sexta-feira, 19 de agosto de 2011

OS MELHORES DE NÓS...

Há dias, a RTP Memória exibiu o filme "Saltimbancos" [1951], de Manuel Guimarães, numa discreta revisitação à obra de um autor esquecido e, na época, vilipendiado pela crítica de Direita.
Os ecos da estreia do filme já se esmaeceram, mas o facto teve foros de acontecimento invulgar. Manuel Maria Múrias, jornalista do "Diário da Manhã", órgão oficial do regime, cobriu a película de insultos, num estilo caceteiro peculiar do autor.
Mas os nomes de intelectuais de Esquerda, que apoiaram a obra de Guimarães suplantaram as injúrias. Está por fazer, embora os documentos estejam publicados em revistas e jornais da época, a história da Resistência cultural ao fascismo, em especial no sector do cinema e dos cineclubes.
As relações entre o escasso e paupérrimo cinema português e a literatura eram o que podiam ser, embora existissem com participações muito valiosas.
Guimarães [1915-1975] era um artista plástico do Porto, que se estabelecera em Lisboa, e logo se juntara, nas tertúlias da convivência política e artística, aos grupos antifascistas.
Os cafés regurgitavam destes então jovens, e os locais de encontro eram conhecidos: Paladium, Café Chiado, Chave d'Ouro, as duas Brasileiras (a do Chiado e a do Rossio), e o Gelo, entre outros, numerosos e variados. Mário Dionísio, num estimulante prefácio ao livro "Poemas Completos", de Manuel da Fonseca, fornece um panorama geral da época, das tertúlias e das pessoas que as frequentavam.
Praticamente tudo o que é importante na cultura portuguesa passou pelos cafés referidos.
"Saltimbancos" integra-se no movimento geral de protesto e de resistência ao salazarismo.
É impressionante a extensão desse movimento, que se alia à estética e aos propósitos do neorealismo.
Se, hoje, alguém folheasse, com minúcia e seriedade, as revistas culturais, as páginas literárias e a acção do associativismo, certamente não deixaria de se surpreender com a energia e a força que se lhe depararia. Muitos dos nomes desapareceram, na voragem do esquecimento.


Quem lê Leão Penedo, Rogério de Freitas, Alexandre Cabral, Manuel do Nascimento, Egito Gonçalves, João Apolinário, Luís Veiga Leitão, Garibaldino de Andrade, Antunes da Silva - ou, mesmo, Carlos de Oliveira, Fernando Namora, Alves Redol, Cardoso Pires, José Gomes Ferreira, Augusto Abelaira, Alexandre Pinheiro Torres, tantos, tantos mais? E, no entanto, eram cimeiros na aventura cultural daqueles tempos.
O cinema despertava grandes atenções, não só pela popularidade que o cercava como pelo poder de infiltração que possuía.
Redol, Namora, Manuel da Fonseca foram atraídos pela sedução. "Saltimbancos", por exemplo, baseia-se num denso romance de Leão Penedo, "Circo", que obteve grande êxito de estima e de tiragem.
É talvez difícil imaginarmos, agora, a nomeada dessas pessoas, e da importância que tiveram, na divulgação dos problemas portugueses e das extremas dificuldades com que vivia o povo. Os livros dispunham de uma defesa, simultaneamente o seu pretexto: com mais de cento e vinte páginas eram dispensados de censura prévia. Mesmo assim, autores como Alves Redol e, posteriormente, Manuel da Fonseca (este, a partir de "Seara de Vento"), não publicavam sem o "nihil obstat" dos coronéis.
Os jornais, esses, eram, vistoriados linha a linha pelos militares encarregados de manter a ordem dos costumes e os costumes na ordem.
Foi assim, durante quase meio século. E as tendências para o esquecimento, manifestadas das formas e das maneiras mais diversas, não passam de infâmias.
A História é facilmente manipulável, mas a verdade dos factos acaba por ser conhecida. O Manuel Guimarães de "Saltimbancos" viveu com dificuldades extremas. Tido como comunista, trabalhava em artes gráficas e pintura, para suprir as necessidades. Pai de Dórdio Guimarães, que o ajudou em filmagens, nunca se lastimou, jamais se queixou das afrontas.
Eu era muito jovem, mas já participava nessas tertúlias memoráveis, pois concentravam o que de melhor havia na sociedade cultural portuguesa. E as relações entre jornalistas, escritores, músicos, cineastas, actores, arquitectos, pintores correspondiam a uma urgência e a uma necessidade epocais. Muitos desses homens e mulheres pagaram muito caro a decência de quererem ser livres e de não pactuarem com o fascismo.
Muitos, mas nem todos. E há histórias excruciantes de abandonos e de traições que também mereciam ser conhecidas. Não como julgamento e castigo, sim como conhecimento de uma época, cuja violência obrigava os portugueses a envolvimentos extraordinários. Mas valeu a pena.
Os melhores de nós são guardados em recordações e em memórias calorosas.
Os que os caluniam e difamam, servindo-se das sombras repugnantes do anonimato, não passam de vulgares canalhas.

B.B.

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9 Comments:

At 19 de agosto de 2011 às 16:48, Anonymous Anónimo said...

Quero ver onde é que vão descobrir alguma coisa para criticar o Pinto...

 
At 19 de agosto de 2011 às 20:13, Anonymous Anónimo said...

PROTOPOEMA DA PAISAGEM ALENTEJANA

Recordação de Garibaldino de Andrade
que percorreu, só e íntegro,
as sendas da Liberdade.

I

Gravo o rosto da aventura onde o sol
por cristais de sílica no asfalto
semeia grãos de luz. Acende o olhar
para a monotonia da paisagem
desarmada pelo tédio. A novidade
está sempre além do arco do horizonte.

II

Esconjuro a apatia insinuada
no aroma entorpecente das estevas

Liberto-me no riso adolescente
dos ciclos previsíveis, coisas simples:

A terra a arredondar o seu volume
nas chuvas copiosas, seminais

Os orgasmos dos rios e ribeiros
a transbordarem nas searas verdes

Discretas florações de rosmaninho
visíveis ao olhar afeiçoado
à luxúria dos prados da infância

E os vocábulos maduros da colheita:
oliva, pão caseiro, azeite e vinho
decifrados no vértice da aurora.

III

Agita-se a paisagem uniforme
sobre o dorso ondulado das ovelhas
Decifro a terra à sombra da azinheira
vergada pelo peso do calor
Embebo o pão cozido em fornos velhos
no ácido gaspacho. Participo
da fome moderada do pastor
que ensina frases rústicas de povos
dispersos nesta margem do verão.



IV

Entendo agora quão cercado vou
para inventar um ponto cardial
na vasta latitude da planura
onde descubro os trilhos demolidos
de antigas e soberbas amizades
saudáveis transparências naturais.

V

Regresso no crescente da utopia
de ver nos equinócios peregrina
estrela filosofal que desminasse
o desamor das noites e dos dias
na paisagem dos deuses vegetais.

Cândido da Velha
in “SOL XI” – REVISTA LITERÁRIA – número 4 Março 1993)

 
At 19 de agosto de 2011 às 20:51, Anonymous Anónimo said...

Garibaldino de Andrade, "professor de meninos"
O que do legado intelectual de Garibaldino de Andrade chegou à Escola, através de selectas, enciclopédias e dicionários de literatura, foi a referência como figura marcante do neo-realismo português, centrado no homem e na terra do Alentejo, e em Angola, à sua acção como inspirador e co-fundador da primeira editora que, há quase cinquenta anos, praticou a lusofonia, - a "Imbondeiro"- publicando exclusivamente autores de língua portuguesa, consagrados e iniciados. E a outra menção que se faz , ao correr da biografia, de ter sido professor do ensino primário, está longe de contemplar o desempenho precursor que ele teve enquanto "professor de meninos" (como gostava de se designar) na sua "escolinha" da Palanca, povoação agrícola de forte implantação europeia próxima da cidade angolana de Sá da Bandeira, onde foi colocado quando se transferiu do Alentejo para Angola, em 1953.
...

 
At 19 de agosto de 2011 às 20:52, Anonymous Anónimo said...

...
Cinquenta anos passados sobre o nosso primeiro encontro, naquela mesma cidade, em 1957, onde permaneceu até poucos meses antes de regressar a Portugal, para tratamento de uma doença incurável que teve o desfecho esperado em Fevereiro de 1970, seria imperdoável não "trazer" a um jornal como a "PÁGINA" a memória de um "professor de meninos" para quem a Escola não servia apenas para ensinar a ler, escrever e contar, - da mesma maneira como o tinham ensinado a ele ? mas também para mostrar caminhos no grande mundo.
...

 
At 19 de agosto de 2011 às 20:53, Anonymous Anónimo said...

...
A brincar, falando sério, citava a propósito aquele que fora seu professor no Liceu de Portalegre, José Régio, a quem dedicara o primeiro livro, "Vila Branca": "Se vim ao mundo, foi/Só para desflorar florestas virgens/E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada"...
Diga-se que Garibaldino de Andrade, além de escritor notabilizado por uma escrita perfeccionista, editor e livreiro com um sentido de "missão" numa Angola ainda não desperta do sono colonial, foi um dos professores primários que, no Ultramar, aderiu à ideia da "escola nova", aplicando o "método global" (só entronizado na Metrópole após o 25 de Abril), mas já com uma abrangência que alguns colegas e encarregados de educação "tradicionalistas" consideravam "bizarra". Contudo, outros colegas havia: aqueles que, com ele, lançaram uma colecção de textos didácticos inovadores, intitulada, emblematicamente, "Colecção Primavera", editada pela "Imbondeiro", que chegou a ser distribuída com sucesso em Portugal. Foram seus autores, além de Garibaldino, Almeida Abrantes, Brito de Figueiredo e António Henriques Carneiro.
"Bizarramente", o ecologista Garibaldino levava os seus alunos, nas manhãs de sábado, a cuidar da horta e dos animais que alimentavam a cantina escolar, acompanhando o desenvolvimento das plantas, o nascimento dos pintos e dos coelhos e, na matança festiva do porco, comparando as suas vísceras com as do homem... Quando dessa prática chegou uma queixa à Direcção Escolar Distrital, formulada pelos paizinhos que, sendo agricultores, educavam os filhos para funcionários públicos, com direito a gravata e mãos de veludo, respondeu aristotelicamente que semeando hortícolas, plantando fruteiras e observando os bichos domésticos os alunos faziam trabalhos manuais e aprendiam, ao vivo, ciências da natureza.
Para Garibaldino a "escola nova" já era "pós-moderna"... Assim a classificaria certamente o professor holandês da Universidade de Han, Jacques Overhoff, que a "PÁGINA" entrevistou há tempos, na qual defendia a necessidade urgente de uma educação ambiental, antes que acontecesse o "desastre" ecológico previsível para quando se esgotasse o tempo do "relógio biológico acelerado" regulador duma sociedade que não se dava conta de que quanto mais se afastava da natureza mais dependente se tornava da farmácia, onde, em último recurso, ia buscar os produtos compensatórios criados pela indústria para colmatar a perda ou desactivação das energias naturais.
Hoje, e certamente não esquecido das proposições de Hubert, Claparède, Ferrière ou Freinet e outras que terá seguido após a sua formação na Escola do Magistério de Coimbra, Garibaldino diria certamente que delas fizera a síntese da "escola necessária" para transmitir o admirável sentido da "placenta" terreal em que se formara o ser humano, pensando que um "professor de meninos" deveria ensinar sempre aos seus educandos, não com a visão baconiana catastrofista de que "coisa alguma perdura, tudo passa", mas, como "corrigia" o Eclesiastes: "tudo passa, só a terra fica." E como advertência de que o futuro estava na mão do homem, evocaria uma reflexão de Enstein, salvo erro, segundo a qual quando as abelhas desaparecessem da face da Terra (pelas suas conexões com os organismos vivos) o homem desapareceria a seguir.

Leonel Cosme
In:Página de Educação
N.º 168, Ano 16, Junho 2007

 
At 23 de agosto de 2011 às 17:31, Anonymous Anónimo said...

É pá! Já cinco comentários e ainda nenhum a dizer mal do Pinto! Já se cansaram ou quê?

 
At 24 de agosto de 2011 às 16:18, Anonymous Anónimo said...

Para assuntos de cultura como estes o Pinto não tem categoria...Talvez alguns recordem o resultado do exame de história que fez em Portalegre...

 
At 25 de agosto de 2011 às 01:55, Anonymous Anónimo said...

Então o homem era assim tão burreco eu vi logo que ele tinha um atraso .

 
At 25 de agosto de 2011 às 12:21, Anonymous Anónimo said...

ele (pinto) é Burro ,tonto ,espalhafatozo,ordinário,estupido etc....
É tão soberbo que é: quero posso e mando,qualquer dia aparece com a tromba toda partida...-
PALHAÇO ÉS O BOBO DA FESTA.
OS pontesserenses ainda se vão rindo com a tua figura boneco da MERDA.

 

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