terça-feira, 9 de agosto de 2005

ESTUDOS PARA NÃO DECIDIR


Já não é a contabilização da área ardida que impressiona, nem as palavras vagas de António Costa explicando que espera conclusões de novo estudo para decidir a melhor forma de combater os incêndios.

O que impressiona são os milhares de estudos que se produzem ano após ano em Portugal, e aquilo que os políticos fazem com eles.

Repare-se: o estudo que António Costa diz aguardar não é seguramente menos competente do que o Livro Branco que Durão Barroso preparou para aplicação imediata no Verão de 2004. Onde está esse estudo? Seria preciso Costa pedir nova análise? A resposta óbvia, e não política, é "claro que não". Mas a verdade é que os estudos se multiplicam, perdendo-se depois nas gavetas ministeriais. Parece frase panfletária, mas os factos impressionam.

A localização do novo aeroporto na Ota, e a urgência da sua construção, foram sugeridas num estudo que data do tempo de Marcelo Caetano! A construção da rede de comboios de alta velocidade, que Mário Lino insiste em levar em frente com base em relatórios de especialistas, foi moderada depois do anterior ministro das Obras Públicas, António Mexia, ter lido as conclusões de um desses estudos igualmente elaborado por especialistas. Confusos?
Michael Oakeshott, um dos mais brilhantes pensadores políticos britânicos, recusou sempre a vida política, explicando que preferia estar do lado daqueles que produzem relatórios sobre os quais os políticos devem, depois, tomar decisões. Para Oakeshott, era mesmo importante que o processo de decisão política respeitasse essa regra: de um lado os especialistas – que apontam vários caminhos – e do outro os políticos – que optam por seguir um e não o outro. Ou seja, os especialistas estudam e os políticos decidem.

António Costa, portanto, pode pedir estudos – o problema é que, olhando a história nacional, se percebe que os estudos servem apenas para que não se tomem decisões. O plano de Barroso para combater os incêndios tem dois anos, pouco mais. Costa, pedindo um novo relatório, quer ganhar tempo para não decidir – basta apenas que as conclusões do estudo se demorem até ao Outono.

José Sócrates está de férias, mas era bom que voltasse para aplicar as decisões que António Costa adia. Mesmo que, para isso, tivesse de resgatar da gaveta o Livro Branco que Durão Barroso preparou


Martim Figueiredo

1 Comments:

At 9 de agosto de 2005 às 12:28, Anonymous Anónimo said...

A indústria dos incêndios

A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.

Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários seriam pessoas mentalmente diminuídas.

Mas a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:

1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica?

Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências?

Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair?

Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis?

Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?

2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...

3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.

4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.

5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.

Há cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...

Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta - e até as habitações - e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?

Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país.

Há uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de crime.

Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:

1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de equipamento militar.

2 - Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).

3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores

4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos na lei.

5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.

6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios.

Com uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com Marrocos serão inevitáveis a breve prazo.

José G. Ferreira

 

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