quarta-feira, 25 de maio de 2005

ECONOMIA [ parte V ]



Os Governos do défice
Desde 2001 que se vive sob o signo do défice orçamental. O pântano, a tanga e a trapalhada recordam-nos Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes. Cada um à sua maneira, os três ex-primeiros- -ministros foram sacrificados no altar das contas públicas. Um demitiu-se no contexto dos resultados das autárquicas, o do meio depois de perder as eleições europeias voou para Bruxelas, o seu sucessor foi derrotado estrondosamente nas legislativas há três meses. O cargo de primeiro-ministro em Portugal tornou-se numa situação perigosa. Um lugar amaldiçoado. Um símbolo da fraqueza do poder político em Portugal, apesar das sucessivas eleições personalizadas.

Cada novo Governo surge aos olhos dos portugueses como um alívio face ao anterior. Por pouco tempo, porém. Os cavaleiros do Apocalipse rapidamente enchem o horizonte de poeira preta que sufoca qualquer esperança. Sobretudo os que não têm responsabilidades, ou pouco se irão sacrificar, lançam-se numa correria de propostas dramáticas. A nova geração de políticos, que ainda não passou por nenhuma prova decisiva, normalmente retrai-se e não arrisca governar a sério.

Nos últimos dias não têm faltado as sugestões para obrigar o actual Governo a tomar medidas drásticas, como já não se conhecem desde os tempos do Bloco Central. Pede-se a Sócrates que cubra politicamente a austeridade radical como Mário Soares cobriu a de Ernâni Lopes entre 1983 e 1985, antes de Portugal entrar na Comunidade Europeia. Parece ser a sina dos Governos do PS.

O Governo presidido por José Sócrates tomou posse com um OE recém-aprovado pela coligação PSD/PP que previa um défice de 2,8% muito apropriado para a vistoria da Comissão Europeia. Os que pensaram que Santana Lopes faria desse Orçamento o tema central da sua campanha eleitoral enganaram-se. Nem ele, nem ninguém da coligação de direita, levantou a bandeira do OE para 2005. Por esquecimento, ou por não acreditarem nele, o certo é que a última lei do reinado da direita coligada tornou-se irrisória. Um mau sinal para os tempos mais próximos e que agora se confirma com a apresentação do Relatório Constâncio sobre o défice.

O Orçamento aprovado em Dezembro último, com a AR já dissolvida, não resistiu seis meses. A sua execução não agrada a ninguém.

E ninguém parece ser responsável pelo OE aprovado. Nem Marques Mendes nem Ribeiro e Castro dão a cara por ele. A direita que esteve no Governo três anos evaporou-se do sistema político. Anda por aí, e pelas páginas dos jornais, mas não se co-responsabiliza por nada. O PSD tornou-se um partido de vocação autárquica e os seus candidatos às câmaras aprenderam com os mestres do usufruto governamental são poder e oposição ao mesmo tempo. O PSD tornou-se um partido esquizofrénico.

Também a trajectória do CDS não deixa de revelar um apurado sentido do transformismo. O CDS tinha uma direcção muito Paulo Portas quando este era ministro de Estado e da Defesa. Agora quase não se distingue de Freitas do Amaral, também ele ministro de Estado, mas dos Negócios Estrangeiros. Só falta o pretexto de alguma alta necessidade patriótica para ligar esses elementos dispersos ao grupo afável do humanismo e democracia que acompanha o PS desde os tempos de Guterres. Quem sabe se a necessidade de enfrentar o criador monstro doméstico não trará uma colaboração mais federada?

O caso é que, se a situação é tão dramática como a pintam, não haverá, a prazo, maioria partidária que lhe faça frente com êxito. Nem sei mesmo se o regime democrático aguentará.

Os avisos, dos últimos dias, ao primeiro-ministro, que se resumem no imperativo que Sócrates tem, revelam um grande mal-estar nas esferas opinativas dos poderes fácticos.

O que essas entidades parecem não ter em conta é o instinto de sobrevivência das comunidades a governar.

Quem não se lembra que Keynes declarou a Polónia economicamente inviável?

José Medeiros Ferreira

4 Comments:

At 25 de maio de 2005 às 11:24, Anonymous Anónimo said...

QUAL É O VALOR DO DÉFICE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PONTE DE SOR?

*- COM CHAMADAS DE VALOR ACRESCENTADO;
*- COM TANTAS AVENÇAS;
*- COM TANTAS OBRAS A MAIS DO QUE PREVISTO NO CADERNO DE ENCARGOS;
*- COM O FAZ E DESFAZ NAS OBRAS MUNICIPAIS;
*- COM TANTAS MORDOMIAS DADAS A ALGUNS;
*- COM AS OBRAS FEITAS A FAMILIARES;
*- COM TANTAS VIAGENS E GRANDES COMITIVAS AO ESTRANGEIRO;
*- ETC, ETC, ETC, ETC...

TODOS NÓS A PAGAR...

 
At 25 de maio de 2005 às 11:53, Anonymous Anónimo said...

A minha modesta opinião para resolver o problema das finanças públicas e, por arrasto, muitos outros do País
Farto, fartíssimo, de que o País não encontre o seu rumo de vida e de ouvir sempre os mesmos especialistas falarem de coisas vãs, resolvi pôr no papel algumas das políticas que penso necessárias para sair da apagada e vil tristeza em que vivemos há anos - por vezes - ou há séculos - de outras vezes. Dar-lhes-ei uma importância não hierarquizada, embora não tenha dúvidas de que há assuntos mais prementes que outros. Nenhuma das medidas aqui enunciadas foi apresentada ontem pelo keynesiano Constâncio, um tipo que devia ter vergonha de sair à rua, quanto mais de mandar bitaites sobre realidades que, ou não conhece, ou pura e simplesmente aldraba.

É o seguinte o elenco das medidas necessárias:

1ª – O financiamento dos partidos. Não imagino lei mais premente que esta. O Estado deve assumir que os partidos são as forças colectivas que, mal ou bem, ocupam o poder. Devem, por isso, ser independentes das pressões da sociedade civil e agir segundo as suas convicções, sendo apenas julgados pelo povo em eleições ou pelos Tribunais se a sua conduta for disso passível. Pode parecer que esta é uma medida despesista mas é absolutamente o contrário. Muita da despesa pública faz-se em função dos favores que se devem, e não em concreto benefício da Nação e dos contribuintes. Se não se dever favores a ninguém é mais fácil ser honesto.

2 ª – O arrendamento urbano. Uma lei que regule e traga para o mercado a maior parte das habitações devolutas deste País impedirá os portugueses de se endividarem excessivamente com a compra de casa (somos um dos países do Mundo com mais proprietários de habitação própria). Isso libertará rendimento para outras aplicações, não só em poupança como em consumo, revitalizando a economia. Por outro lado, permitirá às famílias viver mais perto do centro das cidades, animando-as, reduzindo a criminalidade decorrente do isolamento e baixando a factura do défice das empresas de transportes públicos e a da importação de combustíveis. Permitirá, por outro lado, uma perda menor de tempo útil de vida em deslocações, melhorando por essa via o convívio nas famílias e o tempo livre para actividades lúdicas, associativas, etc.


3ª – A educação tecnológica. Os portugueses têm, como poucos, aversão ao estudo das ciências. Resolve-se isso em três tempos. Em primeiro lugar, se o professorado português não é competente para mudar este estado de coisas, contratam-se estrangeiros. Com a oferta actualmente existente no mercado mundial – por exemplo, pessoas oriundas de países do Leste europeu e cubanos – a inversão da tendência custa uma ninharia. Por outro lado, devemos (re)introduzir o ensino diferenciado, permitindo às empresas absorverem diversos graus de conhecimento e eficiência. O facto de muita gente encontrar, por esta via, mais rapidamente emprego, permite que se comece a descontar para a Segurança Social mais cedo, o que melhorará as contas desse sector público deficitário.

4ª – Os despedimentos na Função Pública. Não pode haver dois pesos e duas medidas na sociedade portuguesa. Se porventura a possibilidade de despedimento na iniciativa privada está já demasiado liberalizada, a sua quase proibição ao nível do Estado é uma afronta. Até porque as empresas privadas queixam-se de falta de recursos humanos em número e competência. Muitos dos excedentários do Estado encontrariam, sem dúvida, ocupação mais bem remunerada, mais criativa e socialmente mais repercutora na economia privada. E libertariam o Estado de um peso excessivo de força de trabalho que não serve para nada a não ser para sorver recursos, que são escassos.

5ª – A reforma da administração tributária. Como já aqui se disse, uma boa parte do défice público reside na incapacidade da Administração em cobrar os impostos que por lei lhe são devidos. Muito se fala na exagerada despesa pública – e bem – mas pouco na diminuta receita. O Estado tem de ser capaz de arrecadar aquilo que a lei lhe permite – a que o obriga – em nome das funções sociais e de soberania que constitucionalmente e consuetudinariamente exerce. O combate à fraude e à fuga não se compadecem com dilações e falta de investimento público. Uma Repartição de Finanças que não tem dotação para combustível para mandar um fiscal fazer uma inspecção de rotina é a imagem precisa de um País na bancarrota.

6ª – O apoio à natalidade, a lei da adopção e a política de imigração. Parecem coisas diferentes mas pertencem todas à mesma classe de políticas. O nascimento de nacionais permite, não só civilizacionalmente como em termos de solidariedade inter-geracional, a sobrevivência e a riqueza de um País. Se nasce mais gente, impede-se o envelhecimento percentual de uma população, permitindo às gerações mais velhas verem assegurado o seu fim de vida pelo trabalho dos mais novos. Há países que resolveram este problema há anos, incentivando a natalidade. Nós ainda estamos nos anos cinquenta do século passado, quando a prioridade era tirar as mulheres de casa e pô-las a trabalhar. Estamos atrasados.
No que diz respeito à adopção, trata-se apenas de um aspecto particular do mesmo assunto. A persistência de crianças abandonadas, ou pouco menos que isso, num contexto em que há casais que desejariam (mas não lhes é possível através de meios naturais) ter descendência, é um contrassenso filosófico.
Finalmente a imigração. Todos os países devem poder escolher os não naturais que abrigam. Devem poder, em termos políticos e económicos, conhecida a sua capacidade de atracção de estrangeiros, legislar sobre quem é bem-vindo e quem não é. Neste particular, não me parece boa ideia deixar entrar pessoas de baixa qualificação que, as mais das vezes, só servem para endinheirar empresários corruptos que assim deixam de empregar nacionais para escravizarem outros (ainda) menos bafejados pela sorte.

7ª – A marca Portugal. Em certos aspectos, Portugal é o melhor País do Mundo. Ainda há poucos dias um grande empresário de nível mundial dizia isso em entrevista a um amigo meu (a um grande amigo meu). Temos de cativar o investimento estrangeiro nessa base. Grande clima, segurança urbana acima da média, burocracia diminuindo rapidamente (é verdade), hospitalidade, baixo nível de poluição, comida do melhor. Temos, obviamente, que garantir a estabilidade fiscal e de incentivos ao investimento, coisa que não fizémos até agora. E temos que promover, à séria, a atractividade das marcas portuguesas. Uma das maneiras de o fazer é, também, punir os contrafactores. Temos, ainda, de aprender a vender a nossa qualidade e a nossa diferença. Alguns exemplos heterodoxos: os sapatos portugueses são melhores que os italianos; a tourada à portuguesa é única no Mundo; as praias portuguesas são melhores que as espanholas.

8ª – A interiorização dos valores. A classe dominante portuguesa conseguiu, em oito séculos de elitismo bacoco, uma coisa bizarra: pôs os portugueses a não acreditarem em nada. ‘Eles estão lá para se governar’, ’os pobres lixam-se sempre’, ‘quem vier atrás que feche a porta’ são expressões correntes denotadoras de uma depressão que urge combater. É preciso premiar o valor - por exemplo, o quadro-de-honra da escola. É preciso dizer que os mentirosos pagam - por exemplo, prendendo os infractores fiscais. É preciso incentivar a excelência – por exemplo, criando prémios para as melhores redacções, as mulheres mais bonitas, os melhores bombeiros, etc.

9ª – A rotatividade da propriedade. É preciso que os portugueses se perguntem: se não estamos bem, a quem é que isto se deve? A resposta é simples: a quem teve o poder de tomar decisões correctas e tomou as erradas. Em Portugal, apesar das revoluções, nunca houve uma rotatividade da propriedade que permitisse aos melhores, aos mais criativos, tomarem o poder nas empresas. O Estado, até por uma questão de segurança, deveria formar uma bolsa de propriedades que entregaria aos empreendedores que provassem ter melhores soluções de investimento, emprego, etc. E não apenas aos que conseguem, no areópago capitalista, as melhores condições bancárias.

10ª – A energia nuclear. Portugal tem poucas fontes energéticas. A maior delas –a hidroeléctrica – é sazonal e o futuro climático não lhe augura melhores dias. É portanto uma patetice não se socorrer de tecnologias baratas e que não dependem de recursos naturais.

11ª – A Lei das Finanças Locais. Portugal é, por natureza, um Estado precário onde o Poder Central conta pouco. Somos um País pequeno em que a escassez de recursos tem que ser bem gerida. Com tantos habitantes como Nova York ou menos que São Paulo, diferir poder é uma patetice, se não uma aleivosia perigosa. Portugal não precisa de regionalização para nada. Precisa é de um poder central forte, consciente das suas capacidades, disciplinado e monitorizado pela opinião pública.

PS - Vítor Constâncio deve ser sportinguista. Só assim se comprende, por um lado, a falta de senso nas medidas propostas para combater o défice e, por outro, o timing para as apresentar, ou seja, no dia em que os benfiquistas estavam a festejar o triunfo no campeonato.

 
At 25 de maio de 2005 às 12:01, Anonymous Anónimo said...

Não vejo a mais pequena esperança de solução próxima do caldo morno em que Portugal se vai dissolvendo.

A luta do costume entre o carnaval e o jejum. Disfarçando a gravidade do momento, os negligentes propõem a dieta recorrente. No salão da corte, reúne-se a aristocracia: políticos nacionais e locais (enquanto a regionalização não for instituída para criar outra casta intermédia); jornalistas-assessores e assessores-jornalistas obedientes; magistrados de confiança; banqueiros.

A decisão demorada lá surge, anunciada com ar sério pelo bobo da ordem. A receita é antiga. Distribuem-se as tarefas sujas, requisitam-se os ingredientes da mercearia do financiamento partidário e os tachos à quinquilharia do Estado. Uns vão para a cozinha, outros sentam-se à mesa a tinir os talheres, enquanto, no chão deste quadro medieval, o povo luta pelos restos e ossos.

Juntam-se os ingredientes frescos para a confecção da salada podre. Lava-se a corrupção na água lixiviada pelos testas de ferro colocados nas polícias e nas magistraturas para evitar qualquer contaminação justicialista; vigia-se a imunidade com o aparelho dos editores de confiança; filtra-se o défice com a peneira da rede dos lóbis de turno; mantém-se a economia na salmoura dos impostos; grelha-se a iniciativa nas brasas dos exorbitantes impostos sobre o trabalho; rega-se a preguiça com o vinho doce dos subsídios; erguem-se casas (mas em guetos...) para quem não trabalha e vive do crime; engrossa-se a administração pública excedentária com a gordura de salários crescentes e reformas de luxo; leveda-se a inflação com o fermento dos salários crescentes e reformas de luxo da administração pública; e polvilham-se q.b. os sectores económicos obsoletos com a especiaria dos incentivos. Mistura-se tudo e tempera-se de discursos balofos e tépidos. No fim, marina-se o País - e marimbam-se os politicorruptos para a desgraça alheia!, ao mesmo tempo que cozem, no forno das obras públicas, dos pareceres, dos contratos e dos subsídios, as comissões dos negócios milionários. Desenforma-se da justiça inócua e limpam-se os resíduos com a toalha de fantasia dos tribunais superiores. Arrefece-se a raiva fervente do povo à temperatura do ambiente fétido, atenuado pelas árias suaves da opera buffa, orquestrada pelos comentadores do sistema filarmónico, defronte ao cenário em trompe l'oeil para iludir ingénuos. Vai à mesa numa bandeja decorada pelos mediacorruptos de serviço à copa. Serve-se frio

 
At 25 de maio de 2005 às 13:56, Anonymous Anónimo said...

A crise orçamental e os sacrifícios que ela impõe
J. Silva Lopes e L. Miguel Beleza



valor do défice orçamental anteontem anunciado pelo governador do Banco de Portugal põe bem em evidência a gravidade da crise das finanças públicas que Portugal enfrenta. O nosso país tem o mais alto défice da zona euro, da UE 15 e até da UE 25. Tem o défice mais alto da OCDE. Corremos o risco de ser transformados num (mau) exemplo pela Comissão e castigados de acordo - isto é, de forma exemplar. Podemos perder o Fundo de Coesão. Podemos ter o rating da República - e, por arrastamento das empresas- revisto em baixa pelas agências internacionais. Isto significa que o custo do financiamento do Estado e por contágio do sector privado sobe, um péssimo resultado, dado o enorme endividamento externo acumulado.
É supérfluo discutir de quem é a culpa. Os governos da década de 90 foram muito despesistas, e os governos PSD-CDS não foram capazes de começar a regularizar a situação. A recessão mais o crescimento fraco compuseram o quadro. Por isso, o peso dos gastos públicos foi subindo progressivamente de 42 por cento do PIB em 1990, para 45 por cento em 1995, para 46 por cento em 2002 (sendo de notar que o aumento entre 1995 e 2002 teria sido muito maior sem a enorme queda das taxas de juro da dívida pública então verificada) e para 48,4 por cento em 2004.
Mas o que é fundamental é discutir e sobretudo pôr em prática soluções. O objectivo do Governo - não mais de três por cento no final as legislatura, sem receitas extraordinárias - é só moderadamente ambicioso. Se olhássemos para o médio/longo prazo concluiríamos que o envelhecimento da população torna imperioso que contas públicas sejam excedentárias o mais depressa possível. Mas, apesar de só moderadamente ambicioso, é um objectivo muito difícil. Em qualquer caso, seria irrealista esperar que os órgãos da União Europeia que gerem o Pacto de Estabilidade possam tolerar durante muitos anos défices orçamentais portugueses superiores a três por cento, sem aplicar penalidades pesadas ao nosso país.
Partindo do défice de 6,8 por cento do PIB anunciado pelo governador do Banco de Portugal, será extremamente difícil que ele não tenha de descer cerca de 4 pontos de percentagem do PIB até ao fim de 2009.
A dimensão do problema sugere que dificilmente poderá se atacado com eficácia sem actuar simultaneamente sobre as receitas e as despesas públicas. Nós, como a generalidade dos economistas e muitos cidadãos, gostaríamos de que o reequilíbrio fosse conseguido através da contenção/redução da despesa. O problema das finanças públicas portuguesas não é o de as receitas serem demasiado baixas; o problema é o de as despesas serem demasiado altas. A teoria económica e a observação empírica, aliás, mostram que os saneamentos das finanças públicas conseguidos com maior êxito se concentram na despesa.
Os custos ou a contenção nas despesas e os aumentos das receitas imporão sacrifícios à maioria da população e terão efeitos adversos sobre o crescimento económico a curto prazo, embora melhorem as possibilidades de progresso económico a médio e longo prazo. Mas infelizmente não há alternativas que permitam evitar esses custos do ajustamento orçamental.
Um aspecto importante a considerar é o da distribuição dos sacrifícios a suportar. É difícil evitar que até os pobres tenham de ser afectados, embora tudo deva ser feito para aliviar o peso dos ajustamentos que sobre eles tenham de recair. Será fundamental tornar muito claro que o quinhão de sacrifícios a impor aos mais privilegiados é adequado.
Não cremos que a urgência do problema, as resistências generalizadas a cortes drásticos nos vários tipos de despesas e a (in)capacidade das autoridades permitam não recorrer também ao aumento das receitas. As medidas a encarar para conseguir o aumento do peso das receitas públicas deverá ser, segundo a nossa ordem de prioridades, as seguintes: (a) o combate à evasão fiscal; (b) a subida das receitas por utilização das Scut; (c) a maior racionalização dos incentivos fiscais e dos esquemas de deduções na base tributária ou na colecta; e, por último, (d) a subida das taxas de alguns impostos.
De entre estas medidas, merecem alguns comentários as que se referem ao combate à evasão fiscal e às subidas das taxas de alguns impostos.
Os que não querem enfrentar o problema seriamente apontam sempre o combate à evasão e fuga fiscais como a solução para se chegar ao necessário equilíbrio orçamental. É indiscutível que esse combate deve ter a prioridade máxima. Regras éticas óbvias a isso obrigam, e obrigariam mesmo se a situação financeira do Estado fosse confortável. Mas, infelizmente, os dados mais fiáveis apontam para que mesmo o sucesso razoável - oxalá - na luta contra a fuga aos impostos trará apenas uma ajuda modesta ao problema do défice. Segundo estimativas não muito seguras, mas das mais autorizadas, não será razoável admitir que as cobranças proporcionadas pelo mais eficaz combate à evasão fiscal possa ir além de uns dois por cento do PIB nos próximos quatro anos. Cremos, aliás, que, sob esse aspecto, tem havido uma melhoria considerável na administração fiscal nos últimos tempos.
Os aumentos das taxas de impostos devem ser a solução de último recurso e só serão admissíveis com a introdução prévia ou simultânea de uma disciplina muito mais rigorosa sobre o crescimento da despesa. Esses aumentos só podem ser encarados em relação à tributação indirecta. Ninguém pensa que eles possam ser muito significativos nas taxas do IRS e do IRC. Nos impostos indirectos, a primeira alternativa é, na nossa opinião, a de subir as taxas dos impostos especiais sobre o consumo (impostos sobre produtos petrolíferos, sobre os automóveis e sobre o tabaco). Mas o acréscimo de receita proporcionado por essas subidas, embora significativo, não seria provavelmente suficiente. Se as taxas dos impostos referidos aumentassem todas elas 20 por cento, aquele acréscimo poderia ser da ordem de 0,5 por cento do PIB. Embora esses aumentos possam ser também justificados por razões não fiscais (engarrafamentos e poluição no caso dos automóveis e dos produtos petrolíferos, saúde no caso do tabaco), é fácil antever que eles provocariam resistências fortíssimas da parte dos contribuintes. Paradoxalmente, é de admitir que o aumento das taxas do IVA levante menos resistências, embora atinjam mais contribuintes e possam ter efeitos económicos mais negativos. O agravamento das taxas do IVA virá assim provavelmente a ser um mal necessário. Em todo o caso, cabe observar que o aumento das taxas do IVA, em 2002, não resultou em aumentos substanciais da receita desse imposto e contribuiu mais para a crise económica do que se o agravamento tivesse caído sobre os impostos especiais de consumo, que incidem, em maior proporção que o IVA, sobre mercadorias com mais alto conteúdo de importações. Será de acrescentar ainda que Portugal foi em 2002, juntamente com a Dinamarca e a Suécia, um dos três países da União Europeia dos 15 com carga fiscal do IVA mais pesada.
Mesmo que, pelas vias que acabam de ser referidas, se consigam razoáveis aumentos da receita, para se chegar ao défice de três por cento do PIB em 2009, será indispensável que o peso das despesas totais no PIB não aumente, ou tenha mesmo de cair 1 ou 2 pontos de percentagem do PIB. Em face de perspectivas de crescimento do PIB que são muito pouco animadoras, isso significa que dificilmente se poderá escapar a um crescimento real dos gastos públicos extremamente baixo em comparação com o que, desde o 25 de Abril, se tem observado em outros períodos de igual duração.
A questão que se põe a seguir é a de identificar as despesas em que deveria haver maiores apertos. Para responder a essa questão, deverá começar por olhar-se para a estrutura dos dispêndios públicos apresentada no quadro seguinte:
Estes números tornam claro que, não poderá deixar de se actuar sobretudo nas despesas com pessoal, nas prestações sociais e nas despesas de investimento. Nos demais tipos de gastos, também são necessárias poupanças, mas os seus efeitos serão exíguos. Nos juros da dívida pública, o mais provável é mesmo que se venham a verificar aumentos. Com a crise económica e de desemprego que o país está a atravessar, não seria de admirar que o mesmo tivesse de vir a acontecer nos subsídios a empresas.
Tem sido muito discutida a necessidade de reduzir o peso em relação ao PIB das despesas do pessoal, quer pela via de travagens nas admissões, quer pela da contenção do nível das remunerações. Não há espaço aqui para apresentar as várias razões, de grande peso, que justificam muito mais rigor nessas despesas. A sua contenção terá de ser uma das principais prioridades do programa de ajustamento orçamental, quanto mais não seja porque as soluções alternativas teriam consequências ainda mais negativas. Uma das prioridades será certamente a de suspender as promoções automáticas.
A disciplina nas despesas de segurança e protecção social encontra obstáculos bem mais melindrosos. É que entre essas despesas encontram-se os gastos com medicamentos, com pensões e com subsídios de desemprego. Embora reconheçamos que tudo deverá ser feito para não tocar muito nesses tipos de despesa, não vemos maneira de também nelas não ter de ser imposta uma disciplina muito mais severa do que até aqui. É pura e simplesmente impossível sustentar o ritmo de crescimento observado nos últimos anos no peso dos gastos com segurança e prestações sociais, que passou de 14 por cento do PIB em 2000 para 15,1 por cento em 2002 e para um valor estimado de 17,9 por cento do PIB em 2004. Será forçoso analisar medidas como: (a) mais limitações aos gastos com medicamentos; (b) maior rigor no combate às fraudes, associadas aos subsídios de doença e de desemprego; (c) aproximação mais efectiva entre as condições da Caixa Geral de Aposentações (que em termos comparativos são das mais generosas do mundo) e as do sistema da Segurança Social, nomeadamente nas pensões mais elevadas, que são muito mais suportadas pelos impostos pagos pelos contribuintes do que pelas dos beneficiários (incluindo contribuições da entidade patronal que fossem semelhantes às do sistema da Segurança Social); (d) e mesmo, embora, como um dos últimos recursos, a revisão do sistema de subsídios de desemprego, por forma a que ele possa proteger o número crescente de desempregados, sem agravamentos de despesa, praticamente impossíveis de suportar.
Consideremos por fim as despesas de investimento. Também elas não poderão escapar à maior austeridade orçamental, salvo na medida em que sejam indispensáveis como contrapartida em projectos financiados por fundos da União Europeia. Há algumas despesas classificadas como investimento - incluindo as que são efectuadas ao nível das autarquias locais - que são pouco mais que desperdícios. E mesmo quando assim não sucede, não haverá, com os constrangimentos orçamentais dos próximos anos, condições para manter níveis de despesas públicas de capital de quase cinco por cento, como em 2004. O país continua a precisar de infra-estruturas, mas precisa mais de investimentos directamente produtivos, que prometam boa eficácia. Os atrasos de Portugal em relação à Europa, em matéria de infra-estruturas, são hoje muito menores do que há uma década, mas apesar disso, nos últimos anos, a economia portuguesa tem estado a divergir em relação à média europeia, ao contrário do que acontecia quando as insuficiências estruturais eram mais acentuadas. Ex-ministros das Finanças

 

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