DO CORREIO...
IRC: o mal-amado
970 empresas pagam cerca de 2/3 do IRC, e 45 (quarenta e cinco) num universo de 331 mil explicavam 1/3 da receita do IRC!
Decididamente, uma boa parte dos empresários portugueses não gosta do IRC! Os governos mudam, as políticas alteram-se; as conjunturas económicas sobem e descem; o imposto passa de «antiquado» (cedular) a «moderno» (unitário); as taxas reduzem-se, e os benefícios fiscais também (será este o «ponto»?); uma certeza fica, porém: numa perspectiva temporal de longo prazo (2 décadas), só cerca de metade das empresas apresenta matéria colectável positiva e paga imposto sobre os lucros! (exclui-se tributação autónoma e similares). A «prova» aí está no quadro junto, e foi confirmada pela divulgação recente dos dados relativos ao exercício de 2004.
Mas será que esta «incomodidade» chamada IRC é um fenómeno tipicamente nacional, isto é, e como diria o Poeta, decorrerá de «erros nossos, má fortuna, (des)amor ardente»?
O imposto sobre o lucro das sociedades sempre foi um imposto algo «controverso», entendida a afirmação neste sentido: é gerador de visões diferentes, quer no plano teórico, quer no plano prático, a principal das quais se centra na justificação para a sua própria existência, dado que, no final, todas as empresas são detidas por pessoas singulares e, portanto, pareceria ser suficiente lançar impostos sobre o rendimento ou património dos respectivos sócios/accionistas (incidência económica).
Um bosquejo sobre as razões mais invocadas para a sua aplicação decorre do facto de se considerar que as pessoas colectivas têm um estatuto legal, uma personalidade jurídica, distinta da das pessoas singulares (argumento jurídico-formal); de serem beneficiárias de serviços e infra-estruturas fornecidas pelo Estado, pelo que devem participar no financiamento dos respectivos custos de provisão (princípio do benefício); e de constituírem manifestações patrimoniais e meios de obtenção de recursos financeiros acrescidos face à pessoa dos seus sócios (capacidade contributiva «autónoma»).
Por outro lado, este imposto tem por objectivo garantir a tributação dos lucros gerados, independentemente das opções sobre o momento e montante da sua distribuição (equidade); a respectiva existência possibilita o seu uso como instrumento ao serviço de políticas de estímulo ao emprego (vide, PME’s), ao investimento e ao desenvolvimento regional, às despesas de I&D, etc. (estabilização e crescimento); permite a aplicação efectiva de tributação sobre os não-residentes (princípio da fonte); e, last but not the least, contribuirá (?) para a redução da evasão e da fraude ao assumir-se como uma antecipação ou «pagamento por conta» do imposto devido ou a pagar pelos titulares do capital/sócios e, por esse facto, é também um veículo de menor «resistência fiscal».
Pelo contrário, apontam-se-lhe como principais inconvenientes, a sua «complexidade intrínseca» (argumento técnico - administrativo); a discriminação que opera entre as diferentes modalidades de financiamento empresarial e de rendimentos de capital (argumento clássico); e, mais recentemente, o seu efeito sobre a competitividade empresarial e a «arbitragem fiscal» entre países, existindo mesmo algumas propostas radicais no sentido da sua abolição (formal ou «implícita»).
A verdade, porém, é que o imposto sobre as sociedades existe em todos os ordenamentos tributários modernos (vide, países da OCDE), ainda que a sua importância relativa a nível internacional, enquanto fonte de receita e instrumento orientável de política económica e fiscal, tenha vindo a atenuar-se devido, nomeadamente, a dois dos factores citados, a saber: busca de maior neutralidade e crescente concorrência fiscal. A sua conjugação manifesta-se de forma elucidativa no seguinte facto: no espaço dos últimos 10 anos, as taxas legais de tributação reduziram-se, em termos médios na UE, cerca de 7 pontos percentuais, passando de 38% para 31%, sendo que as taxas efectivas apresentam, igualmente, um perfil de decréscimo.
A concretização destas tendências vem-se manifestando em Portugal através de medidas que, em idêntico período, reduziram de forma significativa a taxa do imposto em 12 p.p. (de 39,6% para 27,5%, incluindo derrama), bem como procuraram alargar as respectivas bases legais (através da redução de benefícios fiscais e da criação de regimes simplificados) e impor montantes mínimos de imposto (incluindo tributações autónomas).
Aspecto que aparece como surpreendente é o de as receitas do IRC relativamente ao PIB e às receitas totais se apresentarem acima das tendências internacionais, apesar de, como vimos, se assistir a um não-crescimento estrutural do número de contribuintes efectivos. Portanto, uma continuada concentração de imposto num número relativamente reduzido de contribuintes que, deste modo, carregam um fardo (fiscal) eventualmente desproporcionado: segundo dados de 2003, num universo total de 331 mil empresas, 970 pagavam quase 2/3 do total de 2,8 mil milhões de euros liquidados, e escassos 45 contribuintes e grupos de empresas (nos quais se incluem algumas das mais importantes empresas ainda públicas) explicavam 1/3 da receita do IRC!
Assim, e apesar de certo optimismo orçamental, esta situação de potencial instabilidade coloca em stress permanente a receita do IRC, pelo que, atento o contexto nacional e internacional, os tempos futuros, não se avizinham fáceis para os gestores do imposto...
J. Gomes Santos
Decididamente, uma boa parte dos empresários portugueses não gosta do IRC! Os governos mudam, as políticas alteram-se; as conjunturas económicas sobem e descem; o imposto passa de «antiquado» (cedular) a «moderno» (unitário); as taxas reduzem-se, e os benefícios fiscais também (será este o «ponto»?); uma certeza fica, porém: numa perspectiva temporal de longo prazo (2 décadas), só cerca de metade das empresas apresenta matéria colectável positiva e paga imposto sobre os lucros! (exclui-se tributação autónoma e similares). A «prova» aí está no quadro junto, e foi confirmada pela divulgação recente dos dados relativos ao exercício de 2004.
Mas será que esta «incomodidade» chamada IRC é um fenómeno tipicamente nacional, isto é, e como diria o Poeta, decorrerá de «erros nossos, má fortuna, (des)amor ardente»?
O imposto sobre o lucro das sociedades sempre foi um imposto algo «controverso», entendida a afirmação neste sentido: é gerador de visões diferentes, quer no plano teórico, quer no plano prático, a principal das quais se centra na justificação para a sua própria existência, dado que, no final, todas as empresas são detidas por pessoas singulares e, portanto, pareceria ser suficiente lançar impostos sobre o rendimento ou património dos respectivos sócios/accionistas (incidência económica).
Um bosquejo sobre as razões mais invocadas para a sua aplicação decorre do facto de se considerar que as pessoas colectivas têm um estatuto legal, uma personalidade jurídica, distinta da das pessoas singulares (argumento jurídico-formal); de serem beneficiárias de serviços e infra-estruturas fornecidas pelo Estado, pelo que devem participar no financiamento dos respectivos custos de provisão (princípio do benefício); e de constituírem manifestações patrimoniais e meios de obtenção de recursos financeiros acrescidos face à pessoa dos seus sócios (capacidade contributiva «autónoma»).
Por outro lado, este imposto tem por objectivo garantir a tributação dos lucros gerados, independentemente das opções sobre o momento e montante da sua distribuição (equidade); a respectiva existência possibilita o seu uso como instrumento ao serviço de políticas de estímulo ao emprego (vide, PME’s), ao investimento e ao desenvolvimento regional, às despesas de I&D, etc. (estabilização e crescimento); permite a aplicação efectiva de tributação sobre os não-residentes (princípio da fonte); e, last but not the least, contribuirá (?) para a redução da evasão e da fraude ao assumir-se como uma antecipação ou «pagamento por conta» do imposto devido ou a pagar pelos titulares do capital/sócios e, por esse facto, é também um veículo de menor «resistência fiscal».
Pelo contrário, apontam-se-lhe como principais inconvenientes, a sua «complexidade intrínseca» (argumento técnico - administrativo); a discriminação que opera entre as diferentes modalidades de financiamento empresarial e de rendimentos de capital (argumento clássico); e, mais recentemente, o seu efeito sobre a competitividade empresarial e a «arbitragem fiscal» entre países, existindo mesmo algumas propostas radicais no sentido da sua abolição (formal ou «implícita»).
A verdade, porém, é que o imposto sobre as sociedades existe em todos os ordenamentos tributários modernos (vide, países da OCDE), ainda que a sua importância relativa a nível internacional, enquanto fonte de receita e instrumento orientável de política económica e fiscal, tenha vindo a atenuar-se devido, nomeadamente, a dois dos factores citados, a saber: busca de maior neutralidade e crescente concorrência fiscal. A sua conjugação manifesta-se de forma elucidativa no seguinte facto: no espaço dos últimos 10 anos, as taxas legais de tributação reduziram-se, em termos médios na UE, cerca de 7 pontos percentuais, passando de 38% para 31%, sendo que as taxas efectivas apresentam, igualmente, um perfil de decréscimo.
A concretização destas tendências vem-se manifestando em Portugal através de medidas que, em idêntico período, reduziram de forma significativa a taxa do imposto em 12 p.p. (de 39,6% para 27,5%, incluindo derrama), bem como procuraram alargar as respectivas bases legais (através da redução de benefícios fiscais e da criação de regimes simplificados) e impor montantes mínimos de imposto (incluindo tributações autónomas).
Aspecto que aparece como surpreendente é o de as receitas do IRC relativamente ao PIB e às receitas totais se apresentarem acima das tendências internacionais, apesar de, como vimos, se assistir a um não-crescimento estrutural do número de contribuintes efectivos. Portanto, uma continuada concentração de imposto num número relativamente reduzido de contribuintes que, deste modo, carregam um fardo (fiscal) eventualmente desproporcionado: segundo dados de 2003, num universo total de 331 mil empresas, 970 pagavam quase 2/3 do total de 2,8 mil milhões de euros liquidados, e escassos 45 contribuintes e grupos de empresas (nos quais se incluem algumas das mais importantes empresas ainda públicas) explicavam 1/3 da receita do IRC!
Assim, e apesar de certo optimismo orçamental, esta situação de potencial instabilidade coloca em stress permanente a receita do IRC, pelo que, atento o contexto nacional e internacional, os tempos futuros, não se avizinham fáceis para os gestores do imposto...
J. Gomes Santos
3 Comments:
Avisaram-me os meus acessores que hoje estou com menos imaginação que uma pevide. Ainda quis argumentar, e muito socráticamente perguntei: Uma pevide de quê? - ao que me foi respondido muito secamente e com olhos de grande desprezo: de pepino!
Se ao menos fosse uma de abóbora, ainda conseguia aguentar a crítica, puxar uma brasazinha para debaixo do meu entrecosto e pôr aqui mais uma posta ao lume para deleite geral. Mas o lacónico e sensaborão pepino é inelutável.
Devo por isso, a bem da casa, do azorrague e do nosso i-leitoado cessar a actividade até à próxima sessão.
A discussão e aprovação do Orçamento de Estado Rectificativo para 2005 que hoje decorre no Parlamento está-se a revelar um espectáculo ainda mais confrangedor que o habitual. Grassa inimputabilidade.
O actual governo, coitado, que nunca suspeitou de nada nem vinha preparado para estas coisas, culpa o anterior acenando com números, por exemplo sobre os encargos com a titularização das dívidas fiscais ao Citybank e sobre a transferência do fundo de pensões da CGD, das operações que "credibilizaram" os OE anteriores e os fizeram cumprir o défice, e fala da insustentabilidade do OE em vigor da dupla Santana/Bagão, já as oposições à esquerda deliram e à direita desconversam.
O facto é que se o PS não aboliu - e mal - as SCUTS em quase quatro anos o anterior governo também não, o facto é que muitas das reformas, chamemos-lhe assim, que o PS se propõe, como pode e sabe, a fazer só fazem sentido porque a governação anterior que começou com Dr. Barroso e acabou com o Dr. Lopes foi, na melhor das hipóteses, sofrível. O facto é que ninguém quer falar verdade, e assumir as suas próprias responsabilidades e opções. Chega a ser penoso ouvir algumas alminhas, figuras gradas da anterior governação dispararem em todos os sentidos, onde estavam, estiveram, afinal, nos últimos anos ? Como é lamentável ver a figura triste de anjinhos que fazem membros responsáveis deste governo quando fingem surpresa.
Portugal precisava de um debate sério, e responsável, sobre contas públicas, mas isso só será possível quando todos, repito, todos, estiverem preparados para assumir as suas próprias responsabilidades.
Dito isto, espera-se até ao final do dia um pouco de consequência por parte do PS e do actual governo. Se, como dizem, parte das medidas de austeridade nomeadamente o aumento de impostos se devem à má qualidade do OE/2005 então que digam claramente que tendo esse Orçamento sido aprovado com o anterior governo já dissolvido, tendo sido os seus vícios plenamente apontados à época, a culpa - a responsabilidade política - é do Presidente da República, Jorge Sampaio, que irresponsavelmente e contra o mais elementar bom senso o aprovou. A não ser, claro, que seja tudo conversa da... treta.
A VERDADE ÀS PRESTAÇÕES
Em matéria de impostos, o primeiro-ministro não se pode permitir equívocos ou ambiguidades. Mesmo quando o País precisa desesperadamente de boas notícias, é melhor falar verdade. Toda. E não em suaves prestações
A economia tornou-se o pior pesadelo de José Sócrates. Por uma razão simples o primeiro- -ministro pode projectar aeroportos e definir percursos extraordinários para o comboio de alta velocidade, mas não pode decretar o caminho que a economia europeia trilhará nos próximos tempos. Sendo que tem uma certeza: a escalada do preço do petróleo, a progressiva fragilização do euro face ao dólar e a pressão no sentido de uma baixa das taxas de juro na Europa não auguram nada de bom.
O Governo enfrenta, assim, uma coligação de frentes negativas. Dentro de casa, a crise das finanças públicas exige terapêuticas de choque e medidas impopulares; fora de casa, o pessimismo sobre a evolução das economias europeias, e por contágio da portuguesa, é fundamentado e assume-se como bloqueador de uma vaga de fundo que inverta as expectativas negras dos agentes económicos.
Ora, é neste contexto que o primeiro-ministro fala sobre os impostos.
José Sócrates precisa de dar sinais de confiança sobre a economia - e por isso lembra o dilema moral com que se viu confrontado por aumentar os impostos, ao arrepio do que prometeu em campanha eleitoral, e garante que não o voltará a fazer. Mas a incerteza sobre a evolução do cenário internacional, aliada à crise interna, obriga- -o a corrigir o tiro e a promessa de não aumentar a factura fiscal passa, horas depois, a ter prazo de validade um ano, não mais do que isso.
Percebe-se, de novo, o dilema de José Sócrates. Entre admitir novos aumentos dos impostos, aceitando a realidade como ela é, e negá-los, criando uma ilusão útil num ciclo eleitoral adverso, o primeiro-ministro optou pela segunda via. O preço está à vista um assessor que corrige uma afirmação peremptória de um primeiro-ministro é um mau sinal. Um ministro das Finanças transformado em bombo da festa da oposição no parlamento é pior ainda.
Em matéria de impostos, um primeiro- -ministro não se pode permitir equívocos ou ambiguidade. Pede-se-lhe clareza para que os cidadãos programem a sua vida. Mesmo quando o País precisa desesperadamente de boas notícias e a realidade não é uma boa fonte de inspiração, é melhor falar a verdade. Toda. E não apenas em suaves prestações.
Miguel Coutinho
Enviar um comentário
<< Home