quarta-feira, 6 de julho de 2005

DO CORREIO...

IRC: o mal-amado

970 empresas pagam cerca de 2/3 do IRC, e 45 (quarenta e cinco) num universo de 331 mil explicavam 1/3 da receita do IRC!

Decididamente, uma boa parte dos empresários portugueses não gosta do IRC! Os governos mudam, as políticas alteram-se; as conjunturas económicas sobem e descem; o imposto passa de «antiquado» (cedular) a «moderno» (unitário); as taxas reduzem-se, e os benefícios fiscais também (será este o «ponto»?); uma certeza fica, porém: numa perspectiva temporal de longo prazo (2 décadas), só cerca de metade das empresas apresenta matéria colectável positiva e paga imposto sobre os lucros! (exclui-se tributação autónoma e similares). A «prova» aí está no quadro junto, e foi confirmada pela divulgação recente dos dados relativos ao exercício de 2004.

Mas será que esta «incomodidade» chamada IRC é um fenómeno tipicamente nacional, isto é, e como diria o Poeta, decorrerá de «erros nossos, má fortuna, (des)amor ardente»?

O imposto sobre o lucro das sociedades sempre foi um imposto algo «controverso», entendida a afirmação neste sentido: é gerador de visões diferentes, quer no plano teórico, quer no plano prático, a principal das quais se centra na justificação para a sua própria existência, dado que, no final, todas as empresas são detidas por pessoas singulares e, portanto, pareceria ser suficiente lançar impostos sobre o rendimento ou património dos respectivos sócios/accionistas (incidência económica).

Um bosquejo sobre as razões mais invocadas para a sua aplicação decorre do facto de se considerar que as pessoas colectivas têm um estatuto legal, uma personalidade jurídica, distinta da das pessoas singulares (argumento jurídico-formal); de serem beneficiárias de serviços e infra-estruturas fornecidas pelo Estado, pelo que devem participar no financiamento dos respectivos custos de provisão (princípio do benefício); e de constituírem manifestações patrimoniais e meios de obtenção de recursos financeiros acrescidos face à pessoa dos seus sócios (capacidade contributiva «autónoma»).

Por outro lado, este imposto tem por objectivo garantir a tributação dos lucros gerados, independentemente das opções sobre o momento e montante da sua distribuição (equidade); a respectiva existência possibilita o seu uso como instrumento ao serviço de políticas de estímulo ao emprego (vide, PME’s), ao investimento e ao desenvolvimento regional, às despesas de I&D, etc. (estabilização e crescimento); permite a aplicação efectiva de tributação sobre os não-residentes (princípio da fonte); e, last but not the least, contribuirá (?) para a redução da evasão e da fraude ao assumir-se como uma antecipação ou «pagamento por conta» do imposto devido ou a pagar pelos titulares do capital/sócios e, por esse facto, é também um veículo de menor «resistência fiscal».

Pelo contrário, apontam-se-lhe como principais inconvenientes, a sua «complexidade intrínseca» (argumento técnico - administrativo); a discriminação que opera entre as diferentes modalidades de financiamento empresarial e de rendimentos de capital (argumento clássico); e, mais recentemente, o seu efeito sobre a competitividade empresarial e a «arbitragem fiscal» entre países, existindo mesmo algumas propostas radicais no sentido da sua abolição (formal ou «implícita»).

A verdade, porém, é que o imposto sobre as sociedades existe em todos os ordenamentos tributários modernos (vide, países da OCDE), ainda que a sua importância relativa a nível internacional, enquanto fonte de receita e instrumento orientável de política económica e fiscal, tenha vindo a atenuar-se devido, nomeadamente, a dois dos factores citados, a saber: busca de maior neutralidade e crescente concorrência fiscal. A sua conjugação manifesta-se de forma elucidativa no seguinte facto: no espaço dos últimos 10 anos, as taxas legais de tributação reduziram-se, em termos médios na UE, cerca de 7 pontos percentuais, passando de 38% para 31%, sendo que as taxas efectivas apresentam, igualmente, um perfil de decréscimo.

A concretização destas tendências vem-se manifestando em Portugal através de medidas que, em idêntico período, reduziram de forma significativa a taxa do imposto em 12 p.p. (de 39,6% para 27,5%, incluindo derrama), bem como procuraram alargar as respectivas bases legais (através da redução de benefícios fiscais e da criação de regimes simplificados) e impor montantes mínimos de imposto (incluindo tributações autónomas).

Aspecto que aparece como surpreendente é o de as receitas do IRC relativamente ao PIB e às receitas totais se apresentarem acima das tendências internacionais, apesar de, como vimos, se assistir a um não-crescimento estrutural do número de contribuintes efectivos. Portanto, uma continuada concentração de imposto num número relativamente reduzido de contribuintes que, deste modo, carregam um fardo (fiscal) eventualmente desproporcionado: segundo dados de 2003, num universo total de 331 mil empresas, 970 pagavam quase 2/3 do total de 2,8 mil milhões de euros liquidados, e escassos 45 contribuintes e grupos de empresas (nos quais se incluem algumas das mais importantes empresas ainda públicas) explicavam 1/3 da receita do IRC!

Assim, e apesar de certo optimismo orçamental, esta situação de potencial instabilidade coloca em stress permanente a receita do IRC, pelo que, atento o contexto nacional e internacional, os tempos futuros, não se avizinham fáceis para os gestores do imposto...

J. Gomes Santos

3 Comments:

At 6 de julho de 2005 às 10:46, Anonymous Anónimo said...

Avisaram-me os meus acessores que hoje estou com menos imaginação que uma pevide. Ainda quis argumentar, e muito socráticamente perguntei: Uma pevide de quê? - ao que me foi respondido muito secamente e com olhos de grande desprezo: de pepino!
Se ao menos fosse uma de abóbora, ainda conseguia aguentar a crítica, puxar uma brasazinha para debaixo do meu entrecosto e pôr aqui mais uma posta ao lume para deleite geral. Mas o lacónico e sensaborão pepino é inelutável.

Devo por isso, a bem da casa, do azorrague e do nosso i-leitoado cessar a actividade até à próxima sessão.

 
At 6 de julho de 2005 às 13:46, Anonymous Anónimo said...

A discussão e aprovação do Orçamento de Estado Rectificativo para 2005 que hoje decorre no Parlamento está-se a revelar um espectáculo ainda mais confrangedor que o habitual. Grassa inimputabilidade.

O actual governo, coitado, que nunca suspeitou de nada nem vinha preparado para estas coisas, culpa o anterior acenando com números, por exemplo sobre os encargos com a titularização das dívidas fiscais ao Citybank e sobre a transferência do fundo de pensões da CGD, das operações que "credibilizaram" os OE anteriores e os fizeram cumprir o défice, e fala da insustentabilidade do OE em vigor da dupla Santana/Bagão, já as oposições à esquerda deliram e à direita desconversam.

O facto é que se o PS não aboliu - e mal - as SCUTS em quase quatro anos o anterior governo também não, o facto é que muitas das reformas, chamemos-lhe assim, que o PS se propõe, como pode e sabe, a fazer só fazem sentido porque a governação anterior que começou com Dr. Barroso e acabou com o Dr. Lopes foi, na melhor das hipóteses, sofrível. O facto é que ninguém quer falar verdade, e assumir as suas próprias responsabilidades e opções. Chega a ser penoso ouvir algumas alminhas, figuras gradas da anterior governação dispararem em todos os sentidos, onde estavam, estiveram, afinal, nos últimos anos ? Como é lamentável ver a figura triste de anjinhos que fazem membros responsáveis deste governo quando fingem surpresa.

Portugal precisava de um debate sério, e responsável, sobre contas públicas, mas isso só será possível quando todos, repito, todos, estiverem preparados para assumir as suas próprias responsabilidades.

Dito isto, espera-se até ao final do dia um pouco de consequência por parte do PS e do actual governo. Se, como dizem, parte das medidas de austeridade nomeadamente o aumento de impostos se devem à má qualidade do OE/2005 então que digam claramente que tendo esse Orçamento sido aprovado com o anterior governo já dissolvido, tendo sido os seus vícios plenamente apontados à época, a culpa - a responsabilidade política - é do Presidente da República, Jorge Sampaio, que irresponsavelmente e contra o mais elementar bom senso o aprovou. A não ser, claro, que seja tudo conversa da... treta.

 
At 7 de julho de 2005 às 10:45, Anonymous Anónimo said...

A VERDADE ÀS PRESTAÇÕES

Em matéria de impostos, o primeiro-ministro não se pode permitir equívocos ou ambiguidades. Mesmo quando o País precisa desesperadamente de boas notícias, é melhor falar verdade. Toda. E não em suaves prestações



A economia tornou-se o pior pesadelo de José Sócrates. Por uma razão simples o primeiro- -ministro pode projectar aeroportos e definir percursos extraordinários para o comboio de alta velocidade, mas não pode decretar o caminho que a economia europeia trilhará nos próximos tempos. Sendo que tem uma certeza: a escalada do preço do petróleo, a progressiva fragilização do euro face ao dólar e a pressão no sentido de uma baixa das taxas de juro na Europa não auguram nada de bom.

O Governo enfrenta, assim, uma coligação de frentes negativas. Dentro de casa, a crise das finanças públicas exige terapêuticas de choque e medidas impopulares; fora de casa, o pessimismo sobre a evolução das economias europeias, e por contágio da portuguesa, é fundamentado e assume-se como bloqueador de uma vaga de fundo que inverta as expectativas negras dos agentes económicos.

Ora, é neste contexto que o primeiro-ministro fala sobre os impostos.

José Sócrates precisa de dar sinais de confiança sobre a economia - e por isso lembra o dilema moral com que se viu confrontado por aumentar os impostos, ao arrepio do que prometeu em campanha eleitoral, e garante que não o voltará a fazer. Mas a incerteza sobre a evolução do cenário internacional, aliada à crise interna, obriga- -o a corrigir o tiro e a promessa de não aumentar a factura fiscal passa, horas depois, a ter prazo de validade um ano, não mais do que isso.

Percebe-se, de novo, o dilema de José Sócrates. Entre admitir novos aumentos dos impostos, aceitando a realidade como ela é, e negá-los, criando uma ilusão útil num ciclo eleitoral adverso, o primeiro-ministro optou pela segunda via. O preço está à vista um assessor que corrige uma afirmação peremptória de um primeiro-ministro é um mau sinal. Um ministro das Finanças transformado em bombo da festa da oposição no parlamento é pior ainda.

Em matéria de impostos, um primeiro- -ministro não se pode permitir equívocos ou ambiguidade. Pede-se-lhe clareza para que os cidadãos programem a sua vida. Mesmo quando o País precisa desesperadamente de boas notícias e a realidade não é uma boa fonte de inspiração, é melhor falar a verdade. Toda. E não apenas em suaves prestações.

Miguel Coutinho

 

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