segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

BRINQUEDOS DE NATAL



Chicken, Senhor, Magnânime, Rei, Excelso, Imperador, Divino, Doutor, Crista Real, Governador do Galinheiro, Monarca Despótico e Essencialmente sem Pruridos no Bico

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At 18 de dezembro de 2006 às 14:40, Anonymous Anónimo said...

Ramalho Ortigão, em «As Farpas», descreve a gastronómica volúpia que se espraiava pelas lojas lisboetas, por ocasião das festividades de Natal, em que "as confeitarias exibem toda a sua colecção completa de doces de ovos: as queijadas, os morgados, os fartos e as lampreias espadadas, de grandes olhos de ginja e de línguas de cidrão".
Em outras casas era possível encontrar "garrafas brancas, verdes, azuis, amarelas, dos diferentes xaropes e dos vários licores eclesiásticos da Cartuxa, do padre Kermann, dos beneditinos", bem como "aguardentes de todas as cores".
A propósito de lampreias de ovos, recorda-se aqui uma estória publicada n'O António Maria, em dezembro de 1880, sob a batuta do mestre Raphael Bordalo Pinheiro, que nos conta as peripécias de uma lampreia no país do compadrio.

"A viagem de uma lampreia no paiz do compadrio – Scenas do Natal

Comprada ao Cócó pelo comendador Possidonio, ella era de ovos de fio, com dentes de cidrão, olhos de ginja e rabo de compota de pera. Possidonio a mandou de presente por seu filho, alumno da Academia de Bellas Artes, a Delguim, a título d’almoço para os seus criados. Delguim, querendo dar a Rangel de Lima um solemne testemunho da importancia das viagens archeologicas d’este sabio sobre os destinos dos ovos de fio, manda-lhe a lampreia. Rangel, commovido, come a ginja de um olho ao animal, e envia-o com o outro olho e com um bilhete de visita ao seu irmão na arte Ferreira de Mesquita. Mesquita, notando que a bicha não vê da ginja esquerda, come-lhe simetricamente a ginja do olho que lhe deixou Rangel, e offerta-a com oculos ao tio Fontes. O grande estadista offerece a lampreia a mestre Sampaio, por considerar que é a boa lampreia que serve de base á boa politica. Sampaio, reflectindo que o doce da publica governação só pode em bom direito constitucional caber, no momento presente, ao nobre duque d’Avila, trespassa a lampreia áquelle personagem. O nobre duque, com a lealdade politica que todos lhe reconhecem, deposita nas mãos do seu partido a bandeja da situação. O partido do nobre duque, reunindo em massa na pessoa do conselheiro Arrobas, beija reverente a dadiva do seu chefe e, depois de se haver compenetrado dos seus fins politicos engulindo a pera que servia de rabo á lampreia, offerece ao seu visinho e amigo o conselheiro Chamiço.Chamiço, para que lh’a não saquem a descoberto, cobre-a com um guardanapo e endossa-a ao seu biographo o Plutarco Carrilho. Carrilho, varão justo, exclama: «É bem que Eduardo Coelho, uma vez que roeu o osso da biographia, chuche tambem os ovos em fio com cidrão do biographado.»
E assim foi que Eduardo teve mais uma occasião de patentear a sua estima ao commendador Antunes, offertando-lhe a lampreia que Carrilho lhe depozera nos braços. Commendador Antunes, cavalheiro e galã, envolve a lampreia n’um lenço de seda da China e em toda a sua consideração pelo bello sexo e manda-a de presente a D. Cecilia Fernandes. D. Cecilia e seu esposo, por um d’esses rasgos de genio, de que toda a imprensa se tem feito echo, pregaram umas fitas na lampreia e converteram-a em um dos mais graciosos chapeus do seu atelier. Atada á cuia de uma das damas da nossa primeira sociedade, a lampreia esteve no dia de Natal na missa do Loreto, e percorreu o Chiado. Rangel e Mesquita deitaram-lhe uns olhos terriveis. Eram talvez os mesmos que lhe haviam comido na vespera. Á noite a lampreia esteve em D. Maria. Assim se explica o seguinte annuncio publicado ha dois dias na folha noticiosa: «D. Maria — Lampreia d’ovos — Carta no correio geral.»
Hontem, ao cair da tarde, a lampreia d’ovos foi vista em uma das ruas lateraes do Passeio Publico, passeando pelo braço de um jovem que se supõe ser o auctor do annuncio publicado na folha noticiosa. Ao regressar d’esse romanesco rendez-vous, a dama levando as mãos á cabeça deu um grito de horror. O vil annunciante, captando-a com os protestos de uma paixão fementida, havia-lhe comido o chapeu. Por outro lado D. Cecilia e seu esposo recebiam de mão anonyma o seguinte diploma, que muito honra o seu estabelecimento: Gostei do chapeu. Estava bem feito. Unicamente lhes aconselharia, em quanto ás guarnições, que lhe não carregassem tanto no cidrão."

 

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