terça-feira, 21 de junho de 2005

COMO AUMENTAR AS RECEITAS?



O aumento inexorável da carga fiscal parece ser a consequência directa da nossa incapacidade de gerir bem o Estado.

A crise orçamental levou de imediato ao aumento dos impostos e, em especial, à subida do IVA. O aumento inexorável da carga fiscal parece ser a consequência directa da nossa incapacidade de gerir bem o Estado. Convém, no entanto, recordar que haveria outras soluções.Se se pretendesse de facto reequilibrar o Orçamento do Estado baixando a despesa pública em percentagem do PIB, então a melhor solução seria recorrer a receitas extraordinárias. Seria possível de forma temporária, obter receitas que trariam o ‘deficit’ para valores razoáveis, travariam o aumento da dívida pública e representariam a continuação do verdadeiro emagrecimento do Estado.

Há que distinguir entre receitas extraordinárias efectivas e meros truques contabilísticos, a maioria dos quais é aliás recusada pela Comissão Europeia. O Pacto de Estabilidade e Crescimento, que não é tão estúpido como se tornou moda afirmar, sempre incluiu elementos importantes de flexibilidade, para compensar a aparente rigidez de um máximo fixo para o ‘deficit’ orçamental. Entre esses elementos devem destacar-se as receitas extraordinárias, que permitem precisamente colmatar durante algum tempo um ‘deficit’ que se pretende corrigir com medidas de fundo que só actuam a prazo.

As receitas extraordinárias mais evidentes são as que resultam da venda de activos não financeiros por parte do Estado. O Estado dispõe de um vasto património, de valor incalculável, muito do qual não tem grande sentido. Das inúmeras e valiosas propriedades que constam da lista de activos reais do Estado, muitas não têm qualquer utilização. Outras, embora ainda utilizadas, deixaram de ser prioritárias. A sua venda reduziria a dimensão do Estado e permitiria uma muito mais eficaz utilização de activos por parte do sector privado.

O Estado dispõe ainda da possibilidade de obter receitas muito vultosas através de contratos de concessão. Aqui o exemplo mais evidente é o do sector das águas, saneamento e tratamento de resíduos. Como se sabe, o sector tem estado totalmente bloqueado pela incapacidade de sucessivos governos de concretizar um modelo satisfatório, incluindo o equilíbrio desejável entre sector público e privado. Mesmo que se queira manter o controle público em ultima instância de todo o sector, é sempre possível através de contratos de concessão entregar a exploração a entidades privadas que, num quadro definido pelo Estado, ponham em prática aquilo de que o País precisa e que tem clara viabilidade económica. Pelo caminho, o Estado pode receber receitas muito importantes dos contratos de concessão que for fazendo.

Por último, há ainda muitas privatizações de empresas que estão por fazer ou por concluir. A EDP, a Galp, a REN, a TAP, a ANA e outras já estiveram na lista das empresas a serem privatizadas ou a completarem a sua privatização. Neste caso, as receitas não contam directamente para o Orçamento do Estado, mas não deixam de reduzir a divida pública, baixar a carga com juros e permitir a entrada de fundos que podem ajudar o Estado a financiar, sem ser pelo Orçamento, dotações de capital e outras despesas por vezes bem onerosas.

Por outras palavras, há de facto muitas oportunidades de obter receitas extraordinárias, que deveriam ter sido estudadas com seriedade antes de se decidir tão facilmente pelo aumento dos impostos. É certo que concretizar as vendas de activos, os contratos de concessão ou as privatizações possíveis exige algum tempo e uma mobilização de esforços para preparar a execução destas transacções de forma correcta. Mas é para gerir problemas complexos e difíceis que os governos existem, não para adoptar as soluções mais simples, como subir as taxas dos impostos.

Se procurarmos as razões pelas quais o governo não optou por esta via, bem mais amiga da economia, duas explicações podem ser imaginadas. Uma é a de que, para este governo, tudo o que os governos anteriores fizeram estava errado e não pode repetir-se. Outra é a de que tudo o que representa venda de activos, concessões ou privatizações de facto reduz o peso e a influência do Estado na economia - coisa que, no fundo, este governo realmente não tem a mais pequena intenção de pôr em prática.

António Borges

5 Comments:

At 21 de junho de 2005 às 17:17, Anonymous Anónimo said...

Um post do António Borges neste blog? Isso cheira-me a desvios liberais e burgueses! O que é que este lacaio do grande capital está a fazer no http://pontedosor?! Se eu descubro quem pôs aqui este artigo tá bem tramado... vou fazer queixa ao CC e, num ápice, alguma cabeça vai rolar. Quer dizer, isso de rolar cabeça, era nos bons velhos tempos em que Moscovo era nossa aliada. Ahhh nostalgia camaradas! "Oh tempo volta pra trás"! Seja como for, isto só lá vai com nacionalizações. Nacionalizamos as empresas todas e acaba-se o défice do Estado, passamos logo a ter superavit! Os patrões e a alta burguesia, destituídos imediatamente com uma visita guiada sem retorno ao Alentejo (Não temos a Sibéria mas temos 45ºC no Verão). Os latifundiários bem que podiam ser linchados na praça pública; era o que faltava! A Terra a quem a trabalha! Ah camaradas... se ao menos aquele 25 de Novembro de 1975 nunca tivesse acontecido, Portugal era bem diferente nos dias de hoje. Isso garanto-vos eu. Saudações amarguradas de um nostálgico (com a Internacional como música de fundo)

 
At 21 de junho de 2005 às 17:32, Anonymous Anónimo said...

Deves andar muito enganado.
Com os autores do blog.

 
At 21 de junho de 2005 às 18:40, Anonymous Anónimo said...

Mas este governo está a tomar medidas precisamente equivalentes às do Estado Novo. O que está a fazer com os funcionários públicos é disso prova. Que tal irem buscar o dinheiro da CEE onde o entregaram: os belos montes alentejanos que surgem como turismo de habitação mas que na realidade não são, os grandes jipes... as empresas que receberam o dinheiro mas não se interessaram em recuperar as empresas...

 
At 22 de junho de 2005 às 09:06, Anonymous Anónimo said...

Há personalidades cuja inteligência funciona com um fascinante sentido da simplificação.

Têm o dom de analisar as coisas com um rigor que faz parte da própria evidência a que chegam, tal como na demonstração, elegante e irrefutável, de um teorema.

E então, de pouco valem retóricas e dialécticas mais ou menos adiposas, pantominas de circo e vários outros expedientes do mesmo quilate.

Foi isto o que aconteceu na semana passada, com a extraordinária entrevista de Manuela Ferreira Leite à jornalista Judite de Sousa na RTP1.

Diga-se desde já que essa entrevista assinala o princípio da queda do Governo socialista.

A história registará que, no dia 16 de Junho de 2005, ficou calmamente demonstrado, por "a mais b", que José Sócrates não vai resolver um só dos problemas do País e contribuirá para agravá-los a todos.

A cotação do Governo já tinha começado a resvalar, devido a um conjunto de medidas cujo populismo contraproducente atinge as raias do delírio e a uma série de comportamentos tergiversantes, quando não mesmo contraditórios de todo.

Podia no entanto pensar-se que isso se devia, em grande parte, a uma reacção esperável da parte dos sectores mais afectados.

As medidas a tomar teriam de ser necessariamente impopulares, embora acabassem por surgir toscamente embrulhadas numa orquestração demagógica, destinada a desviar as atenções do essencial.

Nesse comprimento de onda, até o digno ministro das Finanças se prestou a arcar com uma tão inesperada quanto sorumbática propensão para o masoquismo.

Não consta todavia que as condições de reforma dos administradores do Banco de Portugal tenham sido alteradas.

Muito menos consta que alguém tenha ficado convencido de que é possível o Estado recrutar gente qualificada e competente ao preço da uva mijona.

Manuela pôs à mostra as manhas, as incoerências, os erros, as cosméticas e demais partes gagas deste Executivo e dos seus acólitos, desmontando-as com uma serena sobriedade, com uma autoridade paciente e pedagógica e, sobretudo, com uma sensatez e uma simplicidade desarmantes.

Com a sua entrevista, iniciou- -se o desmoronamento moral e político do Governo.

Sem precisar de levantar a voz nem de se exaltar, no jeito quase maternal de quem explica um problema de aritmética a uma criança, deixou à vista de toda a gente as fitas montadas pelo Governo sobre o estudo encomendado ao Banco de Portugal, os jogos malabares já em curso a propósito do défice, a agressão do aumento de impostos, o erro fatal no tocante às Scut, a demagogia barata a respeito do fim do sigilo bancário e do sigilo fiscal, os equívocos grotescos quanto à situação, remuneração e reformas dos funcionários públicos e dos políticos, as medidas sem sentido e, o que é pior, sem efeito, que foram anunciadas.

No dia seguinte, arengando no Algarve, José Sócrates passou pelas afirmações de Manuela como gato sobre brasas e não foi capaz de refutar uma única.

Pode assim resumir-se a situação presente nalgumas proposições muito simples

O Governo anda a vender banha de cobra e não está à altura dos desafios e dos problemas que o País tem de enfrentar.

Nomeadamente, vai aumentar as receitas para aumentar a despesa pública e não para a diminuir; vai criar a erosão do Estado; vai avariar a sociedade civil; vai desagregar o tecido empresarial; vai atrasar a recuperação.

Esta gente tem de ser rapidamente penalizada.

Para isso, as eleições de Outubro serão uma oportunidade de ouro.

 
At 22 de junho de 2005 às 10:18, Anonymous Anónimo said...

Etnólogo e musicólogo amador, poeta e romancista "neorealista", desenhador simbólico e pintor, amante de Shakespeare e de Schiller, Álvaro Cunhal não tem, no seu espólio conhecido, uma única linha de denúncia do estalinismo. Ora este não foi um sonho, nem um mero "erro", ou "desvio". Tratou-se de um crime que exterminou dezenas de milhões: pessoas, casais, famílias, grupos e nações. É também apressado supor, como alguma doutrina comprometida, que não há um elo de ligação entre nacionalismo e o nacional-socialismo. Não me refiro ao embaraçoso pacto Molotov-Ribbentrop, de 23 de Agosto de 1939, que durou quase dois anos, que permitiu (mercê do seu protocolo adicional) a ocupação da Polónia e das nações bálticas, e que, no seu artigo III, referia os "interesses comuns" do Reich e do Soviete. Falo das estruturas, processos, formas mentais e pressupostos: só tomados à letra, e desculpada a reserva mental, se pode ignorar a mãe transpersonalista destes regimes.

 

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