O RANÇO SALAZARISTA
Cada vez mais nos afastamos uns dos outros. Trespassamo-nos sem nos ver. Caminhamos nas ruas com a apática indiferença de sequer sabermos quem somos. Nem interessados estamos em o saber. Os dias deixaram de ser a aventura do imprevisto e a magia do improviso para se transformarem na amarga rotina do viver português e do existir em Portugal.
Deixámos cair a cultura da revolta.
Não falamos de nós.
Enredamo-nos na futilidade das coisas inúteis, como se fossem o atordoamento ou o sedativo das nossas dores. E as nossas dores não são, apenas, d’alma: são, também, dores físicas.
Lemos os jornais e não acreditamos. Lemos, é como quem diz – os que lêem. As televisões são a vergonha do pensamento.
Os comentadores tocam pela mesma pauta e sopram a mesma música.
Há longos anos que a análise dos nossos problemas está entregue a pessoas que não suscitam inquietação em quem os ouve.
Uma anestesia geral parece ter sido adicionada ao corpo da nação.
Um amigo meu, professor em Lille, envia-me um email. Há muitos anos, deixou Portugal. Esteve, agora, por aqui. Lança-me um apelo veemente e dorido: Que se passa com a nossa terra? Parece um país morto. A garra portuguesa foi aparada ou cortada por uma clique, espalhada por todos os sectores da vida nacional e que de tudo tomou conta. Indignem-se em massa, como dizia o Soares.
Nunca é de mais repetir o drama que se abateu sobre a maioria.
Enquanto dois milhões de miúdos vivem na miséria, os bancos obtiveram lucros de 7,9 milhões por dia.
Há qualquer coisa de podre e de inquietantemente injusto nestes números. Dir-se-á que não há relação de causa e efeito.
Há, claro que há.
Qualquer economista sério encontrará associações entre os abismos da pobreza e da fome e os cumes ostensivos das riquezas adquiridas muitas vezes não se sabe como.
Prepara-se (preparam os socialistas modernos de Sócrates) a privatização de quase tudo, especialmente da saúde, o mais rendível. E o primeiro-ministro, naquela despudorada entrevista à SIC, declama que está a defender o SNS!
O desemprego atinge picos elevadíssimos. Sócrates diz exactamente o contrário.
A mentira constitui, hoje, um desporto particularmente requintado.
É impossível ver qualquer membro deste Governo sem ser assaltado por uma repugnância visceral.
O carácter desta gente é inexistente.
Nenhum deles vai aos jornais, às Televisões e às Rádios falar verdade, contar a evidência. E a evidência é a fome, a miséria, a tristeza do nosso amargo viver; os nossos velhos a morrer nos jardins, com reformas de não chegam para comer quanto mais para adquirir remédios; os nossos jovens a tentar a sorte no estrangeiro, ou a desafiar a morte nas drogas; a iliteracia, a ignorância, o túnel negro sem fim.
Diz-se que, nas próximas eleições, este agrupamento voltará a ganhar.
Diz-se que a alternativa é pior.
Diz-se que estamos desgraçados.
Diz um general que recebe pressões constantes para encabeçar um movimento de indignação.
Diz-se que, um dia destes, rebenta uma explosão social com imprevisíveis consequências.
Diz a SEDES, com alguns anos de atraso, como, aliás, é seu timbre, que a crise é muito má.
Diz-se, diz-se.
Bem gostaríamos de saber o que dizem Mário Soares, António Arnaut, Manuel Alegre, Ana Gomes, Ferro Rodrigues (não sei quem mais, porque socialistas, socialistas, poucos há) acerca deste descalabro.
Não é só dizer: é fazer, é agir.
O facto, meramente circunstancial, de este PS ter conquistado a maioria absoluta não legitima as atrocidades governamentais, que sobem em escalada. O paliativo da substituição do sinistro Correia de Campos pela dr.ª Ana Jorge não passa de isso mesmo: paliativo.
Apenas para toldar os olhos de quem ainda deseja ver, porque há outros que não vêem porque não querem.
A aceitação acrítica das decisões governamentais está coligada com a cumplicidade.
Quando Vieira da Silva expõe um ar compungido, perante os relatórios internacionais sobre a miséria portuguesa, alguém lhe devia dizer para ter vergonha.
Não se resolve este magno problema com a distribuição de umas migalhas, que possuem sempre o aspecto da caridadezinha fascista.
Um socialista a sério jamais procedia daquele modo. E há soluções adequadas.
O acréscimo do desemprego está na base deste atroz retrocesso.
Vivemos num país que já nada tem a ver com o País de Abril.
Aliás, penso, seriamente, que pouco tem a ver com a democracia.
O quero, posso e mando de José Sócrates, o estilo hirto e autoritário, moldado em Cavaco, significa que nem tudo foi extirpado do que de pior existe nos políticos portugueses.
Há um ranço salazarista nesta gente. E, com a passagem dos dias, cada vez mais se me acentua a ideia de que a saída só reside na cultura da revolta.
B.B.
Deixámos cair a cultura da revolta.
Não falamos de nós.
Enredamo-nos na futilidade das coisas inúteis, como se fossem o atordoamento ou o sedativo das nossas dores. E as nossas dores não são, apenas, d’alma: são, também, dores físicas.
Lemos os jornais e não acreditamos. Lemos, é como quem diz – os que lêem. As televisões são a vergonha do pensamento.
Os comentadores tocam pela mesma pauta e sopram a mesma música.
Há longos anos que a análise dos nossos problemas está entregue a pessoas que não suscitam inquietação em quem os ouve.
Uma anestesia geral parece ter sido adicionada ao corpo da nação.
Um amigo meu, professor em Lille, envia-me um email. Há muitos anos, deixou Portugal. Esteve, agora, por aqui. Lança-me um apelo veemente e dorido: Que se passa com a nossa terra? Parece um país morto. A garra portuguesa foi aparada ou cortada por uma clique, espalhada por todos os sectores da vida nacional e que de tudo tomou conta. Indignem-se em massa, como dizia o Soares.
Nunca é de mais repetir o drama que se abateu sobre a maioria.
Enquanto dois milhões de miúdos vivem na miséria, os bancos obtiveram lucros de 7,9 milhões por dia.
Há qualquer coisa de podre e de inquietantemente injusto nestes números. Dir-se-á que não há relação de causa e efeito.
Há, claro que há.
Qualquer economista sério encontrará associações entre os abismos da pobreza e da fome e os cumes ostensivos das riquezas adquiridas muitas vezes não se sabe como.
Prepara-se (preparam os socialistas modernos de Sócrates) a privatização de quase tudo, especialmente da saúde, o mais rendível. E o primeiro-ministro, naquela despudorada entrevista à SIC, declama que está a defender o SNS!
O desemprego atinge picos elevadíssimos. Sócrates diz exactamente o contrário.
A mentira constitui, hoje, um desporto particularmente requintado.
É impossível ver qualquer membro deste Governo sem ser assaltado por uma repugnância visceral.
O carácter desta gente é inexistente.
Nenhum deles vai aos jornais, às Televisões e às Rádios falar verdade, contar a evidência. E a evidência é a fome, a miséria, a tristeza do nosso amargo viver; os nossos velhos a morrer nos jardins, com reformas de não chegam para comer quanto mais para adquirir remédios; os nossos jovens a tentar a sorte no estrangeiro, ou a desafiar a morte nas drogas; a iliteracia, a ignorância, o túnel negro sem fim.
Diz-se que, nas próximas eleições, este agrupamento voltará a ganhar.
Diz-se que a alternativa é pior.
Diz-se que estamos desgraçados.
Diz um general que recebe pressões constantes para encabeçar um movimento de indignação.
Diz-se que, um dia destes, rebenta uma explosão social com imprevisíveis consequências.
Diz a SEDES, com alguns anos de atraso, como, aliás, é seu timbre, que a crise é muito má.
Diz-se, diz-se.
Bem gostaríamos de saber o que dizem Mário Soares, António Arnaut, Manuel Alegre, Ana Gomes, Ferro Rodrigues (não sei quem mais, porque socialistas, socialistas, poucos há) acerca deste descalabro.
Não é só dizer: é fazer, é agir.
O facto, meramente circunstancial, de este PS ter conquistado a maioria absoluta não legitima as atrocidades governamentais, que sobem em escalada. O paliativo da substituição do sinistro Correia de Campos pela dr.ª Ana Jorge não passa de isso mesmo: paliativo.
Apenas para toldar os olhos de quem ainda deseja ver, porque há outros que não vêem porque não querem.
A aceitação acrítica das decisões governamentais está coligada com a cumplicidade.
Quando Vieira da Silva expõe um ar compungido, perante os relatórios internacionais sobre a miséria portuguesa, alguém lhe devia dizer para ter vergonha.
Não se resolve este magno problema com a distribuição de umas migalhas, que possuem sempre o aspecto da caridadezinha fascista.
Um socialista a sério jamais procedia daquele modo. E há soluções adequadas.
O acréscimo do desemprego está na base deste atroz retrocesso.
Vivemos num país que já nada tem a ver com o País de Abril.
Aliás, penso, seriamente, que pouco tem a ver com a democracia.
O quero, posso e mando de José Sócrates, o estilo hirto e autoritário, moldado em Cavaco, significa que nem tudo foi extirpado do que de pior existe nos políticos portugueses.
Há um ranço salazarista nesta gente. E, com a passagem dos dias, cada vez mais se me acentua a ideia de que a saída só reside na cultura da revolta.
B.B.
Etiquetas: José Sócrates, Partido Socialista, Portugal
1 Comments:
Uma das formas mais primária de exploração humana foi o colonialismo que ao longo da sua história evoluiu no modelo de exploração dos recursos naturais e dos povos colonizados. Na sua fase final, ultrapassado o tempo do esclavagismo, o capitalismo criou um dos modelos mais primários de mercado, a cantina. Os trabalhadores recebiam o magro salário e rapidamente ficavam dependentes do fiado da cantina, prisioneiros de uma dívida eterna ao patrão.
Nos países do ocidente este modelo desapareceu mais cedo, o desenvolvimento das economias e o medo do comunismo levou a que o modelo social se tornasse mais justo, a distribuição mais justa dos rendimentos promoveu o consumo, os trabalhadores passaram a ser também consumidores e sujeitos fiscais, de tal forma que para muitas empresas os trabalhadores são hoje mais importantes enquanto consumidores do que enquanto assalariados.
A melhoria dos rendimentos da generalidade dos trabalhadores depende mais da redução da carga fiscal ou dos preços dos bens de consumo, da energia ou dos serviços do que dos aumentos salariais. Os ganhos resultantes de aumentos ligeiramente superiores à inflação são substancialmente inferiores à perdas resultantes do aumento da carga fiscal (só o IVA aumentou nos últimos anos de 17% para 21%), do aumento generalizado dos preços dos bens de consumo e da energia e dos níveis elevados das taxas de juro reais praticadas pelos nossos banqueiros.
Não admira que Belmiro de Azevedo tenha vindo criticar as práticas da banca, que são as mesmas que o patrão da SONAE segue nos seus hipermercados ou na sua empresa de telecomunicações. Belmiro, que raramente o ouvimos protestar contra salários mais altos que resultariam num aumento de vendas das suas empresas, vem protestar contra os excessos da banca na cobrança de comissões, acusando os banqueiros de terem vida fácil.
Os nossos empresários já disputam entre eles para ver quem consegue vender os que os portugueses ainda conseguem comprar, os bancos cobram comissões gigantescas perante a passividade de Vítor Constâncio, as empresas de telecomunicações praticam o oligopólio perante a passividade da Autoridade da Concorrência e vendem gato por lebre na internet perante a distracção da ANACOM. Perante uma situação de crise já se acusam uns aos outros de roubar em demasia, como fez Belmiro em relação à banca.
Voltámos à lógica do capitalismo de capitalismo de cantina, só que agora os senhores não têm o exclusivo do consumo na sua fazenda, por isso mesmo já se zangam em público.
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