BOM NATAL Ou como um velho mapa de quinhentos obriga a interromper a maratona natalícia.
Há qualquer coisa de inexplicavelmente extraordinário quando se pousa os olhos sobre a cópia de uma velha carta náutica de mais de 400 anos e se descobre que, entre os desenhos das “conhecenças”, lá está o mesmo ponto que pisámos há meses. No caso, as “Pontas do Padrão de São Gregório”, ou Kwaaihoek, como hoje o local é conhecido. Um fim de mundo na costa Sueste sul-africana, onde um mar de 2 km de areia separa a linha dunar das águas do Índico e onde Bartolomeu Dias ergueu um padrão durante a sua viagem histórica de 1488, antes de dar a popa da nau a Nordeste e iniciar o caminho de regresso a Lisboa. O padrão original já lá não está, mas parte das pedras idas então de Lisboa foram recuperadas em 1938, depois de intensas buscas, por um historiador sul-africano apaixonado pela expansão portuguesa, Eric Axelson, permanecendo à guarda de um museu sul-africano.
No alto do pequeno promontório, onde o vento sopra sem perdão e as baleias cinzentas cruzam, sem pressas, o horizonte, ergue-se agora uma segunda réplica dessa primeira cruz de pedra portuguesa, aí plantada há coisa de duas décadas, mais ano, menos ano. Mas na carta de Manuel de Mesquita Perestrelo, navegador e cartógrafo que em 1576 foi enviado à costa Sul e Sueste de África para fazer o respectivo levantamento cartográfico e do qual resultou este “Roteiro dos portos, derrotas, alturas, cabos, conhecenças, resguardos e sondas, que ha perto da costa desde o Cabo da Boa Esperança até o das Correntes”, o que salta à vista é uma árvore gigante, engolida, entretanto, pelo tempo. O padrão de Bartolomeu, pelos vistos, não terá resistido, inteiro, sequer um século, muito menos tempo do que o roteiro de Perestrello, utilizado até ao início do século 18 pelos pilotos portugueses a caminho do Oriente, e do qual chegaram até aos nossos dias apenas três preciosos exemplares que se encontram à guarda da Biblioteca Pública de Évora, da Biblioteca Pública Municipal do Porto e do British Museum, em Londres.
Perestrello conhecia bem aquelas costas. Bem demais, pensaria, provavelmente. Em 1554, ele foi um dos sobreviventes do naufrágio da nau “São Bento”, um dos 62 náufragos (de 300) que conseguiu chegar vivo a Moçambique, depois de uma caminhada de 72 dias desde a foz do rio conhecido hoje por Msikaba, na chamada “costa selvagem” da África do Sul, vivo para contar os tormentos dessa odisseia que integra a História Trágico-Marítima reunida por Bernardo Gomes de Brito.
E vem isto a propósito de quê? Talvez de nada, ou talvez desta época de excessos natalícios em que a descoberta de um velho mapa de quinhentos obriga a interromper a corrida e a procurar o Norte noutras paragens.
Sugestão para prenda de natal! Estou, é da polícia? - É sim, em que posso ajudá-lo? - Queria fazer queixa do meu vizinho Manel. Ele esconde droga dentro dos troncos da madeira para a lareira. - Tomámos nota. Muito obrigado por nos ter avisado. No dia seguinte os agentes da polícia estavam em casa do Manel. Procuraram o sítio onde ele guardava a lenha, e usando machados abriram ao meio todos os toros que lá havia, mas não encontraram droga nenhuma. Praguejaram e foram-se embora. Logo de seguida toca o telefone em casa do Manel. - Hei, Manel, já aí foram os tipos da polícia? - Já. - E racharam-te a lenha toda? - Sim - Então feliz natal, amigão! Essa foi a minha prenda!
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto num sótão num porão numa cave inundada Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto dentro de um foguetão reduzido a sucata Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto numa casa de Hanói ontem bombardeada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto num presépio de lama e de sangue e de cisco Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto para ter amanhã a suspeita que existe Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto tem no ano dois mil a idade de Cristo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto vê-lo-emos depois de chicote no templo Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto e anda já um terror no látego do vento Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto para nos pedir contas do nosso tempo
David Mourão-Ferreira Litania para o Natal de 1967
Neste caminho cortado Entre pureza e pecado Que chamo vida, Nesta vertigem de altura Que me absorve e depura De tanta queda caída, É que Tu nasces ainda Como nasceste Do ventre da Tua mãe. Bendita a Tua candura. Bendita a minha também.
Mas se me perco e Te perco, Quando me afogo no esterco Do meu destino cumprido, À hora em que Te rejeito E sangra e dói no Teu peito A chaga de eu ter esquecido, É que Tu jazes por mim Como jazeste No colo da Tua mãe. Bendita a Tua amargura Bendita a minha também.
Tudo foi emprestado e alheio Para que Deus nascesse conforme as Escrituras: A gruta, que os presépios embelezam, - Ou talvez um estábulo? - Ou talvez o ventre autêntico da mãe? A burra e a vaca, José, que era o pai cómodo, E a mãe, que era o empréstimo supremo, O recurso, a verdade E a necessidade Para que Deus nascesse entre os homens, Mais do que Deus, Um Homem. Havia os magos com presentes deslocados, O astro dos sinais, A voz, o anjo, os pastores e a frase Que nos presépios fabricados Fala da paz, dos homens e da boa-vontade. Havia a noite e nós, Filhos de pai e mãe, Nascidos antes e depois à espera de que Deus viesse, Fruto d'A que não teve marido neste mundo Para que o filho deslisasse sem pecado. E havia Herodes, Para que não fosse fácil O que era inevitável. E houvesse drama. Ora bem. Entre a burra e a vaca, Dentro do hálito tépido das bestas, Sobre as palhas E ao nível das tetas, O menino jazia Nascido, Que é como quem diz cumprido Da promessa que havia. José, Os magos e os pastores Tinham a sua fé; A estrela tinha o seu ofício de ser estrela; A noite e as bestas tinham a sua inconsciência, Que é tudo, Porque tudo e nada são a mesma coisa; O Menino tinha o mistério de ser menino E já Deus; Ela, Ela tinha a miséria de ser mãe E só mãe. Ela é o Natal. Ora bem. Não falemos de Herodes, nem dos magos, nem dos pastores, Nem sequer de José, Do amável, do amoroso José Que nos enternece E discreto desaparece Pela esquerda baixa Do primeiro quadro da tragédia De que somos o coro - E também a tragédia. Mas falemos d'Ele, Que Ele é Ele, Mesmo quando se faz pequenino Para ter o nosso tamanho. Não falemos da noite, Que é um pouco mais que tudo isso, - E menos do que a mãe, De quem falemos. Ora bem. Ela ali estava para ser pintada. Para ser pintada na vista do conjunto Que é o Natal, Comparsa dos presépios que hão-de vir, Entre arraiais e foguetes E estrelas de papel. Ela ali estava para ser pintada Na fuga para o Egipto, Ao trote gracioso do burrito, Sem vaca, só com José e o deserto e as escrituras, Que mandam mais que Herodes E todos os seus bigodes. Ela ali estava para ser pintada. Para ser pintada - pouco e bem - Sem o burrito, só com Sant'Ana e S. José No breve engano de ser só mãe Dum filho que fosse só filho. Ela ali estava para ser pintada No alarme de Jesus entre os doutores. Ela ali estava p'ra não ser pintada Depois que Jesus fez trinta, Antes dos trinta e três (Disseram trinta doutores: - Diga trinta e três. Ele disse. Ele disse e morreu Sem sofrer dos pulmões). Ela ali estava para ser pintada E no zénite de Jesus ser Jesus, Depois dos trinta, Quando Jesus Fez Trinta e três, Ela ressuscitou pintura ao pé da cruz. Ora bem. A cruz que Ele trazia, Mal lhe pesava. Ele esperava. Ele salvava. Ele descia E por isso subia. Ela era mulher, era mãe - e Sabia. A sua cruz Era Jesus. O seu inferno Era ser mãe do Eterno Que havia de sangrar E morrer Pelo caminho. Por isso é que Ela mal se vê no palheiro, Que é como quem diz, no estábulo. Não é a estrela que A deslustra (O Universo e todos os seus astros Não valem o que Ela é); Não são os magos que A repelem Para o canto, de não ser rainha, Porque Ela o é dos reinos que eles buscavam; Não é José que A excede, porque José é José, E isso lhe basta sem ser bastante; Não é o Filho que A tolda, Porque Ela é a Mãe. Ora bem. É ser a Mãe. É ver que o Seu menino Não é apenas menino, Mas a dose anunciada De Homem e Deus; A ponte que tem de ser pisada Para que haja estrada Para os céus; É o ser-lhe filho e ser-lhe pai, O filho que Ela estremece Vivo e já morto, Porque o Pai quer e Ela obedece. Irmãos em Cristo! Irmãos do mesmo pai, Quem quer que seja o Cristo Que buscais. Esta é a Sua hora! A Sua - e a nossa. Ela é o Natal. Ave-Maria. Ora bem.
Um artigo de Ana Berta Sousa, José Manuel Pureza, Marta Parada, Miguel Marujo e Paula Abreu, que pela importância que tem para o debate da interrupção voluntária da gravidez merece ser lido na íntegra:
«A Igreja Católica insiste em dar razões para ser vista como bem mais afirmativa "nesta" defesa da vida do que nos combates por outras políticas da vida como as do emprego, do ambiente, da habitação ou da Segurança Social. Além de que, no caso do aborto, a defesa da vida deve sempre ser formulada no plural. Estão em questão as vidas de pelo menos três pessoas e não apenas a de uma
Somos católicos e assistimos, inquietos e perplexos, à reiteração de uma lógica de confronto crispado por parte de sectores da Igreja Católica - incluindo os nossos bispos - no debate suscitado pelo referendo sobre a despenalização do aborto. Frustrando as melhores expectativas criadas pelas declarações equilibradas de D. José Policarpo, a interrupção voluntária do diálogo volta a ser a linha oficial. E o radicalismo vai ao ponto de interrogar a legitimidade do Estado democrático para legislar nesta matéria. É um mau serviço que se presta à causa de uma Igreja aberta ao mundo.
A verdade é que a despenalização do aborto não opõe crentes a não crentes. Nem adeptos da vida a adeptos da morte. Não é contraditório afirmarmo-nos convictamente "pela vida" e sermos simultaneamente favoráveis à despenalização do aborto. Porque sendo um mal, não desejável por ninguém, o recurso ao aborto não pode também ser encarado como algo simplesmente leviano e fácil. As situações em que essa alternativa se coloca são sempre dilemáticas, com um confronto intensíssimo entre valores, direitos, impossibilidades e constrangimentos, vários e poderosos, especialmente para as mulheres. Ora, mesmo quando, para quem é crente, a resposta concreta a um tal dilema possa ser tida como um pecado, manda a estima pelo pluralismo que se repudie por inteiro qualquer tutela criminal sobre juízos morais particulares, por ser contrária ao que há de mais essencial numa sociedade democrática.
Por isso, não nos revemos no carácter categórico e absoluto com que alguns defendem a vida nesta questão, dela desdenhando em situações concretas de todos os dias: a pobreza extrema é tolerada como "inevitável", a pena de morte "eventualmente aceitável", o racismo e a xenofobia é discurso vertido até nos altares. A Igreja Católica insiste em dar razões para ser vista como bem mais afirmativa "nesta" defesa da vida do que nos combates por outras políticas da vida como as do emprego, do ambiente, da habitação ou da segurança social. Além de que, no caso do aborto, a defesa da vida deve sempre ser formulada no plural. Estão em questão as vidas de pelo menos três pessoas e não apenas a de uma. Por isso, quando procuramos - como recomenda um raciocínio moral coerente mas simultaneamente atento à vida concreta das pessoas - estabelecer uma hierarquia de valores e de princípios, ela nem sempre é fácil ou mesmo clara e não será, seguramente, única e universal. Nem o argumento de que a vida do feto é a mais vulnerável e indefesa das que se jogam na possibilidade de uma interrupção voluntária da gravidez pode ser invocado de forma categórica e sem quaisquer dúvidas.
É de mulheres e de homens que se trata neste debate. E também aqui, o esvaziamento do discurso de muitos católicos e sectores da Igreja relativamente aos sujeitos envolvidos nos dilemas de uma gravidez omite a recorrente posição de isolamento, fragilidade ou subalternização das mulheres, para quem o problema poderá ser absoluto e incontornável, reproduzindo a distância que sustenta a sobranceria e condescendência moral de muitos homens (mesmo que pais). A invocação do direito da mulher a decidir sobre o seu corpo é um argumento que, bramido isoladamente, corre o risco de reproduzir de uma outra forma a tradicional atitude de desresponsabilização de grande parte dos homens perante as dificuldades com que se confrontam as mulheres na maternidade e no cuidado de uma nova vida. A defesa da autonomia da mulher, da sua plena liberdade e adultez é indiscutível e será sempre tanto mais legítima e forte quanto reconhecer e atribuir ao homem os deveres e os direitos que ele tem na paternidade. Ignorá-lo é mais uma vez descarregar apenas sobre os ombros das mulheres a dramática responsabilidade de decidir sobre o que é verdadeiramente difícil. A Igreja tem, neste aspecto particular, uma responsabilidade maior. As suas preocupações fundamentais com a família exigem uma reflexão igualmente apurada sobre as responsabilidades conjuntas de mulheres e homens na concepção e cuidado da vida.
Infelizmente, pelas piores razões, o discurso oficial da Igreja está muito fragilizado para a defesa de abordagens à vida sexual e familiar que acautelem o recurso ao aborto. A moral sexual oficial da Igreja - e, em concreto, em matéria de contracepção - fecha todas as alternativas salvo a da castidade sacrificial. É um discurso que não contribui, de modo algum, para a defesa de uma intervenção prioritariamente preventiva, em que ao Estado fosse exigível um sistemático e eficaz serviço de aconselhamento e assistência no domínio do planeamento familiar e da vida sexual. Pelo contrário, o fechamento dos mais altos responsáveis da Igreja a uma discussão mais séria e aberta sobre a vivência concreta da sexualidade denuncia um persistente autismo, que ignora a sensibilidade, a experiência, o pensamento e a vida das mulheres e dos homens de hoje.
Em síntese, o recurso ao aborto é sempre, em última análise, motivo de um grave dilema moral. E é nessas circunstâncias de extrema dificuldade que achamos ter mais sentido a confiança dos cristãos na capacidade de discernimento de todos os seres humanos, em consciência, sobre os caminhos da vida em abundância querida por Deus para todos e para todas. Optar por uma reiteração de princípios universais, como o do respeito fundamental pela vida, confundindo-os com normas e regras de ordenação concreta das vidas é, além do mais, optar por uma posição paternalista, de imposição e vigilância normativas, e suspeitar de uma atitude fraternal, de confiança e solidariedade com os que, de forma autónoma, procuram discernir as opções mais justas. Partir para este debate com a certeza de que a despenalização do aborto é porta aberta para a sua banalização é abdicar de acreditar nas pessoas, em todas as pessoas, e na sua capacidade de fazer juízos morais difíceis. Não é essa abdicação que se espera de homens e mulheres de fé.» In:Público
"Estád(i)o de Sítio", uma verdeira história de Natal
Pinto Monteiro, o recém-indigitado Procurador Geral da República, merece - plenamente - o título de Homem do Ano de 2006, caminhando a passos largos para bisar em 2007. Infelizmente, consegue-o pelas piores, das piores, das razões. Paulatinamente está a fazer os possíveis, e os impossíveis, para destruir de vez a pouca credibilidade que resta da Justiça Portuguesa, e em particular a do Ministério Público. Não me refiro já a essa episódio que foi a repetição da votação para o seu vice (porque o primeiro resultado não lhe agradou), não me refiro sequer à sua performance, no evento de despedida a Dias Borges, no último fim de semana, onde usou de uma linguagem, e de um estilo, popularucho e demagógico, nunca, jamais e em tempo algum vistos num magistrado de topo. Também não me refiro à sucessão de almoços e encontros de trabalho, até em S. Bento (!), que tem ocupado a sua agenda. Não, nada disso chegava para bater no fundo, mas Pinto Monteiro conseguiu-o, em pleno, com a 'espectacular' nomeação de Maria José Morgado para coordenar (?) a ressaca da investigação ao nosso submundo do futebol.
A nomeação de Maria José Morgado, e as reacções que se lhe seguiram, revelam muito, sobre Pinto Monteiro e sobre o Portugal contemporâneo. Revelam, por exemplo, que Pinto Monteiro que não teve, pura e simplesmente, coragem, nem força, nem autoridade, para 'correr' com Cândida Almeida do DCIAP (o que até tinha sentido, goste-se ou não da senhora (e eu não gosto particularmente) dada a necessidade evidente de refrescar/agilizar aquela estrutura, também a nível humano) e que, por isso, achou mais fácil, criar, ao arrepio de qualquer cobertura legal ou formal, uma meta-estrutura, um DCIAP paralelo, entregue - no caso - a Morgado. Da sua fraqueza, Pinto Monteiro acha que fez força, esquecendo-se que toda a lógica do MP, passa, passou e devia continuar a passar, por ser uma estrutura, uma equipa, hierárquica, onde todos tinham o seu espaço, mas sempre numa lógica global e estruturada. Ora, sendo as coisas o que já eram, em vez de regar e podar o origami de que deveria ser a cabeça e raiz, enquanto PGR, Pinto Monteiro optou pelo mais fácil, puxando pelos sentimentos mais básicos das massas - nomeou alguém que se vê - e é vista - como justiceira, para aplacar a plebe. Confesso que me é irrelevante saber se Pinto Monteiro tem alguma fé, de facto, nos dotes miraculosos da dra Morgado, ou se a nomeou simplesmente, para se 'livrar' de uma 'sombra' (?) incómoda. Tal é, irrelevante, por uma razão muito simples - quando se fizer história ninguém vai querer saber porque é que a Dr.a Morgado foi nomeada mas sim por que é que aconteceu o que aconteceu, e aí, não é a senhora que vai ficar em causa, é todo um aparelho de Justiça que vai sair ainda mais de rastos.
Em primeiro lugar o combate (global) a qualquer tipo de criminalidade não deveria sair nunca do controlo estrito das estruturas funcionais que existem para esse fim. Se estas não funcionam - põe-se a funcionar, ponto! Em segundo lugar, é preciso ser-se verdadeiramente ingénuo para ver a questão da 'bola' como um fenómeno isolado no contexto da nossa 'cultura'. Não é! Os clubes são SADs que metem muito dinheiro, muitos interesses, e por isso devem ser tratados como qualquer outra entidade que prevarica. A simples ideia de criar uma task force especial para combater o crime no âmbito do desporto é em si duplamente absurda - porque o fenómeno está - em sim - intimamente ligado ao colarinho branco 'sentido lato' pelo que, das duas uma ou se combatem e perseguem gambuzinos ou... estamos direitinhos no tal DCIAP ad-hoc e paralelo.
Depois, há - claro - a personalidade da dra Morgado - conhecida pelas frases grandiloquentes e tiradas de largo alcance - que é tudo, e estes dias confirmam-no à exaustão, menos o recato e descrição necessários, que é tudo menos, não a equidistância, mas a serenidade necessária face a fenómenos que mexem com muita gente.
Pior, ao contrário do que julga, a Dr.a Morgado está longe, muito longe, de perceber o fenómeno - ou não se meteria numa situação destas no contexto em que se meteu. A justiça não se credibiliza por alguém de repente aparecer a correr o país em bons carros, com batedores da PJ, e... da imprensa, à frente e atrás, a prometer mundos e fundos (ao magistrado original do Apito deram... um passe de autocarro). A justiça não se credibiliza por alguém aparecer de repente a pedir que confiem em si. Credibiliza-se com resultados, se esses resultados simplesmente aparecessem e, obviamente, que não vão aparecer. Porque não há condições para que apareçam, porque não há estrutura, porque não há organização e porque não há - em bom rigor - ninguém (que saiba) a mandar. A dificuldade extrema da Dr.a Morgado em reunir 'equipa', com recusa atrás de recusa, indicia o mais, de trágico, que ainda há-de vir, a começar por um novo despacho do PGR a aclarar o primeiro, e que colocou em órbita Maria José Morgado. Não há o básico, sequer.
Mas as reacções que se seguiram também dizem muito da nossa imprensa e dos nossos políticos. Da nossa imprensa porque se recusa a pensar, sempre - em algo mais que o próprio umbigo - Foram atrás, em arco, de Morgado porque sabem que esta, impreterivelmente, lhes garante muitas e boas cachas, como antes foram do Dr. Lopes, e como vão da dr.a Cândida. O resto, o essencial, pura e simplesmente não lhes interessa - querem é 'novela' e op resto que se lixe. Dos nossos políticos porque já não conseguem ver a justiça como algo separado e independente, mas apenas e só como uma extensão do seu mundo, com as mesmas regras, a mesma lógica e o mesmo imediatismo.
Enfim, um somatório de irresponsabilidades, de uma série de classes que se julgam, e tomam, por inimputáveis, e que vivem simplesmente para o 'momento', sem qualquer rasgo nem visão, que não seja o minuto, a hora, o dia, a notícia, o telejornal, o caso, o espectáculo, seguintes...
Esta é - contudo - a minha história de Natal, porque só mesmo nesta quadra é que se consegue conceber tanta ingenuidade. Só mesmo nesta quadra para ousar pedir ao Altíssimo para que tudo não passe mesmo de uma 'história', em prol de um milagre, porque - afinal - há muito que se ultrapassou o domínio dos factos estritos e se entrou no domínio na fé.
Miguel Sousa Tavares não foi meigo para com a "carolinice editorial" de José António Saraiva o arquitecto que dirigiu o Expresso e que assegurou que iria ganhar o prémio Nobel da Literatura:
«Em vão se procurará, em todos os editoriais de Saraiva, uma só ideia sobre o país, um só compromisso ético exigível na vida pública, um só projecto pensado seja para a educação, a cultura, o ambiente, a justiça, o ordenamento do território, a agricultura, o que quer que seja. Quem ler este livro perceberá porquê: porque a política, para ele, se resume a uma feira de mundaneidades. As suas memórias sobre a política, o balanço das suas duas décadas de observação da política portuguesa, são apenas um exaustivo registo sobre os incontáveis almoços e jantares que teve com todos os políticos que foram passando por aí. Eu conheço alguns jornalistas assim, que avaliam os governos e o estado do país pela facilidade que têm ou não têm em almoçar com os ministros, o primeiro-ministro ou o Presidente. E, quanto maior é essa facilidade, quanto mais são as atenções e intimidade que os ‘grandes’ da política lhes proporcionam, mais eles acham que estão informados, que influem e que são parte da história.
Convidado para almoçar em S. Bento, Saraiva não gostou da entrada de espargos e salmão fumado e conseguiu que o primeiro-ministro Guterres mandasse fazer uns ovos mexidos para ele. E acha que o episódio é importante para demonstrar a importância que se atribui na história da política portuguesa dos últimos anos. Não é: é apenas ridículo e de mau-gosto. Ao decidir-se, “por amor à verdade”, a escrever um livro onde torna públicas as conversas privadas que teve com os homens do poder, não se alcança onde esteja a coragem de que se arroga, mas apenas uma imensa vaidade e vacuidade. Teve nas mãos o Expresso, teve na mesa os poderosos do país e, afinal, pode orgulhar-se de quê - de ter inventado o saco de plástico para carregar o jornal que ele próprio classificou como a sua maior contribuição enquanto director?» Expresso
A super empresa soviéticado governo de José Sócrates que vai gerir o Estado conseguirá poupar 50 milhões dos 67 gastos com o parque automóvel do Estado:
«A manutenção dos 28 167 automóveis do Estado custa aos cofres públicos 67,4 milhões de euros por ano. Com uma despesa anual desta dimensão, o Governo espera que a futura Agência Nacional de Compras Públicas (ANCP), que deverá assumir a gestão centralizada do parque automóvel do Estado ainda no primeiro trimestre de 2007, permita assegurar uma poupança na ordem dos 50,1 milhões de euros por ano.»[Correio da Manhã ]
Pergunte-se a João Figueiredo, secretário de Estado da Administração Pública, se a sua empresa tenciona substituir os carros por bicicletas a pedal.
Seria capaz de apoiar a decisão de Rui Rio, mas a carta enviada aos trabalhadores da CMP para justificar o facto de não terem tolerância de ponto no dia 26 é demasiado salazarenta para o meu gosto:
«Numa carta aos trabalhadores, o vereador dos Recursos Humanos, Sampaio Pimentel, admite que a decisão tem “contornos pouco simpáticos”. No entanto, exorta-os a “sentirem-se honrados por fazerem a diferença, pela positiva, no esforço colectivo de construção de um País solidário, mais justo e mais competitivo”.» [Correio da Manhã]
Agradeça-se a Rui Rio pelo seu "dia de trabalho nacional" em prol da salvação do país.
Abel Mateus assegura que com a opa da Sonae vão baixar os preços da ... rede fixa:
«O presidente da Autoridade da Concorrência (AdC) afirmou ontem que as comunicações baseadas na rede fixa (voz e Internet) vão baixar 14% caso a OPA lançada pela Sonaecom à PT se concretize. No mercado móvel, Abel Mateus não quis comprometer-se com números, dizendo apenas que "à medida que entrarem novos operadores haverá pressão para descer preços". A curto prazo não deverá haver alterações.» [Diário de Notícias]
Pergunte-se a Abel Mateus se não poderá dar um jeito no preço das pastilhas elásticas.
Este ta senhor Abel Mateus ainda nao percebeu que os Portugueses nao sao parvos? E uma boa piada para um pais d e3 mundo. Estes senhores nao estao fartos egozar conosco Como dizia Brecht 2 ..e nao s epodem exterminar..." E por exemplares destes que os espanhois nao querem a uniao, tinham de aguenta-los depois
13 Comments:
BOM NATAL
Ou como um velho mapa de quinhentos obriga a interromper a maratona natalícia.
Há qualquer coisa de inexplicavelmente extraordinário quando se pousa os olhos sobre a cópia de uma velha carta náutica de mais de 400 anos e se descobre que, entre os desenhos das “conhecenças”, lá está o mesmo ponto que pisámos há meses. No caso, as “Pontas do Padrão de São Gregório”, ou Kwaaihoek, como hoje o local é conhecido. Um fim de mundo na costa Sueste sul-africana, onde um mar de 2 km de areia separa a linha dunar das águas do Índico e onde Bartolomeu Dias ergueu um padrão durante a sua viagem histórica de 1488, antes de dar a popa da nau a Nordeste e iniciar o caminho de regresso a Lisboa. O padrão original já lá não está, mas parte das pedras idas então de Lisboa foram recuperadas em 1938, depois de intensas buscas, por um historiador sul-africano apaixonado pela expansão portuguesa, Eric Axelson, permanecendo à guarda de um museu sul-africano.
No alto do pequeno promontório, onde o vento sopra sem perdão e as baleias cinzentas cruzam, sem pressas, o horizonte, ergue-se agora uma segunda réplica dessa primeira cruz de pedra portuguesa, aí plantada há coisa de duas décadas, mais ano, menos ano. Mas na carta de Manuel de Mesquita Perestrelo, navegador e cartógrafo que em 1576 foi enviado à costa Sul e Sueste de África para fazer o respectivo levantamento cartográfico e do qual resultou este “Roteiro dos portos, derrotas, alturas, cabos, conhecenças, resguardos e sondas, que ha perto da costa desde o Cabo da Boa Esperança até o das Correntes”, o que salta à vista é uma árvore gigante, engolida, entretanto, pelo tempo. O padrão de Bartolomeu, pelos vistos, não terá resistido, inteiro, sequer um século, muito menos tempo do que o roteiro de Perestrello, utilizado até ao início do século 18 pelos pilotos portugueses a caminho do Oriente, e do qual chegaram até aos nossos dias apenas três preciosos exemplares que se encontram à guarda da Biblioteca Pública de Évora, da Biblioteca Pública Municipal do Porto e do British Museum, em Londres.
Perestrello conhecia bem aquelas costas. Bem demais, pensaria, provavelmente. Em 1554, ele foi um dos sobreviventes do naufrágio da nau “São Bento”, um dos 62 náufragos (de 300) que conseguiu chegar vivo a Moçambique, depois de uma caminhada de 72 dias desde a foz do rio conhecido hoje por Msikaba, na chamada “costa selvagem” da África do Sul, vivo para contar os tormentos dessa odisseia que integra a História Trágico-Marítima reunida por Bernardo Gomes de Brito.
E vem isto a propósito de quê? Talvez de nada, ou talvez desta época de excessos natalícios em que a descoberta de um velho mapa de quinhentos obriga a interromper a corrida e a procurar o Norte noutras paragens.
Sugestão para prenda de natal!
Estou, é da polícia?
- É sim, em que posso ajudá-lo?
- Queria fazer queixa do meu vizinho Manel. Ele esconde droga dentro dos troncos da madeira para a lareira.
- Tomámos nota. Muito obrigado por nos ter avisado. No dia seguinte os agentes da polícia estavam em casa do Manel. Procuraram o sítio onde ele guardava a lenha, e usando machados abriram ao meio todos os toros que lá havia, mas não encontraram droga nenhuma. Praguejaram e foram-se embora. Logo de seguida toca o telefone em casa do Manel.
- Hei, Manel, já aí foram os tipos da polícia?
- Já.
- E racharam-te a lenha toda?
- Sim
- Então feliz natal, amigão! Essa foi a minha prenda!
Ladainha dos póstumos Natais
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
David Mourão-Ferreira
Ladainha dos póstumos Natais
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
numa casa de Hanói ontem bombardeada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para ter amanhã a suspeita que existe
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
tem no ano dois mil a idade de Cristo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
e anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para nos pedir contas do nosso tempo
David Mourão-Ferreira
Litania para o Natal de 1967
Neste caminho cortado
Entre pureza e pecado
Que chamo vida,
Nesta vertigem de altura
Que me absorve e depura
De tanta queda caída,
É que Tu nasces ainda
Como nasceste
Do ventre da Tua mãe.
Bendita a Tua candura.
Bendita a minha também.
Mas se me perco e Te perco,
Quando me afogo no esterco
Do meu destino cumprido,
À hora em que Te rejeito
E sangra e dói no Teu peito
A chaga de eu ter esquecido,
É que Tu jazes por mim
Como jazeste
No colo da Tua mãe.
Bendita a Tua amargura
Bendita a minha também.
Reinaldo Ferreira
Natal
Tudo foi emprestado e alheio
Para que Deus nascesse conforme as Escrituras:
A gruta, que os presépios embelezam,
- Ou talvez um estábulo?
- Ou talvez o ventre autêntico da mãe?
A burra e a vaca,
José, que era o pai cómodo,
E a mãe, que era o empréstimo supremo,
O recurso, a verdade
E a necessidade
Para que Deus nascesse entre os homens,
Mais do que Deus,
Um Homem.
Havia os magos com presentes deslocados,
O astro dos sinais,
A voz, o anjo, os pastores e a frase
Que nos presépios fabricados
Fala da paz, dos homens e da boa-vontade.
Havia a noite e nós,
Filhos de pai e mãe,
Nascidos antes e depois à espera de que Deus viesse,
Fruto d'A que não teve marido neste mundo
Para que o filho deslisasse sem pecado.
E havia Herodes,
Para que não fosse fácil
O que era inevitável.
E houvesse drama.
Ora bem.
Entre a burra e a vaca,
Dentro do hálito tépido das bestas,
Sobre as palhas
E ao nível das tetas,
O menino jazia
Nascido,
Que é como quem diz cumprido
Da promessa que havia.
José,
Os magos e os pastores
Tinham a sua fé;
A estrela tinha o seu ofício de ser estrela;
A noite e as bestas tinham a sua inconsciência,
Que é tudo,
Porque tudo e nada são a mesma coisa;
O Menino tinha o mistério de ser menino
E já Deus;
Ela, Ela tinha a miséria de ser mãe
E só mãe.
Ela é o Natal.
Ora bem.
Não falemos de Herodes, nem dos magos, nem dos pastores,
Nem sequer de José,
Do amável, do amoroso José
Que nos enternece
E discreto desaparece
Pela esquerda baixa
Do primeiro quadro da tragédia
De que somos o coro
- E também a tragédia.
Mas falemos d'Ele,
Que Ele é Ele,
Mesmo quando se faz pequenino
Para ter o nosso tamanho.
Não falemos da noite,
Que é um pouco mais que tudo isso,
- E menos do que a mãe,
De quem falemos.
Ora bem.
Ela ali estava para ser pintada.
Para ser pintada na vista do conjunto
Que é o Natal,
Comparsa dos presépios que hão-de vir,
Entre arraiais e foguetes
E estrelas de papel.
Ela ali estava para ser pintada
Na fuga para o Egipto,
Ao trote gracioso do burrito,
Sem vaca, só com José e o deserto e as escrituras,
Que mandam mais que Herodes
E todos os seus bigodes.
Ela ali estava para ser pintada.
Para ser pintada - pouco e bem -
Sem o burrito, só com Sant'Ana e S. José
No breve engano de ser só mãe
Dum filho que fosse só filho.
Ela ali estava para ser pintada
No alarme de Jesus entre os doutores.
Ela ali estava p'ra não ser pintada
Depois que Jesus fez trinta,
Antes dos trinta e três
(Disseram trinta doutores:
- Diga trinta e três.
Ele disse.
Ele disse e morreu
Sem sofrer dos pulmões).
Ela ali estava para ser pintada
E no zénite de Jesus ser Jesus,
Depois dos trinta,
Quando Jesus
Fez
Trinta e três,
Ela ressuscitou pintura ao pé da cruz.
Ora bem.
A cruz que Ele trazia,
Mal lhe pesava.
Ele esperava.
Ele salvava.
Ele descia
E por isso subia.
Ela era mulher, era mãe - e Sabia.
A sua cruz
Era Jesus.
O seu inferno
Era ser mãe do Eterno
Que havia de sangrar
E morrer
Pelo caminho.
Por isso é que Ela mal se vê no palheiro,
Que é como quem diz, no estábulo.
Não é a estrela que A deslustra
(O Universo e todos os seus astros
Não valem o que Ela é);
Não são os magos que A repelem
Para o canto, de não ser rainha,
Porque Ela o é dos reinos que eles buscavam;
Não é José que A excede, porque José é José,
E isso lhe basta sem ser bastante;
Não é o Filho que A tolda,
Porque Ela é a Mãe.
Ora bem.
É ser a Mãe.
É ver que o Seu menino
Não é apenas menino,
Mas a dose anunciada
De Homem e Deus;
A ponte que tem de ser pisada
Para que haja estrada
Para os céus;
É o ser-lhe filho e ser-lhe pai,
O filho que Ela estremece
Vivo e já morto,
Porque o Pai quer e Ela obedece.
Irmãos em Cristo!
Irmãos do mesmo pai,
Quem quer que seja o Cristo
Que buscais.
Esta é a Sua hora!
A Sua - e a nossa.
Ela é o Natal.
Ave-Maria.
Ora bem.
A INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DO DIÁLOGO
Um artigo de Ana Berta Sousa, José Manuel Pureza, Marta Parada, Miguel Marujo e Paula Abreu, que pela importância que tem para o debate da interrupção voluntária da gravidez merece ser lido na íntegra:
«A Igreja Católica insiste em dar razões para ser vista como bem mais afirmativa "nesta" defesa da vida do que nos combates por outras políticas da vida como as do emprego, do ambiente, da habitação ou da Segurança Social. Além de que, no caso do aborto, a defesa da vida deve sempre ser formulada no plural. Estão em questão as vidas de pelo menos três pessoas e não apenas a de uma
Somos católicos e assistimos, inquietos e perplexos, à reiteração de uma lógica de confronto crispado por parte de sectores da Igreja Católica - incluindo os nossos bispos - no debate suscitado pelo referendo sobre a despenalização do aborto. Frustrando as melhores expectativas criadas pelas declarações equilibradas de D. José Policarpo, a interrupção voluntária do diálogo volta a ser a linha oficial. E o radicalismo vai ao ponto de interrogar a legitimidade do Estado democrático para legislar nesta matéria. É um mau serviço que se presta à causa de uma Igreja aberta ao mundo.
A verdade é que a despenalização do aborto não opõe crentes a não crentes. Nem adeptos da vida a adeptos da morte. Não é contraditório afirmarmo-nos convictamente "pela vida" e sermos simultaneamente favoráveis à despenalização do aborto. Porque sendo um mal, não desejável por ninguém, o recurso ao aborto não pode também ser encarado como algo simplesmente leviano e fácil. As situações em que essa alternativa se coloca são sempre dilemáticas, com um confronto intensíssimo entre valores, direitos, impossibilidades e constrangimentos, vários e poderosos, especialmente para as mulheres. Ora, mesmo quando, para quem é crente, a resposta concreta a um tal dilema possa ser tida como um pecado, manda a estima pelo pluralismo que se repudie por inteiro qualquer tutela criminal sobre juízos morais particulares, por ser contrária ao que há de mais essencial numa sociedade democrática.
Por isso, não nos revemos no carácter categórico e absoluto com que alguns defendem a vida nesta questão, dela desdenhando em situações concretas de todos os dias: a pobreza extrema é tolerada como "inevitável", a pena de morte "eventualmente aceitável", o racismo e a xenofobia é discurso vertido até nos altares. A Igreja Católica insiste em dar razões para ser vista como bem mais afirmativa "nesta" defesa da vida do que nos combates por outras políticas da vida como as do emprego, do ambiente, da habitação ou da segurança social. Além de que, no caso do aborto, a defesa da vida deve sempre ser formulada no plural. Estão em questão as vidas de pelo menos três pessoas e não apenas a de uma. Por isso, quando procuramos - como recomenda um raciocínio moral coerente mas simultaneamente atento à vida concreta das pessoas - estabelecer uma hierarquia de valores e de princípios, ela nem sempre é fácil ou mesmo clara e não será, seguramente, única e universal. Nem o argumento de que a vida do feto é a mais vulnerável e indefesa das que se jogam na possibilidade de uma interrupção voluntária da gravidez pode ser invocado de forma categórica e sem quaisquer dúvidas.
É de mulheres e de homens que se trata neste debate. E também aqui, o esvaziamento do discurso de muitos católicos e sectores da Igreja relativamente aos sujeitos envolvidos nos dilemas de uma gravidez omite a recorrente posição de isolamento, fragilidade ou subalternização das mulheres, para quem o problema poderá ser absoluto e incontornável, reproduzindo a distância que sustenta a sobranceria e condescendência moral de muitos homens (mesmo que pais). A invocação do direito da mulher a decidir sobre o seu corpo é um argumento que, bramido isoladamente, corre o risco de reproduzir de uma outra forma a tradicional atitude de desresponsabilização de grande parte dos homens perante as dificuldades com que se confrontam as mulheres na maternidade e no cuidado de uma nova vida. A defesa da autonomia da mulher, da sua plena liberdade e adultez é indiscutível e será sempre tanto mais legítima e forte quanto reconhecer e atribuir ao homem os deveres e os direitos que ele tem na paternidade. Ignorá-lo é mais uma vez descarregar apenas sobre os ombros das mulheres a dramática responsabilidade de decidir sobre o que é verdadeiramente difícil. A Igreja tem, neste aspecto particular, uma responsabilidade maior. As suas preocupações fundamentais com a família exigem uma reflexão igualmente apurada sobre as responsabilidades conjuntas de mulheres e homens na concepção e cuidado da vida.
Infelizmente, pelas piores razões, o discurso oficial da Igreja está muito fragilizado para a defesa de abordagens à vida sexual e familiar que acautelem o recurso ao aborto. A moral sexual oficial da Igreja - e, em concreto, em matéria de contracepção - fecha todas as alternativas salvo a da castidade sacrificial. É um discurso que não contribui, de modo algum, para a defesa de uma intervenção prioritariamente preventiva, em que ao Estado fosse exigível um sistemático e eficaz serviço de aconselhamento e assistência no domínio do planeamento familiar e da vida sexual. Pelo contrário, o fechamento dos mais altos responsáveis da Igreja a uma discussão mais séria e aberta sobre a vivência concreta da sexualidade denuncia um persistente autismo, que ignora a sensibilidade, a experiência, o pensamento e a vida das mulheres e dos homens de hoje.
Em síntese, o recurso ao aborto é sempre, em última análise, motivo de um grave dilema moral. E é nessas circunstâncias de extrema dificuldade que achamos ter mais sentido a confiança dos cristãos na capacidade de discernimento de todos os seres humanos, em consciência, sobre os caminhos da vida em abundância querida por Deus para todos e para todas. Optar por uma reiteração de princípios universais, como o do respeito fundamental pela vida, confundindo-os com normas e regras de ordenação concreta das vidas é, além do mais, optar por uma posição paternalista, de imposição e vigilância normativas, e suspeitar de uma atitude fraternal, de confiança e solidariedade com os que, de forma autónoma, procuram discernir as opções mais justas. Partir para este debate com a certeza de que a despenalização do aborto é porta aberta para a sua banalização é abdicar de acreditar nas pessoas, em todas as pessoas, e na sua capacidade de fazer juízos morais difíceis. Não é essa abdicação que se espera de homens e mulheres de fé.»
In:Público
"Estád(i)o de Sítio", uma verdeira história de Natal
Pinto Monteiro, o recém-indigitado Procurador Geral da República, merece - plenamente - o título de Homem do Ano de 2006, caminhando a passos largos para bisar em 2007. Infelizmente, consegue-o pelas piores, das piores, das razões. Paulatinamente está a fazer os possíveis, e os impossíveis, para destruir de vez a pouca credibilidade que resta da Justiça Portuguesa, e em particular a do Ministério Público.
Não me refiro já a essa episódio que foi a repetição da votação para o seu vice (porque o primeiro resultado não lhe agradou), não me refiro sequer à sua performance, no evento de despedida a Dias Borges, no último fim de semana, onde usou de uma linguagem, e de um estilo, popularucho e demagógico, nunca, jamais e em tempo algum vistos num magistrado de topo.
Também não me refiro à sucessão de almoços e encontros de trabalho, até em S. Bento (!), que tem ocupado a sua agenda.
Não, nada disso chegava para bater no fundo, mas Pinto Monteiro conseguiu-o, em pleno, com a 'espectacular' nomeação de Maria José Morgado para coordenar (?) a ressaca da investigação ao nosso submundo do futebol.
A nomeação de Maria José Morgado, e as reacções que se lhe seguiram, revelam muito, sobre Pinto Monteiro e sobre o Portugal contemporâneo. Revelam, por exemplo, que Pinto Monteiro que não teve, pura e simplesmente, coragem, nem força, nem autoridade, para 'correr' com Cândida Almeida do DCIAP (o que até tinha sentido, goste-se ou não da senhora (e eu não gosto particularmente) dada a necessidade evidente de refrescar/agilizar aquela estrutura, também a nível humano) e que, por isso, achou mais fácil, criar, ao arrepio de qualquer cobertura legal ou formal, uma meta-estrutura, um DCIAP paralelo, entregue - no caso - a Morgado.
Da sua fraqueza, Pinto Monteiro acha que fez força, esquecendo-se que toda a lógica do MP, passa, passou e devia continuar a passar, por ser uma estrutura, uma equipa, hierárquica, onde todos tinham o seu espaço, mas sempre numa lógica global e estruturada. Ora, sendo as coisas o que já eram, em vez de regar e podar o origami de que deveria ser a cabeça e raiz, enquanto PGR, Pinto Monteiro optou pelo mais fácil, puxando pelos sentimentos mais básicos das massas - nomeou alguém que se vê - e é vista - como justiceira, para aplacar a plebe.
Confesso que me é irrelevante saber se Pinto Monteiro tem alguma fé, de facto, nos dotes miraculosos da dra Morgado, ou se a nomeou simplesmente, para se 'livrar' de uma 'sombra' (?) incómoda.
Tal é, irrelevante, por uma razão muito simples - quando se fizer história ninguém vai querer saber porque é que a Dr.a Morgado foi nomeada mas sim por que é que aconteceu o que aconteceu, e aí, não é a senhora que vai ficar em causa, é todo um aparelho de Justiça que vai sair ainda mais de rastos.
Em primeiro lugar o combate (global) a qualquer tipo de criminalidade não deveria sair nunca do controlo estrito das estruturas funcionais que existem para esse fim. Se estas não funcionam - põe-se a funcionar, ponto! Em segundo lugar, é preciso ser-se verdadeiramente ingénuo para ver a questão da 'bola' como um fenómeno isolado no contexto da nossa 'cultura'. Não é! Os clubes são SADs que metem muito dinheiro, muitos interesses, e por isso devem ser tratados como qualquer outra entidade que prevarica. A simples ideia de criar uma task force especial para combater o crime no âmbito do desporto é em si duplamente absurda - porque o fenómeno está - em sim - intimamente ligado ao colarinho branco 'sentido lato' pelo que, das duas uma ou se combatem e perseguem gambuzinos ou... estamos direitinhos no tal DCIAP ad-hoc e paralelo.
Depois, há - claro - a personalidade da dra Morgado - conhecida pelas frases grandiloquentes e tiradas de largo alcance - que é tudo, e estes dias confirmam-no à exaustão, menos o recato e descrição necessários, que é tudo menos, não a equidistância, mas a serenidade necessária face a fenómenos que mexem com muita gente.
Pior, ao contrário do que julga, a Dr.a Morgado está longe, muito longe, de perceber o fenómeno - ou não se meteria numa situação destas no contexto em que se meteu. A justiça não se credibiliza por alguém de repente aparecer a correr o país em bons carros, com batedores da PJ, e... da imprensa, à frente e atrás, a prometer mundos e fundos (ao magistrado original do Apito deram... um passe de autocarro). A justiça não se credibiliza por alguém aparecer de repente a pedir que confiem em si.
Credibiliza-se com resultados, se esses resultados simplesmente aparecessem e, obviamente, que não vão aparecer.
Porque não há condições para que apareçam, porque não há estrutura, porque não há organização e porque não há - em bom rigor - ninguém (que saiba) a mandar. A dificuldade extrema da Dr.a Morgado em reunir 'equipa', com recusa atrás de recusa, indicia o mais, de trágico, que ainda há-de vir, a começar por um novo despacho do PGR a aclarar o primeiro, e que colocou em órbita Maria José Morgado.
Não há o básico, sequer.
Mas as reacções que se seguiram também dizem muito da nossa imprensa e dos nossos políticos. Da nossa imprensa porque se recusa a pensar, sempre - em algo mais que o próprio umbigo - Foram atrás, em arco, de Morgado porque sabem que esta, impreterivelmente, lhes garante muitas e boas cachas, como antes foram do Dr. Lopes, e como vão da dr.a Cândida. O resto, o essencial, pura e simplesmente não lhes interessa - querem é 'novela' e op resto que se lixe.
Dos nossos políticos porque já não conseguem ver a justiça como algo separado e independente, mas apenas e só como uma extensão do seu mundo, com as mesmas regras, a mesma lógica e o mesmo imediatismo.
Enfim, um somatório de irresponsabilidades, de uma série de classes que se julgam, e tomam, por inimputáveis, e que vivem simplesmente para o 'momento', sem qualquer rasgo nem visão, que não seja o minuto, a hora, o dia, a notícia, o telejornal, o caso, o espectáculo, seguintes...
Esta é - contudo - a minha história de Natal, porque só mesmo nesta quadra é que se consegue conceber tanta ingenuidade. Só mesmo nesta quadra para ousar pedir ao Altíssimo para que tudo não passe mesmo de uma 'história', em prol de um milagre, porque - afinal - há muito que se ultrapassou o domínio dos factos estritos e se entrou no domínio na fé.
A todos um bom Natal
UM LUGAR AO SOL
Miguel Sousa Tavares não foi meigo para com a "carolinice editorial" de José António Saraiva o arquitecto que dirigiu o Expresso e que assegurou que iria ganhar o prémio Nobel da Literatura:
«Em vão se procurará, em todos os editoriais de Saraiva, uma só ideia sobre o país, um só compromisso ético exigível na vida pública, um só projecto pensado seja para a educação, a cultura, o ambiente, a justiça, o ordenamento do território, a agricultura, o que quer que seja. Quem ler este livro perceberá porquê: porque a política, para ele, se resume a uma feira de mundaneidades. As suas memórias sobre a política, o balanço das suas duas décadas de observação da política portuguesa, são apenas um exaustivo registo sobre os incontáveis almoços e jantares que teve com todos os políticos que foram passando por aí. Eu conheço alguns jornalistas assim, que avaliam os governos e o estado do país pela facilidade que têm ou não têm em almoçar com os ministros, o primeiro-ministro ou o Presidente. E, quanto maior é essa facilidade, quanto mais são as atenções e intimidade que os ‘grandes’ da política lhes proporcionam, mais eles acham que estão informados, que influem e que são parte da história.
Convidado para almoçar em S. Bento, Saraiva não gostou da entrada de espargos e salmão fumado e conseguiu que o primeiro-ministro Guterres mandasse fazer uns ovos mexidos para ele. E acha que o episódio é importante para demonstrar a importância que se atribui na história da política portuguesa dos últimos anos. Não é: é apenas ridículo e de mau-gosto. Ao decidir-se, “por amor à verdade”, a escrever um livro onde torna públicas as conversas privadas que teve com os homens do poder, não se alcança onde esteja a coragem de que se arroga, mas apenas uma imensa vaidade e vacuidade. Teve nas mãos o Expresso, teve na mesa os poderosos do país e, afinal, pode orgulhar-se de quê - de ter inventado o saco de plástico para carregar o jornal que ele próprio classificou como a sua maior contribuição enquanto director?»
Expresso
VER PARA CRER
A super empresa soviéticado governo de José Sócrates que vai gerir o Estado conseguirá poupar 50 milhões dos 67 gastos com o parque automóvel do Estado:
«A manutenção dos 28 167 automóveis do Estado custa aos cofres públicos 67,4 milhões de euros por ano. Com uma despesa anual desta dimensão, o Governo espera que a futura Agência Nacional de Compras Públicas (ANCP), que deverá assumir a gestão centralizada do parque automóvel do Estado ainda no primeiro trimestre de 2007, permita assegurar uma poupança na ordem dos 50,1 milhões de euros por ano.»[Correio da Manhã ]
Pergunte-se a João Figueiredo, secretário de Estado da Administração Pública, se a sua empresa tenciona substituir os carros por bicicletas a pedal.
A ANEDOTA DO PORTO
Seria capaz de apoiar a decisão de Rui Rio, mas a carta enviada aos trabalhadores da CMP para justificar o facto de não terem tolerância de ponto no dia 26 é demasiado salazarenta para o meu gosto:
«Numa carta aos trabalhadores, o vereador dos Recursos Humanos, Sampaio Pimentel, admite que a decisão tem “contornos pouco simpáticos”. No entanto, exorta-os a “sentirem-se honrados por fazerem a diferença, pela positiva, no esforço colectivo de construção de um País solidário, mais justo e mais competitivo”.» [Correio da Manhã]
Agradeça-se a Rui Rio pelo seu "dia de trabalho nacional" em prol da salvação do país.
QUE GRANDE CONCORRÊNCIA
Abel Mateus assegura que com a opa da Sonae vão baixar os preços da ... rede fixa:
«O presidente da Autoridade da Concorrência (AdC) afirmou ontem que as comunicações baseadas na rede fixa (voz e Internet) vão baixar 14% caso a OPA lançada pela Sonaecom à PT se concretize. No mercado móvel, Abel Mateus não quis comprometer-se com números, dizendo apenas que "à medida que entrarem novos operadores haverá pressão para descer preços". A curto prazo não deverá haver alterações.» [Diário de Notícias]
Pergunte-se a Abel Mateus se não poderá dar um jeito no preço das pastilhas elásticas.
Este ta senhor Abel Mateus ainda nao percebeu que os Portugueses nao sao parvos?
E uma boa piada para um pais d e3 mundo.
Estes senhores nao estao fartos egozar conosco
Como dizia Brecht 2 ..e nao s epodem exterminar..."
E por exemplares destes que os espanhois nao querem a uniao, tinham de aguenta-los depois
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