AFINAL É A ALTERNÂNCIA, SENHOR ENGENHEIRO?
Parecia que de algum tempo a esta parte se tinha instalado na esquerda um denominador comum relativamente às políticas que viessem substituir as que este governo pôs em prática. E este denominador comum até tinha uma designação: alternativa. Querendo com isso dizer que a esse estafado lugar comum que responde pelo nome de alternância, na primeira oportunidade em que a esquerda ganhasse as eleições era de uma alternativa que se ia tratar e por em marcha. Foi muito à sombra desta bandeira que se travaram a maior parte dos combates nestes 30 meses de oposição - substituir o mais do mesmo pelo mais do melhor. E já antes, quando a questão da governabilidade e da convergência à esquerda chegou a estar na agenda política, era de políticas alternativas que pelo menos alguns dos seus subscritores estavam a falar.
Políticas alternativas correspondem a rupturas, mudanças de direcção, algumas oscilações no equilíbrio instalado. Significa que muitas soluções interrompem o seu curso para encontrar um novo leito que beneficie um maior número de pessoas. Políticas alternativas não pode ser o slogan promocional de mais uma marca de bolachas digestivas, são ideias cuja concretização vai provocar uma variação positiva na vida das pessoas, nomeadamente daquelas cuja vida ainda não conseguiu passar do negativo da película fotográfica. Não é o big bang do princípio dos tempos, é um processo de gestão incremental que simultaneamente é capaz de mostrar benefícios visíveis e ir desenvolvendo uma nova ética social em que, respeitada a liberdade individual, todos são responsáveis por todos.
A dois meses das eleições legislativas, não sei se é este o estado de espírito do principal partido da oposição, o PS. No seu portofolio mais recente tem do lado do "haver" um congresso que constituiu um momento marcante do debate político em Portugal, em que os dois principais candidatos a secretário-geral deram a cara publicamente pelos seus projectos, contribuindo com isso para aumentar a transparência de cada uma das propostas e proporcionando aos portugueses a sua participação activa na discussão. Foi um acto de cidadania particularmente relevante, que não nos deixou indiferentes se tivermos em conta as tradições congressuais dos outros partidos parlamentares.
Mas a dois meses das eleições legislativas começam a soar campainhas de alarme, vindas do Largo do Rato, dando-nos a entender que o discurso que ainda há pouco era de alternativa começa a resvalar para o discurso da alternância. Refiro-me concretamente a uma entrevista recente de Correia de Campos ao "Diário de Notícias" em que faz uma circunstanciada digressão pelos negócios da Administração Pública mas em que não deixa de fazer algumas referências relevantes à política de Saúde. É público, e o próprio não o esconde, que, no mínimo, é um simpatizante da actual política para o sector, o que só vem dar razão àqueles que defendem que para haver Bloco Central não é necessário que PS e PSD formem uma coligação para que esse ente político tenha vida, cresce, se desenvolva e ganhe raízes. Basta que o sistema de estafetas se mantenha a funcionar. Em ambos os partidos há uma reserva de dirigentes pronta a dar continuidade à herança que o outro lhe deixou. Não foi seguramente uma figura de retórica a recente afirmação do secretário-geral do PS quando se referiu à necessidade de não ter de se começar tudo do zero sempre que há mudança de ciclo político. Sempre foi assim, nunca se recomeçou do zero. A mensagem que o actual secretário-geral do PS eventualmente quis transmitir ao eleitorado é que a ideologia - essa matéria que torna diferente o que deve ser diferente e dá corpo às alternativas - não deve passar de matéria residual nas eleições de Fevereiro e que o pragmatismo deve ocupar o lugar da frente das propostas eleitorais. Ficaria assim argumentado e justificado que o aproveitamento da água que lavou os bebés da direita também pode servir para lavar os bebés que o PS vier dar à luz.
É à luz deste discurso que devemos enquadrar as afirmações de Correia de Campos quando nessa entrevista afirma que, "se temos hospitais concessionados, porque é que não havemos de ter centros de saúde com gestão privada?", querendo-nos fazer crer que o exemplo do hospital Amadora-Sintra tem sido um modelo de boa aplicação dos dinheiros públicos e uma escola de como se devem gerir os serviços de saúde. Mas uma vez mais é à administração dos serviços de saúde que nestas alturas é dada toda a prioridade, arredando-se a administração da saúde da agenda político-eleitoral. Num país com as maiores desigualdades sociais da Europa dos 15, entre as quais está a saúde, torna-se incompreensível que o discurso da privatização dos serviços públicos continue a fazer o seu caminho, indiferente à estratégia a adoptar para, por exemplo, por em execução o Plano Nacional de Saúde.
Mas o que mais ressalta da entrevista de Correia de Campos é não ter feito uma referência, uma palavra sequer, ao programa de Saúde do seu partido que esteve em vigor até Março de 2002, genericamente conhecido por SNS21. Será que ele e a nova direcção do PS já o lançaram para o cesto dos papéis, dando-lhe o destino que não querem dar a muitas políticas do actual governo? É um programa desactualizado, tecnicamente mal elaborado, desenquadrado da realidade sanitária portuguesa? Eis uma discussão a que a esquerda não devia fugir neste momento e que o PS tinha obrigação de liderar. Afinal de contas foi o seu programa de saúde durante seis anos, conseguiu mobilizar grande parte da comunidade profissional só lhe tendo faltado a retaguarda política necessária às grandes reformas.
Não sei se a entrevista de Correia de Campos constitui um sinal de que a direcção do PS quer ir por ali. O que sei é que se for esse o caso, a vida não lhe vai ser fácil.
C.J.
Etiquetas: PS
1 Comments:
Saúde?
Quem não é rico não pode estar doente?
O pai do Serviço Nacional de Saúde o socialista António Arnoud, nem candidato a deputado é.
O Eng. Sócrates em alguns assuntos ainda anda a apanhar bonés.
Enfim assim vai a nossa pobre pátria.
B.M.
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