O HOMEM INDISPENSÁVEL
Nunes Correia é a chave do desenvolvimento económico do país. Há quem tenha pensado que Sócrates se esqueceu de o remodelar na recente mudança da equipa governamental.
Nada mais errado: Sócrates não só não se esqueceu como ainda tem em alto apreço a compreensão que o seu ministro do Ambiente e do Território tem revelado, sem desfalecimentos, para com a necessidade de crescimento da economia, do investimento estrangeiro e da criação de emprego.
Sócrates tem uma fé inabalável na construção civil e no turismo como motores do desenvolvimento económico.
Tudo o resto - incluindo algumas reformas que são de louvar - poderá produzir efeitos a médio ou longo prazo, ou até mesmo falhar.
Mas a construção e o turismo, acredita o primeiro-ministro, são as únicas coisas que lhe garantem resultados a curto prazo - mesmo que a longo prazo coloquem problemas graves de sustentabilidade ao país.
Mas, a longo prazo, estamos todos mortos...
A fé do primeiro-ministro e a sua determinação de bulldozer não consentiriam a coabitação com um ministro do Ambiente e do Território que ousasse preocupar-se com o ambiente e o território. E nisso Nunes Correia tem sido o mais dócil e compreensivo dos ministros.
Em trinta anos que já levo a olhar para a coisa, já vi muitos ministros do Ambiente: bons, maus, sofríveis, corajosos ou acomodados.
Nunca conheci nenhum cuja inutilidade fosse tão absoluta.
O problema é que, quando se é ministro do Ambiente e, para mais, de um governo que apostou em transformar todo o património natural que resta em território PIN, ser-se inútil não é ser-se inócuo: pelo contrário, é ser-se deliberadamente útil ao crime projectado.
Os investidores projectam, Nunes Correia assina e a obra nasce.
Nasce em qualquer lado, mas sempre e de preferência onde era suposto não poder nascer: na Rede Natura, em áreas da Reserva Agrícola ou Ecológica, nas rias, nos sapais, no montado ou até em cima de grutas ou promontórios (!), como sucede no Algarve.
Para enganar os tolos, dizem o mesmo de sempre: que isto não é turismo de massas, mas sim de qualidade.
Mas basta olhar para a lista dos investidores com projectos já aprovados para Alqueva, e onde se incluem alguns dos piores patos-bravos do país, para perceber o que eles entendem por qualidade.
Para acabar de vez com a sua linda obra só falta a este Governo e a este ministro darem a machadada final que têm em estudo: transferir para as autarquias a faculdade de decidir a delimitação das Áreas de Reserva Agrícola e Ecológica.
Seria como confiar a um assaltante de bancos a guarda das reservas de ouro do Banco de Portugal.
Esta semana que passou foi particularmente exigente para o pobre ministro do Ambiente.
Na segunda-feira e no rescaldo, mais do que previsível, das chuvas em Lisboa, sua excelência descobriu de repente que as mesmas autarquias a quem quer confiar a guarda da natureza continuam a autorizar a construção em leitos de cheia e a impermeabilização selvagem dos solos.
No dia seguinte teve de emendar a mão, ao aperceber-se de que estava a enfrentar poderosos cabos eleitorais do partido que lhe abriu as portas do Governo, e veio dizer que, afinal, a culpa é colectiva.
Mas há-de morrer solteira, até à próxima cheia.
A seguir foi a Madrid, ouvir os queixumes da sua homóloga de Espanha - o país que mais água gasta e desperdiça em toda a Europa e, por isso mesmo, a braços com nova seca.
Aceitou que os caudais mínimos dos rios internacionais, até aqui fixados ao ano, passem a ser fixados ao mês, à semana e até ao dia: cheira-me a marosca dos espanhóis.
Depois, e como os espanhóis precisam de continuar a garantir o abastecimento de água às centenas de campos de golfe do sul de Espanha - o tal turismo de qualidade que queremos copiar - o ministro aceitou também passar a bombear água de Alqueva para Espanha.
Notem bem: com a água da barragem paga pelos portugueses, vamos fornecer água aos regadios intensivos da Andaluzia, para que eles depois nos vendam os seus produtos agrícolas a preços que esmagam a concorrência dos nossos.
A seguir, declara-se que a nossa agricultura não tem futuro e avança-se para os golfes e os aldeamentos turísticos de qualidade...
Infelizmente, parece que não ocorreu a esta alma generosa perguntar à sua colega espanhola o que é isso de uma refinaria que consta que querem fazer em Badajoz, mesmo a montante... da água de Alqueva.
Mal chegado de Espanha, e eis que Nunes Correia se depara com o triunfo da providência cautelar que mandou suspender as obras do projecto Costa Terra, um investimento suíço para Grândola - o primeiro dos celebrados projectos PIN para o litoral alentejano.
Uma chatice dos diabos: 578 milhões de euros de investimento, 2200 camas turísticas e, garantem os promotores e o Governo, 1260 postos de trabalho directos e mais 3000 indirectos (a propósito: ninguém acha estranho este número - dois empregados por cliente?).
E se os outros projectos levam o mesmo destino, porque é que o ministro achou que um PIN vale bem uma Rede Natura?
Na 5ª-feira, para ajudar à festa, a Universidade do Algarve divulgou as conclusões preliminares de um estudo sobre as consequências que poderia ter no Algarve um terramoto seguido de tsunami, como o de 1755: 3000 mortos, 27.000 desalojados, metade das construções do Barlavento inundadas e destruídas.
Escreveu-se no relatório que os exemplos recentes do Sudoeste Asiático não fazem temer os promotores imobiliários, que continuam a construir blocos de apartamentos e empreendimentos turísticos em cima de falésias e linhas de água, ignorando os alertas de perigo e os exemplos do passado.
No silêncio do seu gabinete, meditando em tudo o que já foi aprovado no seu consulado, sua excelência deve ter desejado ardentemente que o tsunami do Algarve seja como a grande cheia prometida para Lisboa e Vale do Tejo: que, quando vier, já ninguém se lembre de um tal de Nunes Correia.
Mas há uma coisa de que eu me lembro ainda: da luta titânica do sr. ministro para salvar as dunas da Costa de Caparica, no ano passado.
Dias a fio, as televisões passaram imagens de camionetas e escavadoras a colocarem areia afanosamente sobre as arribas em cima das quais repousava um restaurante, em precário equilíbrio.
Dir-se-ia que o ministro fazia depender da sobrevivência daquele restaurante a sua entrada na imortalidade.
Esta semana, vi publicada uma fotografia das obras de um restaurante (não sei se o mesmo) na mesma duna salva por Nunes Correia. E não é que a duna tinha sido toda escavada e de novo destruída para a obra do restaurante? Pelo amor de Deus! - pensei para comigo - tenham respeito pelo ministro!.
Se não se salva a duna da Costa de Caparica, salva-se o quê - o pobre e eterno lince da Malcata?
Miguel Sousa Tavares
Sócrates tem uma fé inabalável na construção civil e no turismo como motores do desenvolvimento económico.
Tudo o resto - incluindo algumas reformas que são de louvar - poderá produzir efeitos a médio ou longo prazo, ou até mesmo falhar.
Mas a construção e o turismo, acredita o primeiro-ministro, são as únicas coisas que lhe garantem resultados a curto prazo - mesmo que a longo prazo coloquem problemas graves de sustentabilidade ao país.
Mas, a longo prazo, estamos todos mortos...
A fé do primeiro-ministro e a sua determinação de bulldozer não consentiriam a coabitação com um ministro do Ambiente e do Território que ousasse preocupar-se com o ambiente e o território. E nisso Nunes Correia tem sido o mais dócil e compreensivo dos ministros.
Em trinta anos que já levo a olhar para a coisa, já vi muitos ministros do Ambiente: bons, maus, sofríveis, corajosos ou acomodados.
Nunca conheci nenhum cuja inutilidade fosse tão absoluta.
O problema é que, quando se é ministro do Ambiente e, para mais, de um governo que apostou em transformar todo o património natural que resta em território PIN, ser-se inútil não é ser-se inócuo: pelo contrário, é ser-se deliberadamente útil ao crime projectado.
Os investidores projectam, Nunes Correia assina e a obra nasce.
Nasce em qualquer lado, mas sempre e de preferência onde era suposto não poder nascer: na Rede Natura, em áreas da Reserva Agrícola ou Ecológica, nas rias, nos sapais, no montado ou até em cima de grutas ou promontórios (!), como sucede no Algarve.
Para enganar os tolos, dizem o mesmo de sempre: que isto não é turismo de massas, mas sim de qualidade.
Mas basta olhar para a lista dos investidores com projectos já aprovados para Alqueva, e onde se incluem alguns dos piores patos-bravos do país, para perceber o que eles entendem por qualidade.
Para acabar de vez com a sua linda obra só falta a este Governo e a este ministro darem a machadada final que têm em estudo: transferir para as autarquias a faculdade de decidir a delimitação das Áreas de Reserva Agrícola e Ecológica.
Seria como confiar a um assaltante de bancos a guarda das reservas de ouro do Banco de Portugal.
Esta semana que passou foi particularmente exigente para o pobre ministro do Ambiente.
Na segunda-feira e no rescaldo, mais do que previsível, das chuvas em Lisboa, sua excelência descobriu de repente que as mesmas autarquias a quem quer confiar a guarda da natureza continuam a autorizar a construção em leitos de cheia e a impermeabilização selvagem dos solos.
No dia seguinte teve de emendar a mão, ao aperceber-se de que estava a enfrentar poderosos cabos eleitorais do partido que lhe abriu as portas do Governo, e veio dizer que, afinal, a culpa é colectiva.
Mas há-de morrer solteira, até à próxima cheia.
A seguir foi a Madrid, ouvir os queixumes da sua homóloga de Espanha - o país que mais água gasta e desperdiça em toda a Europa e, por isso mesmo, a braços com nova seca.
Aceitou que os caudais mínimos dos rios internacionais, até aqui fixados ao ano, passem a ser fixados ao mês, à semana e até ao dia: cheira-me a marosca dos espanhóis.
Depois, e como os espanhóis precisam de continuar a garantir o abastecimento de água às centenas de campos de golfe do sul de Espanha - o tal turismo de qualidade que queremos copiar - o ministro aceitou também passar a bombear água de Alqueva para Espanha.
Notem bem: com a água da barragem paga pelos portugueses, vamos fornecer água aos regadios intensivos da Andaluzia, para que eles depois nos vendam os seus produtos agrícolas a preços que esmagam a concorrência dos nossos.
A seguir, declara-se que a nossa agricultura não tem futuro e avança-se para os golfes e os aldeamentos turísticos de qualidade...
Infelizmente, parece que não ocorreu a esta alma generosa perguntar à sua colega espanhola o que é isso de uma refinaria que consta que querem fazer em Badajoz, mesmo a montante... da água de Alqueva.
Mal chegado de Espanha, e eis que Nunes Correia se depara com o triunfo da providência cautelar que mandou suspender as obras do projecto Costa Terra, um investimento suíço para Grândola - o primeiro dos celebrados projectos PIN para o litoral alentejano.
Uma chatice dos diabos: 578 milhões de euros de investimento, 2200 camas turísticas e, garantem os promotores e o Governo, 1260 postos de trabalho directos e mais 3000 indirectos (a propósito: ninguém acha estranho este número - dois empregados por cliente?).
E se os outros projectos levam o mesmo destino, porque é que o ministro achou que um PIN vale bem uma Rede Natura?
Na 5ª-feira, para ajudar à festa, a Universidade do Algarve divulgou as conclusões preliminares de um estudo sobre as consequências que poderia ter no Algarve um terramoto seguido de tsunami, como o de 1755: 3000 mortos, 27.000 desalojados, metade das construções do Barlavento inundadas e destruídas.
Escreveu-se no relatório que os exemplos recentes do Sudoeste Asiático não fazem temer os promotores imobiliários, que continuam a construir blocos de apartamentos e empreendimentos turísticos em cima de falésias e linhas de água, ignorando os alertas de perigo e os exemplos do passado.
No silêncio do seu gabinete, meditando em tudo o que já foi aprovado no seu consulado, sua excelência deve ter desejado ardentemente que o tsunami do Algarve seja como a grande cheia prometida para Lisboa e Vale do Tejo: que, quando vier, já ninguém se lembre de um tal de Nunes Correia.
Mas há uma coisa de que eu me lembro ainda: da luta titânica do sr. ministro para salvar as dunas da Costa de Caparica, no ano passado.
Dias a fio, as televisões passaram imagens de camionetas e escavadoras a colocarem areia afanosamente sobre as arribas em cima das quais repousava um restaurante, em precário equilíbrio.
Dir-se-ia que o ministro fazia depender da sobrevivência daquele restaurante a sua entrada na imortalidade.
Esta semana, vi publicada uma fotografia das obras de um restaurante (não sei se o mesmo) na mesma duna salva por Nunes Correia. E não é que a duna tinha sido toda escavada e de novo destruída para a obra do restaurante? Pelo amor de Deus! - pensei para comigo - tenham respeito pelo ministro!.
Se não se salva a duna da Costa de Caparica, salva-se o quê - o pobre e eterno lince da Malcata?
Miguel Sousa Tavares
Etiquetas: Ambiente, Amigos do Partido Socialista, Barragem de Montargil, Câmara Municipal de Ponte de Sor, Carlos Saraiva, Chamar os Bois pelos Nomes, José Sócrates, Partido Socialista, Patos Bravos
4 Comments:
Vive num "país das maravilhas", que só existe na cabeça dele. Não passa de um burocrata, ou de um tecnocrata, sem destino, nem visão. É cinzento, baço, previsível, medíocre. Falo, evidentemente, de Sócrates, mais precisamente, do que dizem dele os "comentadores" de toda a parte e de toda a espécie. Mas, sem discordar no essencial, acho que nenhum deles conseguiu ainda perceber bem como o homem funciona. Ora, a última entrevista foi um óptimo exemplo da maneira como ele vê o mundo e se vê a si mesmo. Basta pensar no que ele disse, e principalmente no que não disse, sobre educação, um assunto sobre que sempre se interessou e uma "área" de governo em que se orgulha de ter feito grandes reformas. Nada melhor do que o seguir de cada argumento a cada conclusão para chegar ao retrato do verdadeiro Sócrates.
Para começar, lembrou logo que sem ele não haveria aulas de substituição, como na "Europa" inteira. Sobre a importância, a utilidade e o efeito da coisa, nem uma palavra. Manifestamente, achava a medida "certa" ou, se quiserem, "correcta" e o resto não lhe interessava. A seguir, veio o encerramento de escolas rurais quase sem alunos, outra medida "certa" e "correctíssima". Mas nem uma palavra sobre a espécie de escolas para onde as crianças foram transferidas (professores, equipamento, instalações, dinheiro). Em terceiro lugar, com uma citação de Clinton a favor da "liderança", apareceu inevitavelmente a gestão escolar. Só que Sócrates não se lembrou de explicar o objectivo dessa "liderança" (o autêntico problema, como se calculará) e nem sequer tocou no risco e nos limites da experiência (aliás, legalmente diluída) num país como Portugal. Para ele, a história acaba na medida. Como na medida acaba a introdução do Inglês (de resto, uma disciplina não obrigatória), sem qualquer reverência a quem e como o irá ensinar. E, por fim, o argumento para a avaliação dos professores ficou reveladoramente reduzido à bondade intrínseca da medida pela medida: é melhor uma avaliação má do que nenhuma.
Sentado em São Bento, Sócrates não vê o país, vê a organização jurídica da "educação" (ou da saúde, ou da justiça) e um molho de estatísticas. Depois toma medidas, que julga aplicadamente pelo seu "bom senso" e pela sua racionalidade imediata, ou seja, superficial. Para ele, governar é "tomar medidas". Imagina com certeza que, "tomando medidas", reforma Portugal. A realidade não entra nesta história. Sem sair do seu mundo abstracto e asséptico, na televisão ou no Parlamento, Sócrates convence, até porque está sinceramente convencido. Mas cá fora, embora incomodado aqui e ali pela autoridade do Governo, Portugal continua igual ao que era.
Vasco Pulido Valente
Vasco Pulido Valente faz aqui o melhor retrato de Sócrates. É que o problema é mesmo esse.
«Em Portugal há mais de 20 por cento de crianças (uma em cada cinco) expostas ao risco de pobreza. O risco abrange tanto crianças que vivem com adultos desempregados como as que vivem em lares onde não há desemprego. Neste caso, Portugal está em penúltimo lugar e é apenas ultrapassado pela Polónia - ambos com mais de 20 por cento de risco de exposição à pobreza - de uma tabela liderada pela Finlândia e Suécia, com sete por cento de risco.» Será esta a 16ª "marca do Portugal moderno" que Sócrates e os fiéis se esqueceram de mencionar na apoteose privada dos três anos de governo?
Pobreza. Relatório da Comissão Europeia diz que Portugal é o segundo país da UE onde o risco de pobreza infantil é maior. A subida do desemprego, o baixo nível de vida e a elevada taxa de abandono escolar são factores que explicam o retrato negro. Uma em cada cinco crianças portuguesas está exposta ao risco de pobreza, o que faz de Portugal o País da União Europeia, a seguir à Polónia, onde as crianças são mais pobres ou correm maior risco de cair nessa situação.
O mesmo relatório permite concluir que a situação portuguesa nesta matéria não só piorou em termos absolutos face ao último balanço realizado sobre a matéria em 2005 ( referente a rendimentos apurados em 2004) como também ficou mais isolada em termos comparativos.
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