segunda-feira, 3 de janeiro de 2005

PENSAR



Tudo nos convida a reflectir. Em Portugal, num prazo de pouco mais de um ano, três eleições importantes agitarão a população: legislativas, autárquicas e presidenciais. Infelizmente, qualquer delas despertará mais as emoções do que os espíritos. No curto horizonte, desenha-se a hipótese de um referendo europeu. Na União, a eventual aprovação de uma Constituição será momento grave que porá à prova a realidade da tão falada coesão. Após o grande alargamento, perfilam-se novos candidatos e não dos menos problemáticos: a Turquia, a Bulgária, a Roménia, quem sabe se a Ucrânia. A União Europeia pode mudar de rumo ou de natureza, não necessariamente para melhor. O valor excessivo do euro deixa as economias europeias em situação muito difícil. O impasse do Próximo Oriente, tal como o preço da energia, coloca o mundo inteiro sob pressão. A ameaça terrorista não parece ter desarmado. A potência chinesa está a alterar as regras económicas e as práticas financeiras mundiais, o que quer dizer também as relações de força políticas. Os novos quadros comerciais mundiais, com relevo para o do têxtil, criarão situações muito difíceis nos países que não se prepararam e não aproveitaram o tempo para se reorganizar. Não há sinais que permitam imaginar sequer que a miséria africana poderá aliviar.

Regressando a Portugal. Os últimos anos revelaram um recuo do país relativamente aos parceiros europeus. Os mais sérios e independentes observadores não diagnosticam uma melhoria para os próximos tempos. O desemprego parece manter-se a níveis elevados e alguma pobreza surge mais nítida, enquanto o endividamento das famílias e das empresas voltou a atingir valores alarmantes. O rendimento disponível por habitante e por família tem declinado em termos reais e não se vêm indícios de recuperação. O Estado encontra-se também próximo da penúria, sem capacidade para conduzir uma política económica de investimento útil e de poupança. Pouco sobra ao Tesouro público para vender, a fim de prosseguir as acções de cosmética do défice. As tão desejadas reformas fundamentais na educação, na justiça, na saúde e na Administração Pública são muito caras e não existem, nem existirão a breve trecho, recursos suficientes para as levar a cabo. A balança comercial externa tem-se vindo a degradar e não se conhecem previsões a indicar que possa haver, à distância de poucos anos, uma inversão da tendência. Depois da euforia dos anos oitenta, seguiu-se a incerteza. Esta, agora, dá lugar a uma inquietação crescente. Ainda por cima, uma infeliz sucessão de acontecimentos políticos (a fuga de Guterres, o abandono de Barroso e a incompetência de Santana) teve o condão de desmoralizar a população. A função do governo sofreu quase irreparável erosão. O Estado sai desprestigiado e a sociedade civil ou as empresas não parecem estar à altura.

A demagogia enraizou-se em Portugal de modo a fazer parte integrante dos hábitos políticos. Os candidatos vão prometer tudo e garantir todos, sem nunca dizer onde estão os meios necessários. Nenhum candidato a cargos de poder, no governo, no Parlamento ou na Presidência (muito menos nas autarquias) terá a coragem ou o desejo de fazer o diagnóstico sério e responsável da situação social e económica. Se o fizesse, trairia as expectativas excessivas da população e não teria qualquer possibilidade de vencer uma competição eleitoral. Mais do que em qualquer outro país europeu, as capacidades de produção e de organização dos portugueses são insuficientes para satisfazer as aspirações de consumo, de nível de vida e de estatuto social próprias dos mais desenvolvidos do mundo: é o que faz ser-se o mais pobre dos ricos.

Basta olhar à volta e estar atento: as interrogações que correm as ruas da cidade são as mais inquietantes. Mas também aquelas que os políticos evitam. Já batemos no fundo? Como se sai desta crise? Quais são as alternativas? Há alternativas? Como crescer e desenvolver sem hipotecar? Que meios estão à disposição dos portugueses? Quantos anos de sacrifício serão necessários? Portugal tem viabilidade como Estado? Ou como país? Ou será, a prazo, apenas uma região da Europa? Ou mesmo uma autonomia da Ibéria? A economia repousará, no essencial, numa frágil e errática estância de turismo? O país ficará sob tutela europeia? Podem ser sérias ou ingénuas, mas são perguntas pertinentes. E apropriadas.

As respostas dos políticos são conhecidas. Prometem a regeneração, a crença e a mobilização. Garantem um propósito para partilhar o destino. Asseguram que, com eles, está aí um novo fôlego. Que, com eles, há sinais de retoma e certeza de recuperação. Cada um prometerá as coisas mais caras do mundo: saúde, segurança, justiça, ciência, tecnologia, qualificações e cultura. Um futuro radioso. Vão garantir que a pátria é imperecível. Que um país com oitos séculos tem força para tudo. Que a vontade indomável dos portugueses é um capital precioso. Ninguém acredita, a não ser os próprios. O que nos vão oferecer, como sinal de esperança, é tão só a sua própria volúpia. Vão exibir um optimismo indestrutível. Vão falar ininterruptamente de apostas e desafios. Vão bramar contra os "bem pensantes", categoria dos sempre detestados. Vão fulminar os cépticos. Vão denunciar o pessimismo e o derrotismo. Na verdade, vão tentar esconjurar os seus fantasmas. As eleições não são momento muito favorável para pensar. É pena. Porque bem precisamos.
António Barreto

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