ATÉ ESTES...
Programa do Governo para reduzir o défice levanta dúvidas à Comissão
A estratégia portuguesa de consolidação orçamental comporta "vários elementos de risco" que podem levar a um arrastamento da situação de défice superior a três por cento do PIB para além de 2008, caso José Sócrates não adopte medidas adicionais.
A estratégia de consolidação orçamental definida pelo Governo poderá revelar-se excessivamente optimista e não exclui o risco de Portugal manter um défice superior ao limite máximo autorizado pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) até 2009 em caso de "desenvolvimentos macroeconómicos desfavoráveis".
Este risco é avançado pela Comissão Europeia em dois documentos de análise das finanças públicas portuguesas que serão hoje aprovados pelos vinte e cinco comissários: no primeiro, Bruxelas analisa o PEC português para o período 2005-2009 apresentado pelo Governo com a estratégia que conta seguir para reduzir o défice dos 6,2 por cento do produto interno bruto (PIB) previstos para este ano, para menos de três por cento, o limite máximo autorizado pelo PEC. No segundo, a Comissão analisa as causas da derrapagem no quadro da primeira etapa do "procedimento por défice excessivo" (PED) que desencadeará hoje formalmente contra o país.
Bruxelas só se pronunciará a 20 de Julho sobre o prazo que conta dar ao Governo para se conformar com o PEC, mas há boas possibilidades de ser o ano de 2008, como previsto no calendário do Governo. Só que os serviços de Joaquín Almunia, comissário europeu responsável pelos Assuntos Económicos e Financeiros, interrogam-se sobre as possibilidades reais de cumprimento deste calendário.
A opção do Governo de recorrer a aumentos dos impostos no início do período parece ser considerada inevitável para assegurar a transição entre a época em que o défice foi mantido abaixo dos três por cento do PIB essencialmente graças ao recurso maciço a medidas extraordinárias e a fase da verdadeira consolidação, que assentará na redução das despesas do Estado através das reformas da administração pública e da segurança social e contenção dos salários.
Só que, avisa Almunia, a estratégia portuguesa comporta "vários elementos de risco" que poderão impedi-la de se materializar, podendo levar a um arrastamento da situação de défice excessivo para lá de 2008, a menos que o Governo adopte medidas adicionais.
Tendência para empolar as previsões
O primeiro risco tem que ver com as projecções para o crescimento económico depois de 2007, que poderão revelar-se "optimistas", o eufemismo habitual dos serviços da Comissão para dizer "irrealistas", um risco que é reforçado pela tradicional tendência nacional para empolar as previsões. As dúvidas resultam de uma possível subavaliação dos efeitos negativos das medidas de contenção sobre o crescimento económico, enquanto a perca da competitividade externa portuguesa num contexto de concorrência internacional crescente poderá ferir a contribuição das exportações para o crescimento.
A segunda grande interrogação da Comissão tem que ver com o risco de as medidas avançadas pelo Governo para aumentar receitas e reduzir despesas poderem ser "menos eficazes que o previsto, ou demorarem mais tempo a produzir os resultados desejados". Isto porque, refere, o aumento dos impostos - IVA, tabaco, combustíveis - reforça o risco de evasão fiscal, enquanto o essencial das medidas de contenção de despesas ainda precisa de ser juridicamente adoptado.
Um terceiro documento de análise técnica que acompanha o lançamento do PED refere que as despesas do Estado manterão este ano a tendência de alta atingindo 49,1 por cento do PIB contra 48,4 por cento no ano passado. Em paralelo, e apesar do aumento dos impostos, as receitas totais do Estado deverão cair de 45,4 por cento do PIB em 2004 para 42,9 por cento este ano, devido à redução das medidas extraordinárias dos governos PSD-CDS/PP e dos dividendos das empresas públicas. As receitas fiscais deverão, aliás, manter-se sensivelmente ao mesmo nível que no ano passado.
Também a dívida pública poderá evoluir de forma menos favorável do que o previsto, avisa Bruxelas, devido às interrogações que pesam sobre a actividade económica e sobre as metas orçamentais, a par do risco de uma acumulação de encargos financeiros não orçamentados, à luz da experiência recorrente em Portugal de classificar mal as despesas públicas.
Défice acima dos três por cento depois de 2008
Todos estes factores contribuem para alimentar a convicção da Comissão de que o défice poderá permanecer acima dos três por cento depois de 2008, a menos que o Governo adopte medidas suplementares, que não são especificadas.
Mas mesmo que o programa de estabilidade seja escrupulosamente cumprido "não fornece a margem de segurança necessária contra uma nova ultrapassagem do limite do défice em caso de flutuações macroeconómicas normais", afirma a Comissão. Mais: uma análise de sensibilidade "mostra que o défice ainda se manterá em três por cento, ou muito próximo, em 2009, em caso de desenvolvimentos macroeconómicos desfavoráveis".
Bruxelas critica por outro lado implicitamente o facto de o programa de estabilidade não apresentar projecções para assegurar a sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas, um problema particularmente agudo em Portugal em resultado dos efeitos previsíveis do envelhecimento da população.
Isabel Arriaga e Cunha
PEC - PROGRAMA DE ESTABILIDADE E CRESCIMENTO - 2005/2009 do Governo de José Sócrates pode consultar aqui.
PEC 2005: um Programa de estagnação económica e de ataque aos direitos dos trabalhadores Estudo do economista e investigador Eugénio Rosa
1 Comments:
Ficámos a saber duas coisas más. A primeira não é propriamente uma novidade e é, de longe, a mais grave. Trata-se da economia. Façam as contas às vezes que nos falaram na "retoma" nos últimos três anos. Não existe "retoma" nenhuma e, bem pelo contrário, a economia portuguesa, pindérica e dependente de outras que não "arrancam", está em estado comatoso. Ainda ontem, no carro, ouvi o sr. ministro da Economia a prometer "inovação" e "desenvolvimento". O dr. Pinho pretenderá fazer isto com quem e em que economia? É, realmente, um dos mais pesados mistérios deste governo. Depois vêm as eternas finanças e o "programa" do dr. Campos e Cunha. Bruxelas, em mais um momento de demonstração da sua inequívoca pulsão controleira, já avisou que este "programa" não chega. Ou seja, o dr. Cunha terá de se espremer - e, por tabela, tentar espremer-nos - para arranjar mais receita e cortar a fundo na despesa. Como aqui se avisou repetidamente, este governo jamais teria um minuto de estado de graça. Não imaginei, apesar do meu pessimismo estrutural, que atingisse tão rapidamente um "estado de desgraça" que, diga-se de passagem, não é tanto seu quanto do país e da sua endémica miséria. Tudo somado, não vaticino uma longa estadia aos ministros da Economia e das Finanças nos respectivos postos. Os tempos que aí estão requerem capacidade e legitimidade políticas fortíssimas. Por exemplo, e até pela sua experiência europeia, o "negas" dr. Vitorino poderia perfeitamente ter ficado nas Finanças nesta fase inicial da legislatura na qual se exige maior investimento - estritamente político - de afirmação da estratégia governamental, partindo do princípio que ela existe. Manuela Ferreira Leite, uma excelente "técnica", "quebrou" justamente no combate político e por causa da sua "teimosia" técnica. Ousar contornar o círculo vicioso imposto por Bruxelas, tem um custo que só a política pode pagar. Para além disso, sabe-se também que é a "economia", em estado de devastação, que "paga", a final, o "arrastão" financeiro. Como disse na TVI o Miguel Sousa Tavares, até Jorge Sampaio, à medida que se aproxima do final do mandato, vai percebendo o tremendo falhanço a que presidiu pacatamente durante dez anos. Esse falhanço tem um nome e pinta-se a vermelho e verde quando, na realidade, devia pintar-se de vergonha
Enviar um comentário
<< Home