segunda-feira, 16 de abril de 2007

ESQUEMAS


José Sócrates respondeu por fim às questões relativas ao seu processo de licenciatura.


E
os esclarecimentos que prestou confirmam que vivemos num país de esquemas e de expedientes. A frequência da licenciatura foi recheada de incidentes: um mesmo professor para quatro cadeiras, uma cadeira dada particularmente pelo reitor e, principalmente, a frequência de uma Universidade sem a apresentação prévia da necessária habilitação. José Sócrates atestou que é assim que se faz em todas as universidades, o que é extremamente preocupante.

A licenciatura de Sócrates não adianta nem atrasa rigorosamente nada para o exercício das funções de primeiro-ministro.
Só num país de parolos é que as pessoas valem ou não valem em função dos títulos que exibem. E, sendo assim, valem mesmo que os títulos sejam obtidos pelas formas mais enviesadas. Porque sendo certo que o primeiro-ministro não tem que ser engenheiro ou doutor, a verdade é que com os mesmos incidentes de percurso nas carreiras académicas haverá uma chusma de doutores e engenheiros exercendo funções graças a esses graus sem a devida habilitação para além de um canudo obtido sabe-se lá como. A produção de licenciados em massa, designadamente através das mais obscuras universidades privadas, fez parte de uma estratégia para iludir o atraso real em que Portugal continua a viver, criar uma virtualidade estatística para exibir lá fora e formar uma clientela de doutores transitados directamente das juventudes partidárias.

Talvez o
caso da licenciatura de José Sócrates não encontre mais pernas para andar. Mas o caso da Independente continua e seria útil que o Governo não deixasse cair o inquérito que prometeu realizar à situação de todas as Universidades privadas.

João P. Guerra

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1 Comments:

At 16 de abril de 2007 às 14:36, Anonymous Anónimo said...

No mundo de Sócrates, não existem “favorecimentos”[...]. O “aluno normal” e o “humilde deputado” é hoje primeiro-ministro de Portugal.

A entrevista de José Sócrates foi a imagem de um País. Dono do silêncio e dono das palavras, o primeiro-ministro fez o retrato de um Portugal desconhecido. No mundo de Sócrates, não existem “favorecimentos”, nem “influências”, nem “falhas de carácter”. No mundo de Sócrates, reina a informalidade, a boa vontade e a compreensão. O “rigor do bom-senso” governa a Nação. A “cortesia” decide sobre os títulos universitários. O “aluno normal” e o “humilde deputado” é hoje primeiro-ministro de Portugal. Em noite de expectativa, José Sócrates compareceu perante o “tribunal da opinião pública” e garantiu a normalidade da situação. O País queria ser convencido e convenceu-se. Aliviado de toda a dúvida, Portugal dormiu descansado.

Afinal a crise política não passou de um problema de comunicação. O silêncio do primeiro-ministro foi interpretado como prova de incompetência, sintoma de arrogância e tique de impunidade. Nada mais longe da verdade. E a verdade é que José Sócrates ponderou o “interesse nacional” e o “curso normal da governação”. Perante um mundo de insinuações, o primeiro-ministro resistiu na sua honra e optou pela “superioridade e indiferença próprias de um homem de Estado”. Em nome dos portugueses, o Estado agradece.

Mas com a política centrada na personalidade do primeiro-ministro, com a política transformada numa questão de carácter, José Sócrates falhou em toda a linha. Dono de um Governo sem ideologia, hesitante na acção política, impenitente na “modernização” do País, o rosto de Sócrates confunde-se com a imagem do Governo. Entre diplomas e certidões, fica a imagem de um percurso académico marcado pela ficção e pela ambição política. Mas fica sobretudo o retrato de um País pequeno, um País que reage ao snobismo com o provincianismo dos títulos académicos de circunstância. No fundo, é o velho Portugal da província, pobre e humilde que, chegado à capital, não consegue esconder o deslumbramento e o complexo de inferioridade.

José Sócrates não é dado a estados-de-alma. Mas neste infantil episódio, Sócrates foi o rosto moderno de um Portugal antigo. Um Portugal distante do cidadão comum e em que a “excepção” e o “privilégio” são apenas a regra, logo a normalidade

 

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