quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

OS SENADORES



Vi parte do programa Prós e Contras com os "senadores", interrompido pelo documentário no Canal 2 sobre "O Beijo", de Rodin.
Mas, na parte que eu vi, tudo me pareceu vogar num clima de irrealidade e de inutilidade considerável.
Para já, havia "senado" a mais, num país que não o tem, e, portanto, como é um defeito dos nossos costumes políticos, demasiada reverência e pouca discussão.
Parece uma maldição: ou temos a má educação das "jotas", ou as vénias dos que gostariam de ter uma política sem conflito, higiénica, obrigada e reverente.
Por que é que o que disseram os "senadores" me pareceu inútil?
Porque nem num momento só emergiu a identificação de qualquer dos obstáculos reais à mudança em Portugal.
Ora, não há reformas sem identificar os interesses que as impedem e apontar os meios de os combater. Ponto. Todos eles têm razão: temos problemas de coesão social (Soares), as mudanças identitárias do país no mundo não são percebidas pela população nem pelos políticos (Moreira), o Estado funciona mal e é um obstáculo à produtividade (Cadilhe), os partidos políticos são medíocres (todos), estes entendem-se no que não deviam entender-se e no que deviam agridem-se (Balsemão), etc., etc.
Tudo isto sabemos bem e são hoje lugares-comuns.
Por que razão é que nada é feito e parece que não temos instrumentos, nem vontade para o fazer?
Por que razão há tanto sentimento de impotência que nem os melhores sequer tentam?
Por que é que tudo parece sólido betão, resistindo a todas as tentativas de mudança, engolindo as veleidades reformadoras, engendrando uma mediocridade que lhes é salvífica?
Porque há poderes e interesses poderosos, identificáveis, nomeáveis, com cabeças individuais e institucionais, e eles estão firmes que nem uma rocha e mandam em Portugal.
Existem nos sindicatos, nas fundações, nos partidos, na comunicação social, nas associações empresariais, nas fundações, nos grandes grupos económicos, nas ordens profissionais, nos grandes escritórios de advogados, nos clubes de futebol, nas autarquias, na "cultura" organizada. É normal que seja assim em democracia, o que não é normal é que seja tão difícil exercer a autoridade democrática contra eles, ou para além deles, quando é necessário pelo bem comum.
É que isto não vai com pactos, porque se fosse já tinha ido.
O sistema político é suficientemente racional para que se fosse possível, numa mesa de negociações, unir PS e PSD para diminuir as despesas de saúde, ou de segurança social, ou modernizar a administração pública - as diferenças ideológicas, que já são pequenas, não impediriam um acordo em cinco minutos.
O problema é que por detrás de todos os "problemas" estão interesses de todo o tipo, a começar pelos interesses económicos poderosos e a acabar pelos "interesses" da pobreza, do remedeio, da baixa qualificação, do mundo protegido da competição, da preguiça, da apatia, típico das sociedades excessivamente dependentes do Estado e do subsídio - se sobrevivo assim, mais ou menos, porquê arriscar um mundo que me pode ser mais hostil?
Os partidos políticos estão mergulhados nestes interesses, a montante e a jusante, e, frágeis como são, precisam de "comprar" eleitorado com a promessa de que nada muda na mediocridade.
Alguns destes grupos de interesses são facilmente identificados porque, bem contra a sua vontade, tiveram que se mostrar.
É o caso das farmácias, onde uma poderosa associação empresarial intervém com agressividade, sempre que alguém sonha prejudicar algum dos seus interesses, ou dos sindicatos dos professores, que saltam a terreiro quando alguém lhes quer tirar o controlo do Ministério da Educação.
Estes são os visíveis, porque há os invisíveis que se movem na área dos negócios de um Estado, que todos os dias intervêm, com larga margem de discricionariedade, na economia, dando a ganhar ou a perder milhões.
Pois é. É isto que os "senadores" sabem muito bem que aconteceu e acontece.
Foram primeiros-ministros, presidentes, ministros, dirigentes partidários, deputados. O problema é que, quando se chega à "hard politics", os "senadores" dizem pouco, porque se o dissessem pareceriam menos "senadores".
É que o mero acto de identificar as resistências e interesses, sem ser de forma vaga e genérica, já é política pura e dura e conflitual, divide amigos e inimigos, torna-nos pouco "consensuais", um mito da nossa política. Não quero dizer que Soares e Freitas, em particular, não defendam activamente os seus pontos de vista, sem mostrarem grandes preocupações "senatoriais". Mas ali estavam naquele papel.
Depois, há um segundo problema sobre o qual desconversaram mais que conversaram e onde têm especiais responsabilidades.
Trata-se da questão crucial nas democracias - e ainda mais crucial num país tão necessitado de reformas como o nosso - da força e autoridade do poder político.
Só há mudanças - e fazer uma única significa uma longa série de conflitos desgastantes - se houver um poder político forte, e essa força vem da legitimação eleitoral, da integridade da vontade política e da governabilidade de partidos, governo e Estado.
Ora, sobre a necessidade de um poder político forte, os "senadores" mostraram a sua repugnância por ele.
Elogiaram os pequenos partidos, insistiram em soluções de coligação, abominaram maiorias monopartidárias, contentaram-se com a crise da bipolarização, ou seja, tudo caminhos para a fragmentação do poder político e para menor governabilidade.
Não admira: eles são os "pais" de um sistema político feito para ninguém mandar e todos poderem impedir os outros de mandar.
Um sistema político que é, ao mesmo tempo, um retrato da nossa impotência e uma causa dela. ???
José Pacheco Pereira

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1 Comments:

At 20 de janeiro de 2005 às 14:19, Anonymous Anónimo said...

Senhor Professor:
Senadores do quê?
De algum império "Romano" ou de alguma república das bananas!

Joaquim José C.

 

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