quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

JOSÉ LUÍS PEIXOTO NO JL

























DUELO ARTÍSTICO

Que importa se morrem?
Que importa se crianças,
de barriga grande, deitam espumas,
de tantas cores, pelas bocas?
Só as cores importam.
Qual será a cor das espumas angolanas?
Será castanho frio no zinco castanho quente?

Que importa?
Só o amor importa.
O nosso amor,
o nosso amor pela nossa vizinha.
Nasce-me água na boca,
(água, não espuma),
porque a nossa vizinha é óptima.
A nossa vizinha é soberba.
Certamente existe um Deus, senão,
Como poderia existir a nossa vizinha?

José Luís Peixoto, 17 anos
(Ponte de Sor)

7 Comments:

At 28 de dezembro de 2006 às 15:38, Anonymous Anónimo said...

JL


José Luís Peixoto
Escrita com afecto
Presença assídua no grupo seleccionado para representar Portugal na Bienal de Jovens Criadores, José Luís Peixoto tem, aos 26 anos, quatro livros publicados e um humor doce, quase ingénuo, certificado pela finíssima pronúncia alentejana, sobrevivente a quase dez anos de périplos. Agora vive e trabalha em Lisboa, onde conclui o seu segundo romance, depois do primeiro, Nenhum Olhar , saído o ano passado, ter sido um “acontecimento” literário
JL 20 Dez. 2006
Por Paulo Pena

José Luís Peixoto ainda se está a habituar a ser aquilo em que de repente se transformou: um «escritor consagrado». Agora é ele que se senta do lado de lá, oferecendo autógrafos, lendo olhares de cumplicidade. Celebrado pela crítica, vitorioso no difícil mercado da escrita, Nenhum Olhar (Ed. Temas e Debates) caminha para a 2ª edição, constituindo uma referência daquilo a que se convencionou chamar «jovem literatura portuguesa».

Já muito experiente, José Luís foi por três vezes seleccionado para representar Portugal na Bienal de Jovens Criadores da Europa e do Mediterrâneo. Em 1999, em Roma, foi um dos cinco autores presentes na Bienal que cativaram Manuel Vásquez Montálban. O domínio da língua portuguesa e o apurado sentido de linguagem poética evidenciado pelo jovem de Galveias (concelho de Ponte de Sor) surpreenderam o escritor catalão. Hoje, cidadão honorário daquela vila do distrito de Portalegre, José Luís recorda-se dos tempos em que se tornou sócio da biblioteca itinerante da Fundação Gulbenkian: «Era uma carrinha vermelha cheia de livros que vinha à minha vila uma vês por mês. Levava para casa cerca de cinco livros e, normalmente, lia-os todos. Li, aos dez anos, o meu primeiro romance: Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes. Mais tarde, aos14, li os sonetos de Florbela Espanca. E foram eles que me deram o primeiro impulso para escrever.» Escrever, sobretudo, poesia. A dos primeiros tempos, «uma abstracção nebulosa», como hoje a vê o autor, foi amadurecendo, uma vez mais com leituras escolhidas das prateleiras da biblioteca, «sem que ninguém os aconselhasse» — Nuno Júdice, João Miguel Fernandes Jorge, Fernando Pessoa. Com um caderno inteiro de sonetos seus e a certeza de que os não escrevia para a gaveta, resolve enviar um deles para o JL, para a secção Prova dos Novos. Foi a sua primeira publicação.

Terminado o secundário, em Ponte de Sor — depois de ter feito até ao 9º na sua aldeia, através da Telescola —, aos 18 anos muda-se para Lisboa, para o curso licenciatura de Inglês-Alemão da Universidade Nova, que encontra tomada pela luta contra as propinas. E desde logo José Luís se envolve no movimento estudantil. Eleito para a Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, ajuda a organizar concertos, participa em reuniões das cúpulas associativas, trabalha na secção cultural e no suplemento literário do jornal Nova em Folha, onde publica vários poemas. «Conheci pessoas muito inteligentes e que me ensinaram muitas coisas», lembra, «e também evoluí politicamente». Estivesse envolvido em protestos contra a devastação da floresta amazónica pelos criadores de gado, ou contra as touradas, ou pela defesa das gravuras rupestres de Foz Côa, nunca deixou de escrever, sobretudo poesia, e de publicar no DN Jovem, que lhe atribuiu vários prémios e onde passou a figurar como um dos mais assíduos colaboradores. Das tertúlias literárias do DN Jovem guardou amizades e cumplicidades literárias duradoiras. Com José Mário Silva e Pedro Mexia, por exemplo, com quem editou, em 1999, uma colecção de quatro livros, que incluiu também Rita Taborda Duarte.

«Dois anos antes de acabar o curso, o meu pai ficou muito doente. Morreu um pouco antes de me ver formado, que era o seu sonho...» É então, no rescaldo desses dias que lhe mudaram a vida, que José Luís Peixoto escreve o texto Morresteme, editado pelo próprio, em 2000, e que será reeditado pela Temas e Debates, ainda este mês. Com esse texto (antes de publicado) é seleccionado para a sua primeira Bienal de Jovens Criadores.

Vive então em Coimbra, onde nasce o seu filho João. Dá aulas, no Ensino Secundário, na Lousã e em Oliveira do Hospital. Mas ao fim de dois anos resolve «fugir». «Acreditei ingenuamente que me poderia exilar de mim próprio», diz. O destino foi Cabo Verde, onde pensava ficar uma semana e acabou por viver um ano. Foi lá, na ilha de Santiago, entre as aulas de português e os passeios à beira mar, que concluiu Nenhum Olhar. Publicado em Setembro, o romance que partiu da ideia de traição, «de como cada um de nós pode trair e ser traído», arrebatou aplausos e conquistou um lugar de destaque nas livrarias. De Jorge Listopad a Eduardo Prado Coelho, José Luís passou a ser um nome constante nas páginas literárias. E não é habitaul um jovem escritor português ver os direitos de tradução do seu romance de estreia serem disputados por grandes editoras europeias, como é o caso. «Não sei o que vai ser o meu futuro », ironiza José Luís, que confessa «ter medo, às vezes». Para já continua a escrever, também poesia, e a oferecer aos amigos, regularmente, pequenos contos por e-mail.

In JL n.º 792, de 7 de Fevereiro de 2001

 
At 28 de dezembro de 2006 às 15:39, Anonymous Anónimo said...

JL


José Luís Peixoto
As mutilações do amor
É um dos mais promissores e bem sucedidos jovens escritores portugueses da actualidade. Depois do êxito de Nenhum Olhar, José Luís Peixoto, 28 anos, publica o romance Uma Casa na Escuridão, e em complemento o livro de poesia, A Casa, a Escuridão (ambos pela Temas & Debates). Com o JL falou sobre ficção, poesia e amor, com os olhos sempre postos no mundo
JL 20 Dez. 2006
Por Manuel Halpern

Dois livros com as mesmas personagens, os mesmos nomes de capítulo e o mesmo universo. Um de prosa, outro de poesia. É esta a aposta de José Luís Peixoto. Um formato original, com duas abordagens sobre o mesmo tema: «O amor». Mas, ao mesmo tempo, de uma violência brutal.

José Luís Peixoto estreou-se na ficção com Morreste-me, uma novela em memória de seu pai, da qual, recentemente, abdicou dos direitos a favor da Liga Portuguesa contra o Cancro. Primeiro saiu em edição de autor, depois, com o lançamento do romance Nenhum Olhar, foi reeditado pela Temas & Debates. Entretanto, o escritor também lançou um livro de poesia, A Criança em Ruínas, pela Quasi. Já experimentou a escrita para teatro e tem pronto, com Eduardo Condorcet, o guião cinematográfico de Nenhum Olhar. Assina quinzenalmente uma crónica no JL, com o título, «Verdades Quase Verdadeiras» e faz recensões de livros para o DNA. Até Março, beneficia de uma bolsa de criação literária.

Por Nenhum Olhar recebeu o Prémio José Saramago e foi finalista dos prémios de ficção da Associação Portuguesa de Escritores e do PEN Clube. O livro já foi editado em cinco países e o escritor, nos últimos dois anos, tem-se desdobrado em encontros com leitores, promoções, sessões de autógrafos. Recentemente, esteve dois meses em Nova Iorque, numa residência de escritores. Experiência que considerou «muito enriquecedora».

José Luís Peixoto, de resto, sempre lutou pela sua obra. Na promoção destes dois últimos livros, tal músico pop, vai entrar em digressão pelo país, com lançamentos e encontros com leitores: «Gosto muito, geralmente encontro pessoas interessadas, que leram as minhas obras».

Nascido nas Galveias (concelho de Ponte-de-Sôr), em 1974, José Luís Peixoto formou-se em Línguas e Literaturas Modernas (vertente Inglês e Alemão). Começou a escrever cedo, publicando poemas na Prova dos Novos do JL e no DNA. Em 1997, foi seleccionado para a Bienal de Jovens Criadores da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, em Cabo Verde. Ficou apaixonado pelo arquipélago e para lá voltou, como professor, durante um ano. Aproveitou para escrever Nenhum Olhar. E foi apenas o começo.

JL: Editou dois livros em simultâneo - um de prosa, outro de poesia - que se completam. Porque escolheu este formato?
José Luís Peixoto: Pareceu-me que a minha ideia inicial podia ser enriquecida por ter um romance e um livro de poemas, sobre este universo, estas personagens, este espaço. Ao mesmo tempo, procurei que o livro de poemas aproximasse mais este universo da realidade.

JL: A sua prosa muitas vezes aproxima-se da poesia e a sua poesia da narrativa. Haverá uma convergência de duas linhas para o mesmo ponto?
JLP: Eu sou só uma pessoa. Tenho uma visão da literatura que distingue as diferenças entre a poesia e a prosa. No entanto, em termos de linguagem, construções sintácticas e outras coisas, aquilo que me interessa fazer em poesia acaba por ser muito semelhante ao que me interessa fazer em romance. Ou seja, a poesia é sempre diferente da prosa, mesmo que a linguagem ou os efeitos estilísticos sejam semelhantes, pela própria natureza da poesia. A grande diferença tem a ver com a intenção com que eu encaro o texto.

JL: Sente-se mais à vontade em algum dos registos ou é uma questão que nem se coloca?
JLP: Acontece que a prosa é fruto de um trabalho constante e permanente de escrita e a poesia é bastante mais espontânea. Eu tento que a prosa também seja espontânea, que se aproxime da linguagem da poesia. Nesse sentido, não creio que seja a poesia que vai atrás da prosa. Tento que cada palavra, num texto de 250 páginas tenha o mesmo valor do que num poema de quatro versos.

JL: Apesar de já ter editado um outro volume de poesia, A Criança em Ruínas, é mais conhecido como romancista do que como poeta. Esta sua dupla edição é, ao mesmo tempo, uma afirmação pública dessa outra vertente?
JLP: É pelo menos uma afirmação de que não sinto necessidade de me afirmar apenas como romancista ou como poeta. Não sinto nenhum pudor em relação a nenhum desses géneros.

JL: Pegando um pouco no livro, começando logo pelo início, escolheu os salmos para epígrafe dos capítulos. Porquê?
JLP: São textos que, além de religiosos, me parecem, muitas vezes, amorosos, no sentido em que facilmente podemos substituir o Senhor pela pessoa amada. Ao mesmo tempo, neste livro que trata do amor entre pessoas, foi uma tentativa de introduzir alguma reflexão religiosa. Uma reflexão sobre o amor entre os homens e Deus e entre Deus e os homens. Que amor existe? Se é que existe...

JL: Foi por isso que usou situações extremas...
JLP: Muitas vezes o amor leva-nos a situações extremas, que naquele momento são tudo. Por isso tentei criar situações que para aquelas personagens fossem também tudo. Que as circundassem, que as absorvessem e que as atravessassem.

JL: E, ao mesmo tempo, uma certa dose de exagero... A narrativa toca por vezes o irreal...
JLP: Penso que não será assim tão irreal. A maioria das imagens que aparecem no romance, acontecem na realidade. No romance existem invasões e mutilações por parte dos invasores para com o povo. Actualmente, na Serra Leoa existem 100 milhões de mutilados. Uma guerra civil onde as pessoas se cortam a si mesmas. Há 29 conflitos no mundo entre Estados, mas às vezes não pensamos nisso com intensidade suficiente, porque nunca passámos por essa situação. Mas se reflectirmos sobre o mundo e onde chegámos como civilização, acaba por ser um problema incontornável.

JL: Falo em exagero porque não uma, mas todas as personagens do livro, se não são mutiladas, acabam por sofrer danos semelhantes...
JLP: Isso acompanha as perdas individuais de cada personagem. As mutilações não são um fim em si. Até é um lugar comum quando alguém querido desaparece dizer .parece que nos arrancaram um bocado.. E é isso que realmente acontece.

JL: «Mãe cada palavra que me ensinaste repete mil vezes o teu nome». Escreve num poema. No romance a mãe é uma personagem fulcral.
JLP: Acaba por ser uma figura muito importante e por representar todo o lado familiar e os encontros e desencontros que podem existir em todas as relações familiares. Mas dizer mãe já é descrever com bastante densidade uma personagem.

JL: Na sequência disso, a tónica do seu livro é um pouco a infância porque, por um lado, o protagonista recorda-se muito desse período da sua vida, por outro, a situação de amputado de pernas e braços, coloca-o novamente num estado de dependência que é como um regresso à infância...
JLP: A infância está sempre muito presente, como uma idade de pureza. Nem tudo neste mundo é cruel, há passagens que procuram recriar o que é o melhor do amor - a ternura, o carinho, a necessidade correspondida. A infância é um lugar onde estas coisas existem.

JL: Na página 20 do romance, há uma passagem que talvez seja um pouco inesperada, uma vez que raramente usa o humor: «Naquela altura, o meu editor já estava preso havia quase três anos. Tinha sido apanhado em flagrante a recusar o livro de um jovem escritor, dizendo-lhe sabe como é, as pessoas já lêem pouco, quanto mais um autor novo de quem nunca ouviram falar. No tribunal, onde fui testemunha de defesa, pesaram sobretudo contra ele várias cartas, assinadas por si próprio, onde tinha escrito unicamente: junto devolvemos o original enviado para leitura, lamentando informar que não foi seleccionado para publicação. Apanhou dez anos de cadeia. No princípio, foi muito difícil. Os editores e os pedófilos são os mais mal tratados nas prisões. Embora ele nunca me tenha dito, suponho que o tenham violado». Sentiu dificuldade em publicar o primeiro livro?
JLP: Eu tive muita sorte e felizmente encontrei uma editora que me trata muito bem. No entanto, é com alguma frequência que encontro pessoas que tentam publicar os seus livros e que vêem constantemente os seus exemplares devolvidos, muitas vezes sem explicação e muitas vezes sem respeito. De qualquer modo pareceu-me interessante introduzir esse aspecto, até para diversificar a narrativa e ter uma série de diferentes registos. E também para caracterizar o papel que a literatura tem naquela sociedade. No entanto, penso que os editores deveriam estar mais atentos a pessoas que escrevem e a quem não se dá uma oportunidade, muitas vezes de forma injusta.

JL: Apesar de tudo o que acontece pelo meio, este não é um romance completamente negativo. Deixa qualquer coisa em aberto...
JLP: Estou de acordo. Não creio que seja um livro triste. A relação principal do livro atravessa momentos tristes, mas também momentos felizes. E a vida não é constituída de felicidade ou tristeza, tem um pouco de tudo. Faz-me lembrar um verso de Alberto Caeiro que diz qualquer do género: «A tristeza é necessária, tal como um dia de chuva». O livro tem momentos de grande esperança.

JL: A escrita deste livro foi particularmente dolorosa?
JLP: Não foi mais dolorosa que os anteriores. Foi dolorosa quando o texto o foi para as personagens. Na minha forma de escrever acabo por ser as personagens no momento da escrita e sentir um pouco daquilo que elas sentem.

JL: Vê mais este romance como uma ruptura ou como uma continuidade?
JLP: Penso que existe uma evolução. Não existe nem uma ruptura absoluta nem uma continuidade absoluta. Em alguns pontos descobrem-se marcas de Nenhum Olhar, ou mesmo de Morreste-me, no entanto, noutros pontos existe algo mais. Tentei que este livro superasse os anteriores. Foi uma tentativa sincera e espero que tenha resultado.

Um escritor no mundo

JL: É um caso raro de sucesso, para um novo autor português. Sente agora algum receio de que o êxito seja passageiro?
JLP: Ficar prisioneiro dessa ideia, seria algo sem sentido. Depois, apesar de que tudo o que começa tem um fim, é pouco interessante estar a viver o fim em antecipação. Portanto, continuarei a escrever livros o melhor que sei, sem obviamente pensar em mais nada senão os livros eles próprios. Espero que possa continuar a encontrar leitores e pessoas que achem importante a minha escrita.

JL: Tem vivido numa lufa-lufa nos últimos dois anos, com lançamentos, encontros com leitores e muitas viagens. Como reagiu a isso? O sucesso assustou-o?
JLP: No início foi bastante complicado conciliar esse aspecto com a escrita propriamente dita. São vertentes que, ao mesmo tempo que se completam, competem uma com a outra. Obviamente que viajar nos enche de mundos, experiências, personagens. Mas também nos toma muito tempo, que deveria ser para a escrita. Neste momento já consigo conciliar as duas coisas com alguma facilidade. Penso que o mínimo que posso fazer é ir esses países e esperar que os livros possam ter alguns leitores por lá.

JL: Até que ponto essas suas experiências se reflectem em si, na sua forma de ser e, mais concretamente, na sua escrita?
JLP: Este livro, em particular foi escrito em vários países e, algumas passagens, a largos metros de altitude. Acho que isso se reflecte na variedade de registos, situações e personagens. Mais do que Nenhum Olhar este é um livro que escrevi com a intenção que fosse sobre o mundo. Não que responda a todas as questões, mas que toque todo o mundo. Tem em si uma cosmovisão. Ou pelo menos foi isso o que quis fazer.

JL: Apesar disso, sente que faz parte de um país, de uma geração de escritores?
JLP: Essas avaliações de geração são feitas por outras pessoas daqui a vários anos e também não é nada que me preocupe particularmente. Mas , como é óbvio, sinto que faço parte de um pais.

JL: Recentemente no JL publicou duas crónicas especialmente interessantes. Numa descrevia uma mãe, na seguinte explicava que tinha mostrado a crónica à sua mãe e ela tinha ficado preocupada com o que as pessoas iriam pensar, porque não a descrevia correctamente. Mas essa segunda mãe também era falsa, uma vez que nem sequer lhe mostrou o texto. Isto levanta a questão: até que ponto «engana» os leitores? Como doseia a ficção e a realidade?
JLP: O objectivo era esse, mas essa questão, em termos literários tem muito pouco interesse. O que é real no que está escrito, num texto? Claro que, muitas vezes, as pessoas sentem curiosidade em relação a isso. A minha escrita é quase sempre a partir da minha própria experiência. Nesse sentido, não engano muito os leitores. No entanto, penso que, mesmo quando se relatam situações reais, é sempre muito difícil de escapar à ficção. Ela é inerente ao texto literário.

JL: A propósito, como tem sido a experiência de cronista, aqui no JL?
JLP: Tenho gostado bastante. Aquilo que mais aprecio é a disciplina que exige. A criação de hábitos de escrita. O texto precisa de estar pronto no prazo, antes do fecho da edição, e tem mesmo que estar. Isso acaba por ser muito bom para me disciplinar, em termos de escrita, e para criar um ponteiro que marque um ritmo. Depois, também me agrada a imediatez. Ao contrário dos livros, aqui os textos são escritos e, passado uma semana, são publicados e, passados dois dias já tenho observações por parte de pessoas. E isso é muito bom.

JL: Pensa vir a publicar essas crónicas em livro?
JLP: Talvez. Mas não é uma coisa que tenha absolutamente em mente. Se acontecer... Se houver uma série de textos que eu ache que valha a pena sair num volume...

A escrita como profissão

JL: Quando recebeu o Prémio José Saramago, compararam Nenhum Olhar com Levantado do Chão. Agora, Eduardo Prado Coelho, na recensão de Uma Casa na Escuridão, faz uma alusão a Ensaio sobre a Cegueira. Sente de facto uma proximidade de Saramago?
JLP: Para já sinto-me muito honrado que haja essas referências em relação àquilo que escrevo. São dois livros de que eu gostei bastante e foram importantes para mim. No entanto, eu não sou a pessoa indicada para dizer se são as comparações mais adequadas ou não. Na medida em que para mim é bastante difícil traçar influências.

JL: Mas o Saramago é uma referência para si?
JLP: O José Saramago é o único Prémio Nobel que a nossa língua tem. Isso não será certamente por acaso. Eu compreendo porque isso aconteceu. Ele faz parte de um grupo de escritores que são importantes na minha formação, enquanto leitor. E aquilo que lemos acaba por ter importância naquilo que escrevemos.

JL: Dispara em vários sentidos. Além de prosa e poesia, também tem trabalhado em teatro e julgo que tem alguns projectos no cinema. Sente que o essencial é sempre o mesmo e só o suporte é que muda?
JLP: O que tenho aprendido com a prática é que o essencial não é sempre o mesmo. Daí que ainda não esteja satisfeito com a minha escrita para teatro e sinto que ainda tenho muito a aprender. E vou tentar aprender o máximo, errando o menos que possível durante o percurso. Mas cada forma de escrita tem as suas especificidades.

JL: E o cinema?
JLP: Com o realizador Eduardo Condorcet escrevi um guião para Nenhum Olhar. Neste momento estamos numa fase um pouco difícil, à procura de algum apoio para a realização da longa metragem. A ser feita, será um pouco diferente do romance. Temos a consciência de que um filme é um filme e um romance é um romance.

JL: Como foi a sua experiência em Nova Iorque, numa residência de escritores?
JLP: Foi bastante importante. Por um lado, tive a oportunidade de conhecer escritores de todo o mundo. Conhecer as suas obras, os seus métodos de trabalho, como é que era a situação nos países deles. É bastante útil em termos de formação. Quem escreve tem sempre de tentar aprender. Quem pensa que já aprendeu tudo, nunca aprenderá mais nada. Tento sempre continuar a aprender e a fazer melhor. Isso é mesmo sincero. Por outro lado, foi muito bom em termos de contactos no meio editorial. Esperemos que dêem frutos em breve.

JL: Esteve numa cidade que é um dos centros do mundo. Como se vê o mundo de Nova Iorque?
JLP: Eu nasci nas Galveias, uma vila no Alto Alentejo, e estar em Nova Iorque, para mim, foi um deslumbramento. Foi muito enriquecedor. É uma cidade onde existe tudo. Onde se pode encontrar absolutamente tudo. Até aqui era uma imagem difusa e agora passou a fazer parte do meu mundo. Há alguma coisa que muda depois de estar num sítio assim.

JL: Até Março goza de uma bolsa de criação literária. Depois o que vai fazer? Pensa viver da escrita?
JLP: Vou tentar encontrar outras formas de rendimento. Como qualquer outra pessoa tenho gastos e ninguém vive do ar. Apesar de em Portugal a escrita não ser considerada profissão, foi essa a profissão que eu escolhi. E espero continuar esta tarefa bastante ingrata, que é tentar sobreviver dela. Tomando-a como algo de abrangente. Pode ser para jornais, para peças de teatro, aquilo que for... Embora o meu grande objectivo seja, um dia, conseguir viver da escrita de romances e poesia, que é aquilo para que me sinto mais vocacionado.

JL: Os seus livros já foram publicados em quantos países?
JLP: Estão fechados contratos com cinco: Espanha, Itália, França, Croácia e Holanda. Estão em negociação uma série de outros. Espero que possam ser traduzidos, porque isso é muito importante para mim. É algo que me dá uma imensa satisfação. Deixa-me igualmente deslumbrado. Considero miraculoso. É fabuloso ler as críticas que saem noutros países. E estar presente e falar com pessoas que me leram noutras línguas. É algo que me faz sentir bastante realizado.

JL: Já está a preparar o terceiro romance?
JLP: Sim. Já há algum tempo, mas só deve sair em 2004. Prefiro não adiantar nada. A surpresa é sempre mais agradável.

In JL n.º 838, de 13 de Novembro de 2002

 
At 28 de dezembro de 2006 às 15:40, Anonymous Anónimo said...

JL


José Luís Peixoto e Fernando Ribeiro
Antídoto contra o medo
O que é que a maior banda portuguesa de gothic metal e o mais aclamado escritor da nova geração fazem juntos? Antídoto . um disco e um livro, que podem ser adquiridos em conjunto ou separadamente. O JL conversou com José Luís Peixoto e Fernando Ribeiro (dos Moonspell) sobre literatura, música, venenos e antídotos
JL 20 Dez. 2006
Por Manuel Halpern

José Luís Peixoto, nascido em 1974, segue a carreira dos Moonspell desde o seu início, em 1994. E até confessa escrever, por vezes, ao som da sua música. Certo dia, aproveitando o lançamento do primeiro livro de poemas de Fernando Ribeiro (29 anos), Como Escavar um Abismo (Quasi), apresentou-se ao músico e ofereceu-lhe toda a sua bibliografia. Nasceu assim uma amizade e uma maior cumplicidade artística. Surgiu o projecto de dar um ambiente musical a Nenhum Olhar, que acabou por não ser realizado. Todavia, estava lançada a semente para uma colaboração futura. Que agora se concretizou.
Antídoto (Temas & Debates) é o título do novo livro de José Luís Peixoto, uma colectânea de contos com cerca de 90 páginas, e Antidote (Century Media/Edel) é como se chama o oitavo álbum dos Moonspell. A designação de cada capítulo corresponde ao nomes de uma faixa. E há uma sinergia evidente entre os dois projectos. Influenciaram-se mutuamente, embora a música tenha nascido antes da escrita.

José Luís Peixoto frequentou a sala de ensaios da banda e chegou mesmo a acompanhar o processo de gravação do CD, na Finlândia. Na verdade são mundos que se tocam. Até porque são figuras de referência da nova geração. Às portas da primeira década de carreira, os Moonspell são uma das bandas portuguesas melhor sucedidas no estrangeiro, dando concertos por todo o mundo. Para o ano, de resto, será lançada uma biografia autorizada do grupo, escrita por Luís F. Silva. José Luís Peixoto, por seu lado, é um dos mais conceituados escritores da nova geração. Traduzido em várias línguas, recebeu o Prémio José Saramago, em 2001. Tem publicados livros como Morresteme, Nenhum Olhar, A Criança em Ruínas ou A Casa na Escuridão. Juntos combatem o veneno.

JL: A combinação entre Moonspell e José Luís Peixoto é inesperada para muitos. O que têm em comum?
José Luís Peixoto: Os temas tratados pelos meus livros e pelos CDs dos Moonspell são muitas vezes coincidentes. São temas essenciais, tocando o amor, a morte ou o medo. Procuramos uma intensidade semelhante na forma como nos exprimimos, tentando ser o mais comunicante possível e, ao mesmo tempo, suficientemente rica para suscitar várias interpreta ções. Há uma série de conceitos que nos aproximam, que têm a ver com uma grande entrega àquilo que se faz. A procura obsessiva de uma verdade que nos sirva.
Fernando Ribeiro: Uma coisa que me impressiona na técnica e na semântica do Zé Luís é a forma como ele consegue expressar frases rítmicas, que são muito mais pertença de universo musical. Não conheço autores que tenham uma relação tão descomprometida, natural e influente com este ritmo. Essencialmente no que toca ao assumir essa musicalidade da escrita. E o que me passou da leitura do José Luís Peixoto foi uma musicalidade negra, de ritmos esmagadores. Juntamente com outra coisa que temas em comum, que é esse esmagamento aliado a momentos de luz, de libertação.

JL: Existe ainda um certo preconceito em relação ao heavy metal, talvez porque as pessoas desconheçam que é um universo muito ligado à literatura...
FR: Existem muitas bandas com citações liter árias. Por exemplo, as letras dos My Dying Bride são embutidas de um espírito shakespeariano... Eu próprio cheguei a alguns poetas através da música. Os Celtic Frost musicaram um poema do Baudelaire. E a partir daí comecei a lê-lo... Os Moonspell tentam continuar um pouco essa tendência.
JLP: Inclusivamente, os próprios Moonspell, em discos anteriores já incluíram nas suas letras poetas como Álvaro de Campos , Mário de Cesariny ou mesmo referências a Patrick Süskind ou Oscar Wilde. Neste CD existe uma faixa inspirada na Dama da Senhora de Pé de Cabra, na versão de Alexandre Herculano. E para mim foi muito curioso fazer uma varia- ção sobre uma variação musical da versão de Herculano.

JL: Acha possível conquistar novos públicos com este trabalho? Ou seja, acredita que leitores de José Luís Peixoto que não conheçam os Moonspell poderão ter essa curiosidade?
FR: É uma intenção deste trabalho. Claro que não podemos saber à partida se vai resultar. Mas diga-se já que, em termos de público, sobretudo depois de Uma Casa na Escuridão, muitas pessoas da comunidade gótica em Portugal elegem o José Luís Peixoto como o escritor de referência. Como tal, penso que este trabalho nasce de uma ausência total de preconceito. Tem a vantagem de ser feito em vida, ou contrário de outros projectos, como a visita de Lou Reed ao Corvo, de Edgar Allan Pöe. Ambos temos uma voz na nova geração, apesar da diversidade dos públicos e isso pode ser interessante, para qualquer pessoa que escute ou que leia.
JLP: Espero que apareça essa curiosidade. O universo da literatura e do metal parecem ser tão divergentes, mas, na verdade, tocamse em muitíssimos aspectos.

JL: E em relação ao seu público. Espera alargar os seus leitores, com este projecto, até em países em que os seus livros não estão traduzidos?
JLP: Uma vez que os Moonspell têm uma dimensão internacional muito grande, tornou-se necessá- rio que o livro também estivesse acessível ao público estrangeiro. Tivemos a sorte de contar com uma excelente tradução de Richard Zenith para inglês. O livro vai ter essa vida, vai existir como faixa multim édia dentro de cada um dos exemplares do disco. Tenho grandes expectativas, uma vez que a distribuição do CD é mundial. Tenho a esperança que possam existir leitores onde quer que hajam fãs dos Moonspell. E eles têm feito tournées a passar por países como Rússia, México, Lituânia, Colômbia ou Turquia.
FR: Eu estive duas semanas em promoção na Europa e não houve entrevista em que não me perguntassem pelo José Luís Peixoto.

JL: Ainda há pouco, no Teatro Campo Alegre (nas Quintas de Leitura), Rui Reininho prestou-lhe uma homenagem. Disse: «À parte de José Luis Borges, o José Luís Peixoto é o único escritor de quem conheço a obra completa, por isso vou musicar um excerto dos seus textos». E começou a cantar: «Quero morrer quero morrer quero morrer quero morrer...». Ou seja, se calhar havia outras hipóteses para um projecto semelhante... Põe a possibilidade de fazer uma coisa no género com outros contornos?
JLP: Não vejo a escrita como algo condenado à solidão. Pode acontecer, mas também se podem encontrar novas fórmulas. Porque a inova ção é essencial à arte. E devemos sempre tentar procurá-la. Desde sempre que tenho muita vontade de trabalhar com outras pessoas de modo a aprender alguma coisa com elas, e tentar construir obras que sejam o mais completas possí- vel. Não ponho de parte nenhum outro projecto, seja com música ou com outra área artística, desde que me pareça viável e interessante. Mas esse tipo de coisas são muito difíceis de prever. Quanto ao Rui Reininho, sinto-me muito honrado pelo cumprimento e espero que ele continue a ler a minha obra.

JL: Que música prefere?
JLP: A revista Presença dizia que poesia há só uma. E eu acredito, da mesma forma, que música há só uma. Muitas vezes são as pessoas que erguem as suas próprias barreiras e não se deixam tocar. Penso que preconceitos dessa natureza são o pior inimigo da arte. Os meus gostos musicais são bastante vastos. Não sinto nenhuma dificuldade em ouvir Wagner e a seguir Cradle of Fielth.

JL: O José Luís Peixoto aconselha duas ou três bandas para quem se queira iniciar no heavy metal?
JLP: Vou falar de três bandas que começaram muito ligadas ao metal e, de certa forma, encontraram caminhos diferentes, afastando-se um pouco do conceito mais tradicionalista . os Tiamat, os Paradise Lost, cujo nome é retirado de um poema de Milton, e os Katatonia.

JL: E o Fernando Ribeiro, o que gosta de ler?
FR:Tenho uma ligação muito especial a uma literatura mais clássica e a temas que nos influenciam enquanto criadores, como a relação com Deus, nos livros de Nikos Kazantzaki. Gosto muito de toda a literatura faustiana, passando pelo Fernando Pessoa, e dos autores russos. E também de registos mais radicais, como o William Bouroughs, Bret Easton Ellis . O Menos que Zero fez-me escrever o tema Disappear Here. E o Oscar Wilde, cuja biografia também me fascina. A nível de autores portugueses, além do José Luís Peixoto, Miguel Torga. Enfim, podia estar aqui a tarde toda a dizer nomes.

O olhar do veneno
JL: Se há um antídoto, qual é o veneno?
JLP: Se há um elemento que atravessa estes trabalhos é o medo. Em termos musicais, nos ambientes criados, na forma como a vocaliza ção é feita, desde o sussurro até a uma representação do pânico e do terror. No livro, o medo, é o grande motor, ou travão. O veneno é o medo. Entendendo-o como um conceito ambíguo. É aquele sentimento que nos impede de ter uma acção positiva, de construir, ou até de ter uma visão clara sobre nós próprios, e que nos auto-oprime. Por outro lado acaba por ser aquilo que faz com que nos protejamos e preparemos melhor, porque medimos um pouco os perigos que possam advir dos nossos passos. O antídoto cabe a cada um de nós encontrá-lo. Nós tentámos encontrar os nossos. Mas, ao contrário das ciências exactas, a arte é uma forma de conhecimento não comprov ável e que serve essencialmente para nós próprios.

JL: O medo é personificado na primeira parte do livro... Paira acima de tudo e é um olhar permanente. Ou seja, aqui não há nenhum olhar.
JLP: O medo é o narrador de dois dos contos e acaba por ser transcendente. Um olhar sobre a humanidade. Uma coisa que está em todos os gestos, em todas as palavras, como no título do primeiro texto, que está dentro e sobre os homens. De certa forma, trata-se quase de um conceito, de que eu não partilho, que é a visão cabalística de Deus. Onde Deus é a soma de tudo que existe de bom e de mau. Mas cabe a cada um decidir se é assim ou não.

JL: Aqui continua a identificar-se a sua escrita, não foi necessário fazer um grande esforço de adaptação à música dos Moonspell?
JLP: Inclusivamente não será difícil reconhecer marcas dos livros anteriores. Se por um lado sinto que é necessário que cada livro traga alguma coisa de novo, por outro não tenho a necessidade de renegar aprendizagens que foram muito importantes para mim. Além do mais, o universo dos Moonspell já me tocava tanto nos meus livros anteriores que tudo foi absolutamente natural. Nenhum de nós teve de fazer um esforço particular de adaptação.
JL: Apesar disso comunicam em línguas diferentes. Porque motivo os Moonspell cantam em inglês?
FR: As letras são pensadas em inglês. É uma língua com a qual convivo há muito tempo. Permite-me ter um certo tipo de imagens que são consentâneas com a música dos Moonspell e com a voz que eu elaboro, e que em português não resultaria tão bem. Claro que não se trata de uma falta de respeito pela língua materna. É apenas uma forma de expressão que nos permite chegar a mais gente e que ultrapassa o nosso territ ório. Por que se a língua é um património, também pode ser uma barreira. E cantar em inglês traz a vantagem acrescida da comunica ção além fronteiras. JLP. Gostava de chamar a atenção para o facto de este ser o primeiro disco dos Moonspell sem nenhuma música em português.

JL: Além dessa nuance, o que este disco traz de novo?
FR: Tem muito a ver com o medo, que tem representações e sensações a um tempo de poder e de espiritualidade. É uma expressão sónica fiel a essa ideia. A parte percussiva é muito mais tribal e hipnótica. Tem um aspecto daquele murro no estômago, daquela viol ência mais épica, mais seca, mas depois descomprime com uma atmosfera e espiritualidade bastante profundas.

JL: Vão promover o trabalho em conjunto?
FR:Este livro também pertence a um palco. E vamos tornar isso realidade. Para já, o que está confirmado, é o encerramento do Outubro Negro, dia 30, na FNAC do Chiado, em que haverá um showcase de Moonspell e, previamente, uma leitura musicada, em que vamos criar um ambiente sonoro para a voz e para as palavras do José Luís. Contamos fazer também um espectáculo, em Lisboa, e ter este projecto na primeira parte.

JL: Quais sãos os vossos planos?
FR: Em Novembro deve sair o meu novo livro de poesia, As Feridas Essenciais. Entretanto, os Moonspell iniciarão a digressão europeia, na Alemanha, dia 25 de Dezembro.
JLP: Eu continuo a escrever um romance, que comecei há cerca de uma ano, e estou a trabalhar num espectáculo de teatro, que espero que seja levado à cena ainda em 2003. É um espectáculo com dois actores, Sandra Faleiro e Francisco Campos, e uma bailarina, a Paula Castro. Além disso está a avan- çar a adaptação ao cinema de Nenhum Olhar.. O guião já está finalizado e foi escrito em parceria com o realizador, Eduardo Condorcet. Temos a esperança que possa come çar a ser filmado no ano que vem.

JL: Continua contente com as crónicas no JL?
JLP: Muito. Creio que têm uma série de leitores, o que é muito gratificante. Espero que continuem a gostar. Penso que o título é bem escolhido. Porque de facto são histórias quase verdadeiras, embora eu não queira enganar o leitor. Quando eu escrevi uma cró- nica sobre um acidente, houve quem me contactasse a perguntar se estava bem, se me tinha acontecido alguma coisa. Mas não me aconteceu nada. Está tudo bem, obrigado.

In JL n.º 861, de 1 de Outubro de 2003

 
At 28 de dezembro de 2006 às 15:42, Anonymous Anónimo said...

JL


O escritor de quem gostamos de gostar
Por Manuel Halpern

Tão ‘negro’ na escrita como quente no trato. Os seus livros condizem com as roupas pretas com que se veste e com os piercings que traz cravados na sobrancelha e na orelha. Mas nem por isso é macambúzio. Sempre afável, atencioso, com um sorriso de criança, e uma timidez doce que lhe dá um ar, talvez, vulnerável. Ele próprio diz: «É difícil fazerem alguma coisa que me chateie.» E é difícil chatearmo-nos com José Luís Peixoto (JLP). O escritor de quem gostamos de gostar.

O que poucos imaginam é que escreve ao som das pesadas guitarras do heavy metal e do hardcore. Aliás, é difícil de imaginar que alguém possa escrever com tal chinfrim. Mas os seus ouvidos encontram serenidade onde muitos outros só encontram ruído. Paulo Pena, jornalista da VISÃO que foi seu colega na Faculdade, recorda-se dos tormentos de uma fase mais criativa: «Ele punha a música no volume máximo e ia comendo bananas.» Na verdade, não é o único criador que se organiza no caos, Mondrian pintava a ouvir o jazz mais mexido e Claude Chabrol trabalha sempre com a televisão ligada.

José Luís lembra: «A beleza está nos olhos de quem vê.» E a poucos olhos terá escapado a beleza da sua escrita. Forte e intensa. Que nos obriga a espreitar a escuridão, a nossa escuridão, numa obsessão por temas tabus, como a morte. Tudo num estilo próprio, inconfundível, que já é uma imagem de marca.

Não é por acaso que JLP é o mais aclamado escritor da sua geração. «O que nos distingue é o facto de não termos a vivência do Estado Novo. Porque nessa época, quando se escrevia sobre o que quer que fosse, estava-se sempre a tomar posição. As pessoas da minha idade não são obrigadas a posicionar-se, pelo que têm mais liberdade. Na prosa não existem grupos literários, com tendências estéticas semelhantes, mas não deixa de existir uma geração.»

O seu sucesso já ultrapassou fronteiras. Tornou-se um escritor andarilho. Tem viajado tanto nos últimos anos, entre lançamentos, encontros de escritores e acções de promoção, que admite às vezes confundir os sítios: «Há episódios que já não me lembro bem onde se passaram.» Livros seus já foram editados em Espanha, França, Itália, Holanda, Brasil, Finlândia, República Checa, Croácia, Catalunha, Turquia, Bulgária e Bielorrússia. E já tem os direitos vendidos para a língua inglesa, húngara e japonesa. «Por um lado, as viagens competem com a própria escrita, porque é difícil manter a coerência com toda essa agitação. Mas, por outro, alimentam-na, porque proporcionam experiências e permitem-me conhecer novos mundos.»

No meio de tantas viagens, há sempre histórias para contar. «Tudo varia consoante o tamanho da editora e o país. Na Europa do Norte é tudo extremamente programado, há sempre um tipo atrás de mim, com uma agenda, a dizer o que tenho que fazer a seguir. Na Itália, a editora é pequena, e até me levaram de Vespa pelas ruas de Roma.» Nos encontros literários, por seu lado, conhece as mais fascinantes figuras, desde «a maior escritora da Lapónia» à «maior poetisa do Quirguizistão.»

O romance é o seu género literário de eleição. Mas Peixoto é um escritor de sete penas. Escreve poesia desde a adolescência, e já publicou duas colectâneas, A Criança em Ruínas e A Casa e a Escuridão. Escreveu também duas peças de teatro, Anathema (para o grupo belga Stan) e À manhã (para o Teatro Meridional). E actualmente prepara outras duas, que serão representadas no Teatro São Luiz e na Sala Estúdio do D. Maria II, em Junho de 2007. Aliás, está prevista para o próximo ano a publicação do seu primeiro livro de teatro. «As peças recorrem de forma muito directa à intertextualidade, com outros autores de teatro, porque se trata de um processo de aprendizagem.»

Fez várias letras de canções, para Mísia, A Naifa, Joana Amendoeira e, mais recentemente, Quinta do Bill. «Há casos, em que tenho de cantar a melodia muitas vezes, para ver se a letra cabe lá.» Teve uma fugaz experiência na escrita para cinema, colaborando na adaptação do seu livro Nenhum Olhar, um projecto para uma longa-metragem de Eduardo Condorcet, produzido pela Contracosta e ainda à espera de subsídio. Isto, além, claro está, das crónicas do JL: «Há momentos em que preciso mesmo de escrever essas crónicas, até para descansar de outras escritas. Vejo esse espaço cada vez mais com um lugar de experimentação e de agitação literária. Além disso, valorizo muito dispor daquele lugar para poder comunicar pequenas ideias. Por exemplo, já fiz uma crónica sobre o meu umbigo. E é excelente ter um sítio onde se possa escrever sobre o umbigo.»

Para o seu último romance, Cemitério de Pianos, pela primeira vez fez investigação. O ponto de partida foi Francisco Lázaro, um maratonista que integrou a primeira comitiva portuguesa nos Jogos Olímpicos, em 1912, em Estocolmo. Com o objectivo de melhorar a performance, besuntou o corpo com sebo, evitando assim a transpiração. Havia grande expectativa e, nos primeiros quilómetros, ia no pelotão da frente. Mas a receita revelou-se fatal e caiu, morto, ao quilómetro 30. O acontecimento trágico teve grande repercussão mediática e Lázaro teve direito a uma homenagem fúnebre no Estádio Olímpico. Peixoto quis saber tudo sobre Lázaro, aquelas Olimpíadas, a época, a Suécia. E até descobriu outras histórias curiosas, como a do maratonista japonês, que a meio da corrida entrou na casa de uma sueca para beber água, apaixonou-se e ficou por lá. Só passados 50 anos quis acabar a maratona. «Não precisava de ter investigado tanto», admite. Mas ficou a saber muito mais.

Da criança às ruínas
José Luís Peixoto já é nome de Prémio Literário. O galardão foi instituído pela Câmara Municipal de Ponte de Sor e destina-se a autores com menos de 25 anos. «A estima que sinto dali é bastante genuína. Censura-se Portugal por só reconhecer as pessoas depois de morrerem. Acho bonito que um lugar no interior do país tenha a ousadia de instituir um prémio com o nome de um escritor de 30 anos».

Foi naquele concelho do Alto Alentejo, na aldeia das Galveias, que José Luís Marques Peixoto nasceu, em Setembro de 1974. O Marques caiu no nome de guerra por escolha dos jornalistas que seleccionaram os seus primeiros textos, no JL e no DN Jovem. «Ainda hoje me custa a reconhecer o meu nome, porque sempre assinei com o nome completo ou com o primeiro e o último.»

Fez a primária na escola local. Dos seus 20 colegas, menos de cinco ficaram na terra. Passou a infância no clima de liberdade típico da província, a correr e a jogar à bola. Participava em todas as iniciativas locais. Praticou atletismo, a sua especialidade era a corrida de velocidade. E integrou a banda filarmónica – tocava saxofone. «Privei muito com pessoas de outras gerações. O meu velho padrinho morreu com 104 anos e contava-me histórias da Primeira República.»
O seu pai era carpinteiro. A mãe, doméstica. Mas sempre fizeram questão de incentivar os filhos a prosseguir os estudos. Tal como José Luís, as suas irmãs, Anabela e Alzira, 8 e 13 anos mais velhas, concluíram a licenciatura. A relação com as irmãs foi, de resto, muito importante: «Ainda era pequeno e já a Alzira levava livros para casa e até o JL, que era para mim uma leitura um pouco misteriosa.»

A irmã também foi a primeira leitora dos seus escritos. Fez o liceu em Ponte de Sor, onde ela era professora. Foi nessa altura que começou a ouvir música pesada e deixou crescer o cabelo: «A minha mãe chegou a oferecer-me dinheiro para ir ao barbeiro.» Formou uma banda de punk hardcore, os Hipocondríacos. Tocava guitarra eléctrica. «Até tenho um certo pudor em chamar música àquilo que fazíamos.» Deram dois concertos e chegaram a gravar, de forma muito artesanal, maquetas. Trocavam cassetes por correio num circuito internacional de bandas do género. «As nossas músicas tinham sempre causas: eram a favor ou contra qualquer coisa.»

As pessoas olhavam-nos de lado e comentavam. O que ajudou a um certo isolamento, ou um culto da diferença, que também contribuiu para o gosto pela leitura. Isto juntamente com um professor de português, do 10.º ano, que era padre, e lhe abriu novos horizontes. A súbita morte deste professor, durante o ano lectivo, marcou-o muitíssimo.

Em termos práticos, contaram as bibliotecas. Primeiro, a itinerante da Gulbenkian. Depois a Municipal de Ponte de Sor. «Tive o prazer de descobrir alguns autores apenas porque me chamava a atenção o título. Como Lobo Antunes, Herberto Helder, Nuno Júdice ou Ruy Belo.»

A escrita foi um resultado directo da leitura. E apareceu de forma muito espontânea: «Quando escrevi o primeiro poema fiquei surpreendido.» Tinha 16 anos. No princípio dedicou-se apenas à poesia. Foi nessa altura que começou a enviar os seus textos, primeiro para o JL (ver caixa), depois para o DN Jovem. Aos 18 anos, mudou-se para Lisboa, para cursar Línguas e Literaturas Modernas, na Universidade Nova. «O primeiro impacto assustou-me, mas também havia sempre muitas coisas a acontecer.» Empenhou-se na luta contra as propinas. E chegou a ser dirigente associativo. Foi viver para casa da sua irmã, na Póvoa de Santa Iria: «Tinha uma vida suburbana, mas lia muito e escrevia no comboio.»

Em 1996, morreu o seu pai. Um golpe duro que acabou por marcar a sua escrita. O seu primeiro livro, a narrativa Morreste-me, é reflexo disso. Começou por publicar o primeiro capítulo no DN Jovem. Esse primeiro capítulo só por si lhe valeu ser seleccionado para a Mostra de Jovens Criadores e para a Primeira Bienal de Jovens Criadores da CPLP, em Cabo Verde. Escreveu depois os outros dois capítulos e lançou o livro numa edição de autor de 500 exemplares. Ele próprio fez a distribuição pelas livrarias, e conseguiu colocá-los na Feira do Livro, na banca de Black Sun. Chegou mesmo a ter recensões no Diário de Notícias, feitas por Rita Taborda Duarte e José Mário Silva. «Andava sempre com uma mochila às costas cheia de livros, para dar ou vender aos amigos.» E enviou o livro a alguns autores que admirava «Fiquei surpreendido porque recebi cartas muito simpáticas de autores como Lobo Antunes, João de Melo e Fernando Pinto do Amaral. Nem queria acreditar!» O espírito lutador é uma das marcas de José Luís Peixoto.

(Ler texto completo no JL)

 
At 15 de janeiro de 2007 às 01:06, Blogger Isa Mestre said...

Para descrever a escrita de José Luís Peixoto não bastam as palavras...é preciso ir ao fundo de cada coração e colher habilmente os sentimentos que as suas frases semeiam, as raízes que as suas origens deixam. José Luís Peixoto vive no meu coração e é a minha maior referência ao nível literário. Um grande bem haja.

Isa Mestre

 
At 27 de agosto de 2011 às 19:17, Anonymous Anónimo said...

Eu queria obrigado por esta leitura agradável ! Eu definitivamente se divertindo com cada pouco de que eu tenho você bookmarked para verificar coisas novas que você enviar

 
At 31 de agosto de 2011 às 17:04, Anonymous Anónimo said...

Meu vizinho e eu estávamos simplesmente debater este tema específico , ele geralmente procurando para me mostrar incorreta. Sua opinião sobre que é bom e exatamente como eu realmente sinto . Eu só agora enviei-o este site on-line para apontar -lhe o seu ponto de vista pessoal . Depois de olhar por cima do site que eu livro marcada e provavelmente vai vir de novo para ler os seus posts novos !

 

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