que desafiaria Sócrates para um concurso de cantorias, já que a oposição, às vezes, parece rouca? Iludindo o contínuo declínio deste recanto, Sócrates garante o oásis. Ele marca a agenda, mas o seu trabalho marcará o aumento de qualidade de vida dos portugueses, ou tudo não passa de um fogo de artifício? Sócrates tornou-se a costureirinha de Portugal. Com menos serviços do Estado e com uma política cega de corte e costura promete o o mundo no céu e um trapinho decente para vestir na terra. Acredita que tudo o que exerce é em prol da nobre arte de fazer com que os portugueses pareçam menos pobres do que os habitantes de Malta ou da Estónia. Ao contrário do tribuno Cícero, que achava que a filosofia era a substituta por excelência da actividade política, acredita que é com o exercício do poder que tudo se resolve. E que as grandes ideias podem ser leiloadas. Para serem trocadas por dúbios investimentos estrangeiros.
O mau exemplo
Portugal foi com muita sede ao pote. E consumiu o que tinha, o que lhe deram e o que, acreditou, lhe iriam dar gratuitamente. Os portugueses viram na Europa o oásis do paraíso. Descobrem agora o purgatório. E, pior ainda, não acreditam que o crédito é algo que se paga com juros. Todos, do Estado aos comuns portugueses, viveram como Ícaro: julgaram que voavam sem produzir. O resultado, como lembrou agora a União Europeia, foi um trambolhão. Portugal, agora, é um mau exemplo. Mas todos temos de compreender porquê. Não é difícil. O que comemos vem do estrangeiro. A taxa de aproveitamento escolar é desastrosa. Não investimos no presente nem no futuro. Os portugueses acreditam que os seus problemas se resolvem como no passado: com as especiarias da Índia, com o ouro do Brasil, com o dinheiro da União Europeia. E, agora, com o jackpot do Euromilhões. Com maus exemplos assim para que é que a Europa precisa de bons exemplos?
Assim, nada como prevenir.
Para depois não ter de remediar.
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