OS PERIGOS DO CALCULISMO NO PSD
O que eu digo sobre a liderança actual do PSD não é surpresa para ninguém e, como não sou candidato a nenhum lugar, não tenho a tentação de medir as minhas palavras nem ao metro, quanto mais ao milímetro. É verdade que, mesmo que o fosse, hoje faria o mesmo, falaria na mesma, porque penso que não vale a pena as pessoas enfeitarem-se com silêncios e pudores e prudências e tácticas, quando o problema de fundo é suficientemente grave para exigir outra atitude. O facto de o PSD caminhar para as eleições de 2009 sem sequer a remota esperança de ser uma alternativa, é um problema nacional. A falta de tónus crítico e a desesperança na sociedade portuguesa reflectem o facto de esta não se reconhecer no sistema partidário como instrumento de mudança e acabar por protestar usando veículos como os sindicatos da CGTP. Historicamente foi o PSD que forneceu esse contraponto, hoje não é. A visita de Menezes à Fenprof, em si, não teria nada de mal, porque os sindicatos não são pestíferos, porém no momento actual ela significa o encontro de um fraco diante de um forte, o encontro de uma oposição ineficaz com uma oposição eficaz, uma admissão de impotência deixando atrás de si um ónus grave para qualquer governo do PSD que queira fazer reformas.
Há quem diga, num resto da cultura antiga de partido-camisola, que falar como eu falo é que impede o caminho glorioso do PSD para o poder. Acho isto uma treta, se me permitem usar um plebeísmo. Uma liderança que se afirmasse junto do país, e isso é que conta, nunca seria sequer beliscada pelo comentário político, que aliás já tem a maturidade e independência suficiente para reconhecer, caso existisse, o mérito de uma solução mesmo contra as opções pessoais. O problema do PSD não sou eu, nem Marcelo, nem nenhuma das vozes críticas, é Menezes, a sua direcção e entourage, uma parte da qual permanece discreta fora dos lugares, e é um partido cujo rank and file não quer de todo admitir que as suas escolhas messiânicas, desde o menino guerreiro ao actual líder, não querem defrontar os verdadeiros problemas do partido e da sua relação com o país, a crise enorme de credibilidade a nível nacional, a falta de esclarecimento e responsabilidade em casos como o do casino, ou todos os que, sendo assacados ao PP, ocorreram em governos com primeiros-ministros PSD que são obrigados a explicar o seu papel. Ora o PSD prepara-se para chegar a 2009 com face da derrota de 2005 e, por muito que isso possa agradar a Santana Lopes, para pela enésima vez se medir com o seu próprio espelho, é péssimo para o PSD e o país.
Mas há outras responsabilidades. Há no PSD quem seja candidato à liderança, ou pense que o possa ser, que tem a pior das ideias sobre a situação do partido e a sua liderança, e que mesmo assim ande enredado em palavras mansas e institucionais e prudentes e... hipócritas. Quando ouço dizer que Menezes deve cumprir o seu mandato, ou que é preciso dar tempo a esta liderança para mostrar o que vale, por parte de pessoas que não têm nenhuma dúvida sobre o que ele vale, e que no fundo só estão à espera que ele perca as eleições, assunto sobre o qual não têm também a mais pequena dúvida, eu tendo a pensar que elas são parte do problema e não da solução. Menezes é também filho desses cálculos.
Já o argumento de Marcelo, que lhe marcou o prazo de validade para o Verão, de que os militantes mais activos do PSD, os da camisola, ainda não estão convencidos de que Menezes não chega lá, porque ele anda a dizer nos almoços e jantares de fim-de-semana que subiu nas sondagens, deve ser tomado mais em consideração. Penso, aliás, que é verdade, que ainda não se esgotou a esperança do milagre do já, que foi um elemento fundamental da sua vitória sobre Marques Mendes, e que, como Menezes faz o grosso da sua actividade para dentro do partido numa nunca acabada campanha eleitoral junto das bases, isto cria um ecossistema blindado ao que pensa o país. Mesmo assim, a esperança já mirrou muito, mesmo entre muitos dos votantes de Menezes. Porém, a quatro meses e meio depois, um tempo que tem que ser medido psicologicamente em função das expectativas geradas, Menezes já não pode contar com os silêncios de complacência iniciais. Basta ler os jornais e ver os noticiários da rádio e da televisão para se perceber que as línguas já se soltaram, porque até agora só eu e Paula Teixeira da Cruz não fizemos este lip service ao silêncio de circunstância, que é uma atitude que me parece muito falsa, porque leva as pessoas a estarem a dizer coisas em que não acreditam para não agitarem as águas, a não ser quando for o tempo. O problema é que já de há muito que é o tempo, para falar com franqueza, em bom rigor desde a coligação PSD/PP que já era tempo. Mas, mais vale tarde do que nunca.
Os exemplos são diários. Nuno Morais Sarmento desmantelou a superficialidade da proposta de Menezes sobre a televisão (aliás, tão ad hoc como as outras que apresentou na entrevista) e Aguiar Branco fez o mesmo no dia seguinte. Não concordo com nada do que disse Morais Sarmento sobre a televisão pública, mas ele tem, como Aguiar Branco, razão num aspecto crucial: as propostas de Menezes são tão pontuais, casuísticas, desirmanadas e disparatadas que nem sequer podem ser tomadas a sério. Elas não representam qualquer reflexão de conjunto que justifique sequer discuti-las e são apenas afirmações tácticas para marcar uns pontinhos no sítio e com o público pretendido. Na SIC eram para Balsemão ouvir, na Fenprof para os professores, e noutros sítios para os autarcas, ou para as bases, nunca para a governação.
António Capucho foi ainda mais longe numa entrevista ao Diário Económico e disse que Menezes é desastroso e que afasta as figuras (...) mais importantes no partido em termos de credibilidade [que] estão a ser alvo de gestos de desconsideração gratuita, e mesmo Ângelo Correia só à terceira insistência de Mário Crespo na SICN é que respondeu que sim, que se reconhecia na liderança de Menezes. Depois sugeriu, de forma elíptica, que a principal razão porque o fazia era porque ele rompia com vinte anos de partido, ou seja, com Barroso e Cavaco, com quem tem contas a ajustar. Com tanto entusiasmo, talvez seja por isso que Ângelo Correia está prudentemente a procurar-lhe um sucessor.
As línguas soltaram-se, mas os cálculos não. Quais são os cálculos? Um, e fundamental, é a falta de confiança na possibilidade de o PSD ganhar as eleições em 2009, não com Menezes, que isso estão todos tão certos como dois e dois serem quatro, mas com eles. Sabem que Menezes não ganha, mas também pensam que não são capazes de ganhar e esperam por melhores tempos, que o ciclo político mude e seja tiro e queda, partido hoje, governo amanhã. Esta indiferença face ao facto de o PS poder ir governar mais quatro anos, isso sim, me parece ser de mau PSD.
Associado à ideia de que não é preciso nenhuma urgência para mudar a situação está o cálculo de pensar-se que, como Menezes espera sentado que Sócrates caia, outros esperam sentados que Menezes caia. Esperar sentado é pelos vistos um hábito nacional, mas, se num ou noutro caso resulta, como com Barroso face a Guterres, não me parece que esta geração Menezes-Sócrates, que são políticos profissionais desde pequeninos, se deixe tirar a não ser à bomba, como diz Menezes.
Dito isto tudo, a situação está tão feia que só há uma pequena oportunidade que pode dar grandes resultados: apareça, o mais cedo possível, um candidato credível, que os há vários, credível acima de tudo junto da sociedade, honesto, lúcido, incomodado com o estado do país, dedicado à causa pública, com um programa alternativo ao do PS, que também não é difícil de fazer, que fale língua da gente e não politiquês, que se deixe de calculismos e arrisque tudo, e vamos ver se então muita coisa não muda mesmo. Mas para isso não é preciso que Menezes queira ou não, é preciso que o PSD o queira e esta é que é a questão mais complicada, porque o país só acredita numa mudança quando ela for a doer, começando por defrontar os erros do PSD e corrigindo-os.
Veremos. Talvez uns acreditem numa forma de milagre, eu noutro. No fundo, somos todos irremediavelmente crentes. Pelo menos nalgumas ocasiões o Senhor podia ajudar o PSD, que bem precisa. Ámen.
José Pacheco Pereira
Há quem diga, num resto da cultura antiga de partido-camisola, que falar como eu falo é que impede o caminho glorioso do PSD para o poder. Acho isto uma treta, se me permitem usar um plebeísmo. Uma liderança que se afirmasse junto do país, e isso é que conta, nunca seria sequer beliscada pelo comentário político, que aliás já tem a maturidade e independência suficiente para reconhecer, caso existisse, o mérito de uma solução mesmo contra as opções pessoais. O problema do PSD não sou eu, nem Marcelo, nem nenhuma das vozes críticas, é Menezes, a sua direcção e entourage, uma parte da qual permanece discreta fora dos lugares, e é um partido cujo rank and file não quer de todo admitir que as suas escolhas messiânicas, desde o menino guerreiro ao actual líder, não querem defrontar os verdadeiros problemas do partido e da sua relação com o país, a crise enorme de credibilidade a nível nacional, a falta de esclarecimento e responsabilidade em casos como o do casino, ou todos os que, sendo assacados ao PP, ocorreram em governos com primeiros-ministros PSD que são obrigados a explicar o seu papel. Ora o PSD prepara-se para chegar a 2009 com face da derrota de 2005 e, por muito que isso possa agradar a Santana Lopes, para pela enésima vez se medir com o seu próprio espelho, é péssimo para o PSD e o país.
Mas há outras responsabilidades. Há no PSD quem seja candidato à liderança, ou pense que o possa ser, que tem a pior das ideias sobre a situação do partido e a sua liderança, e que mesmo assim ande enredado em palavras mansas e institucionais e prudentes e... hipócritas. Quando ouço dizer que Menezes deve cumprir o seu mandato, ou que é preciso dar tempo a esta liderança para mostrar o que vale, por parte de pessoas que não têm nenhuma dúvida sobre o que ele vale, e que no fundo só estão à espera que ele perca as eleições, assunto sobre o qual não têm também a mais pequena dúvida, eu tendo a pensar que elas são parte do problema e não da solução. Menezes é também filho desses cálculos.
Já o argumento de Marcelo, que lhe marcou o prazo de validade para o Verão, de que os militantes mais activos do PSD, os da camisola, ainda não estão convencidos de que Menezes não chega lá, porque ele anda a dizer nos almoços e jantares de fim-de-semana que subiu nas sondagens, deve ser tomado mais em consideração. Penso, aliás, que é verdade, que ainda não se esgotou a esperança do milagre do já, que foi um elemento fundamental da sua vitória sobre Marques Mendes, e que, como Menezes faz o grosso da sua actividade para dentro do partido numa nunca acabada campanha eleitoral junto das bases, isto cria um ecossistema blindado ao que pensa o país. Mesmo assim, a esperança já mirrou muito, mesmo entre muitos dos votantes de Menezes. Porém, a quatro meses e meio depois, um tempo que tem que ser medido psicologicamente em função das expectativas geradas, Menezes já não pode contar com os silêncios de complacência iniciais. Basta ler os jornais e ver os noticiários da rádio e da televisão para se perceber que as línguas já se soltaram, porque até agora só eu e Paula Teixeira da Cruz não fizemos este lip service ao silêncio de circunstância, que é uma atitude que me parece muito falsa, porque leva as pessoas a estarem a dizer coisas em que não acreditam para não agitarem as águas, a não ser quando for o tempo. O problema é que já de há muito que é o tempo, para falar com franqueza, em bom rigor desde a coligação PSD/PP que já era tempo. Mas, mais vale tarde do que nunca.
Os exemplos são diários. Nuno Morais Sarmento desmantelou a superficialidade da proposta de Menezes sobre a televisão (aliás, tão ad hoc como as outras que apresentou na entrevista) e Aguiar Branco fez o mesmo no dia seguinte. Não concordo com nada do que disse Morais Sarmento sobre a televisão pública, mas ele tem, como Aguiar Branco, razão num aspecto crucial: as propostas de Menezes são tão pontuais, casuísticas, desirmanadas e disparatadas que nem sequer podem ser tomadas a sério. Elas não representam qualquer reflexão de conjunto que justifique sequer discuti-las e são apenas afirmações tácticas para marcar uns pontinhos no sítio e com o público pretendido. Na SIC eram para Balsemão ouvir, na Fenprof para os professores, e noutros sítios para os autarcas, ou para as bases, nunca para a governação.
António Capucho foi ainda mais longe numa entrevista ao Diário Económico e disse que Menezes é desastroso e que afasta as figuras (...) mais importantes no partido em termos de credibilidade [que] estão a ser alvo de gestos de desconsideração gratuita, e mesmo Ângelo Correia só à terceira insistência de Mário Crespo na SICN é que respondeu que sim, que se reconhecia na liderança de Menezes. Depois sugeriu, de forma elíptica, que a principal razão porque o fazia era porque ele rompia com vinte anos de partido, ou seja, com Barroso e Cavaco, com quem tem contas a ajustar. Com tanto entusiasmo, talvez seja por isso que Ângelo Correia está prudentemente a procurar-lhe um sucessor.
As línguas soltaram-se, mas os cálculos não. Quais são os cálculos? Um, e fundamental, é a falta de confiança na possibilidade de o PSD ganhar as eleições em 2009, não com Menezes, que isso estão todos tão certos como dois e dois serem quatro, mas com eles. Sabem que Menezes não ganha, mas também pensam que não são capazes de ganhar e esperam por melhores tempos, que o ciclo político mude e seja tiro e queda, partido hoje, governo amanhã. Esta indiferença face ao facto de o PS poder ir governar mais quatro anos, isso sim, me parece ser de mau PSD.
Associado à ideia de que não é preciso nenhuma urgência para mudar a situação está o cálculo de pensar-se que, como Menezes espera sentado que Sócrates caia, outros esperam sentados que Menezes caia. Esperar sentado é pelos vistos um hábito nacional, mas, se num ou noutro caso resulta, como com Barroso face a Guterres, não me parece que esta geração Menezes-Sócrates, que são políticos profissionais desde pequeninos, se deixe tirar a não ser à bomba, como diz Menezes.
Dito isto tudo, a situação está tão feia que só há uma pequena oportunidade que pode dar grandes resultados: apareça, o mais cedo possível, um candidato credível, que os há vários, credível acima de tudo junto da sociedade, honesto, lúcido, incomodado com o estado do país, dedicado à causa pública, com um programa alternativo ao do PS, que também não é difícil de fazer, que fale língua da gente e não politiquês, que se deixe de calculismos e arrisque tudo, e vamos ver se então muita coisa não muda mesmo. Mas para isso não é preciso que Menezes queira ou não, é preciso que o PSD o queira e esta é que é a questão mais complicada, porque o país só acredita numa mudança quando ela for a doer, começando por defrontar os erros do PSD e corrigindo-os.
Veremos. Talvez uns acreditem numa forma de milagre, eu noutro. No fundo, somos todos irremediavelmente crentes. Pelo menos nalgumas ocasiões o Senhor podia ajudar o PSD, que bem precisa. Ámen.
José Pacheco Pereira
Etiquetas: Partido Social Democrata
1 Comments:
Com Sá Carneiro, o PSD foi o partido da fundação e legitimação da direita democrática. Com Cavaco Silva, foi o partido da "modernização" e da "Europa". Depois de Guterres, devia, evidentemente, ter sido o partido da reforma do Estado e da austeridade financeira, que Sócrates quis ser e, como se constata hoje, não conseguiu. Levado por Barroso e por Santana, o PSD balançou entre um liberalismo absurdo, que nem a economia nem as tradições do país permitiam, e um "populismo" de trazer por casa, que afastou o velho eleitorado conservador e não atraiu ninguém de substância. Pouco a pouco, o PSD foi perdendo a sua imagem de responsabilidade e a sua vocação "natural" de poder. A fuga de Barroso e o desastre de Santana consumaram esta decadência. Marques Mendes, quando chegou, já podia fazer pouco, e o advento de Menezes, como seria de prever, institucionalizou uma desordem, que frequentemente roça a loucura.
A situação do PSD é hoje objecto de uma curiosidade irónica. A revista Sábado, por exemplo, publicou um gráfico para explicar ao leigo a inexplicável balbúrdia que por lá vai. O gráfico não inclui qualquer discordância ideológica ou política, só tenta modestamente estabelecer quem "odeia" quem, quem "atura" quem e quem "ama" quem. A ideia que fica não é a de um partido, é a de um bando, dividido e perigoso, em véspera de um ajuste de contas, que só o medo e a ambição precariamente unem. O PSD parece estar (sem saber ou sabendo) a caminho do suicídio. Nenhuma organização resiste a tanto ressentimento e a tanta raiva ou, naquele estado, inspira, cá fora, a mais remota confiança.
Luís Filipe Menezes, que é o chefe em título, não passa de um cacique entre caciques. Não lhe obedecem e não o respeitam. Ele próprio, quando abre a boca, aumenta a discórdia, não a diminui. A maioria que o elegeu preferia agora que ele se escondesse, ou, pelo menos, se calasse. Num ou noutro intervalo lúcido, Menezes percebe a necessidade de se proteger. Mas nem sempre aguenta docilmente o sossego de Gaia e, de quando em quando, rebenta por aí uma bomba gratuita. Esta semana: a supressão da publicidade na RTP e a separação absoluta da medicina privada e da medicina pública. Da cabeça dele sai o que sai, para grande alegria da gente que no PSD o detesta e grande conforto da gente que no PS o acha um milagroso aliado. Não se imagina um retorno à sanidade. O partido de Sá Carneiro (e de Cavaco) começa a morrer.
Vasco Pulido Valente
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