segunda-feira, 16 de julho de 2007

CHICOESPERTICE...

Passar a perna ao vizinho faz parte do dia-a-dia dos portugueses, que encaram, a chicoespertice como a coisa mais natural do mundo.

Quando esta quinta-feira vi Ricardo Sá Fernandes na SIC Notícias, não consegui evitar um aperto no estômago e uma enorme vergonha por ser portuguesa.
A coragem e integridade do advogado, por ter colaborado com a Polícia Judiciária na recolha de provas que permitiram levar o administrador da Bragaparques, Domingos Névoa, a tribunal pelo crime de corrupção activa para acto ilícito, trouxe-lhe, disse, enormes custos pessoais e fá-lo sentir medo, sobretudo, pela sua família.
Sabemos dos episódios dos assaltos, no mesmo dia, à sua residência e escritório, mas desconhecemos que outras coisas lhe poderão, eventualmente, ter acontecido por ter entregue à Justiça alguém que alegadamente terá tentado, através de si, corromper o seu irmão José Sá Fernandes, então vereador da Câmara Municipal de Lisboa.
À medida que Ricardo Sá Fernandes respondia às perguntas da jornalista Ana Lourenço, lembrei-me de uma frase sua, dita há alguns meses: É bom que tais palavras [de Domingos Névoa] possam vir a ser ouvidas, já que estas gravações vão ter o mesmo efeito que as imagens do cemitério de Santa Cruz em Timor tiveram na política internacional.
Infelizmente, isso seria um milagre numa sociedade como a portuguesa habituada a viver dos esquemas e esquemazinhos e que encara a chicoespertice a coisa mais natural do mundo.
Passar a perna ao vizinho é uma arma que faz parte do dia-a-dia dos portugueses, que lhes confere uma sensação de vitoriazinha assim que deitam a cabeça no travesseiro.
Tal como disse Ricardo Sá Fernandes, nesta quarta-feira, dia em que foi conhecida a decisão do tribunal de levar Domingos Névoa a julgamento, as pessoas habituaram-se a viver neste lamaçal.


Como todos os crimes de colarinho branco, o da corrupção beneficia de uma tolerância de uma sociedade primitiva que só reage quando vê muito sangue.
Uma sociedade entorpecida que, sabendo que é na Administração Central e Local que se regista o maior número de casos de suspeitas de corrupção, se limita a reagir com a desconfiança.


Os sucessivos governos têm feito do combate à corrupção uma bandeira política, Portugal dispõe dos mecanismos legais para o fazer, mas as falhas nos meios de investigação e na execução mantêm as portas abertas aos corruptores e aos corruptos.
Deficiências sobejamente identificadas e que constam de qualquer relatório sério, que servem de mote a acesas conversas de café sobre as desgraças do país, mas que estão longe de provocar nos cidadãos a indignação devida.
Não é, por isso, de estranhar a quase total indiferença com que a sociedade portuguesa recebe a notícia de que Domingos Névoa vai ser julgado pelo crime de corrupção.
Enfim…
Muito obrigada Ricardo Sá Fernandes por se esforçar por um país do faz-de-conta!

Sílvia de Oliveira

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2 Comments:

At 17 de julho de 2007 às 16:08, Anonymous Anónimo said...

Era com tristeza que, há uns anos, chocávamos contra notícias do Terceiro Mundo. Depois da vergonhosa noite eleitoral de Lisboa, apetece dizer: esta cidade é o primeiro aeroporto do Quarto Mundo. A política portuguesa acabou de descobrir o Politicómetro: uma equação que, a partir de agora, nos pode permitir medir o índice de medo dos eleitores em qualquer próxima eleição.
Em Lisboa ninguém ganhou: todos perderam. Especialmente o respeito dos eleitores. A democracia portuguesa está assente numa aritmética muito simples: defendem-se interesses e, para isso ser possível, é necessário alcançar o poder. Conseguido o fim, quem fornece os meios tem direito a parte da canja do erário público. Os próximos dois anos prometem um Politicómetro frenético. Criou-se um novo conceito de propaganda: as eleições em Lisboa são para as pessoas de Cabeceiras de Basto e do Alandroal. Espera-se ansiosamente que as próximas eleições nesses locais sejam para os eleitores de Lisboa, aliciadas a deslocar-se aí para um piquenicão. É a chamada descentralização participativa: o que interessa é iludir os incautos e os pacóvios. A democracia portuguesa está ao nível da megafeijoada: os partidos hão-de comer tanto que rebentarão. Os próximos anos prometem o melhor do tempo de Mobutu, cuja herança ainda deve estar ali para os lados da Portela em forma de avião. O cinzentismo e a ética de quem é contra o betão nos dias em que faz arte e é a favor nos em que é poder tomaram conta deste país do Quarto Mundo.

 
At 17 de julho de 2007 às 16:10, Anonymous Anónimo said...

Costuma dizer-se que as democracias geram sempre soluções para as suas crises. Quem olhar para os resultados das eleições em Lisboa (um cartão amarelo-alaranjado a partidos e candidatos), e para as reacções que se seguiram, deve estar a pensar que não é assim.

Houve partidos que perderam mas não perderam, como PCP e Bloco de Esquerda (afinal pouca gente achou que o Zé faz falta); partidos que não entenderam o que lhes caiu em cima (CDS); partidos que ganharam, mas estão de mãos atadas (PS). Depois houve personalidades: Carmona Rodrigues, que humilhou o PSD, e Helena Roseta, que foi uma surpresa (tivesse sido ela a candidata do PS...).

O maior perdedor foi Paulo Portas. Regressou ao CDS à estalada, escolheu um "peso-pluma" (Telmo Correia) e saiu maltratado. O teste eleitoral veio cedo demais? Sim, mas em política não se controla "timings". Marques Mendes está melhor do que Portas, mas o seu futuro é incerto: até pode ganhar as "directas", que muito bem convocou, mas o partido vê-o cada vez mais como um regente.

António Costa não tem votos que lhe permitam milagres. Mas não era isso que queria? Qualquer que fosse o resultado, os próximos dois anos seriam sempre de "empata". À espera de 2009! O problema é que o eleitorado dá sinais de estar farto do "sistema". Não é para menos: Lisboa está à beira do abismo.

 

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