DEPOIS DE SÓCRATES, O QUÊ?
«A actual mudança de rumo com a ota e o
tgv pode ser o fim do governo.»
"O ENGENHEIRO José Sócrates começou o seu mandato com medidas impopulares e corajosas. Sabendo-se que os reformadores costumam ter aplausos tímidos de quem acha as reformas necessárias e críticas sonoras dos interesses atingidos, Sócrates nem se pode queixar de falta de apoio. Surgiu, então, um largo leque de economistas (mais largo que o PS) a aplaudir as suas medidas e a justificá-las.
A OTA e o TGV alteraram tudo. A mesma coligação que tinha justificado o aumento do IVA e aplaudido os primeiros passos de Sócrates voltou a falar para condenar sem apelo nem agravo os novos investimentos públicos.
Percebe-se bem porquê: depois do Centro Cultural de Belém, da Expo-98 e dos dez estádios, estamos como estamos. E desta vez não estamos perante a falácia «post hoc, ergo propter hoc».
É muito bom ter um Centro Cultural em Belém mas é pena que já nem haja dinheiro para pagar a temporada de ópera do S. Carlos. A Expo-98 criou um belo espaço urbano, mas não ajuda nada a equilibrar a balança de pagamentos. E a ideia que os dez estádios acabaram a recessão em 2004 é uma história da carochinha que só pode caber na cabeça do dr. Silva Pereira. E já nem queremos falar das comissões e das derrapagens que caracterizam o investimento público em Portugal.
Só com uma fé ilimitada na intervenção do Estado na economia, com aquela fé que remove montanhas e que conduz à paralisia cerebral, se pode aplaudir o investimento público português. É preciso, por exemplo, acreditar que a Caixa Geral de Depósitos possa ser hoje outra coisa senão uma estância de repouso para políticos de diferentes quadrantes em trânsito para indemnizações e reformas de vários tipos.
Quando o pobre eleitor que olha para a televisão em férias se recorda que um investimento de milhões e milhões como o Metro do Porto continua a ter à sua frente o major Valentim «batatas» Loureiro, começa a sentir-se mal ou é de repente acometido por uma variante lusa do neo-liberalismo selvagem. Tudo menos o investimento público!
E depois ainda faltam as tais reformas: em Outubro vamos ter todo o folclore das eleições autárquicas e a apresentação do Orçamento que tem de reduzir o défice. Sem mais espaço para habilidades contabilísticas e sob o olhar atento da Comissão Europeia.
Onde vão ser os cortes desta vez, com o eng. Sócrates a esquecer as reformas e a falar de milhões?
E a recuar no regime de aposentação da função pública ou nos sistemas de saúde da PSP.
Nesta situação, que Governo poderemos ter?
O PS tem a maioria absoluta, mas está a perder de dia para dia aquele mínimo de legitimação que poderia permitir-lhe fazer as reformas a que não tem maneira de escapar. Vai encontrar em Outubro uma situação social degradada e um sector privado exangue e incapaz de continuar a sustentar o sector público com os seus direitos adquiridos e inviáveis.
Se não fosse o euro teríamos as divisas a acabar e em Portugal uma delegação do Fundo Monetário Internacional à espera que o Governo desvalorizasse o escudo e reduzisse os salários reais para reequilibrar a balança de pagamentos. Com o euro, que cria uma moeda que não pode ser desvalorizada, esse papel cabe à Comissão, mas os problemas subjacentes são os mesmos.
Até desse ponto de vista (o regime monetário) a nossa situação é parecida com a da Argentina, que tinha a sua moeda ligada ao dólar mas não conseguia controlar o défice do Orçamento. E tinha também políticos tão prestigiados como os nossos.
Crise económica, crise política. Se a perda do ministro das Finanças for apenas a primeira perda de um ministro das Finanças e tivermos aquela tão sul-americana dança de cadeiras nas pastas económicas, saberemos também que, com ou sem maioria, o Governo está a prazo.
Mas depois de Sócrates, o quê? Um outro governo PS? Não se vê qual. Novas eleições e governo PSD? Sabe-se lá como reagiriam os eleitores e qual seria o nível de abstenção.
Seja como for, as perspectivas são todas más. Que PSD poderia ser alternativa a este se o Governo deixar de conseguir governar?
Sintomas de que isso pode acontecer não faltam.
Quando se ouve falar em défice-obsessão ou em défice-prisão, estamos perante o conhecido movimento de recusa da realidade. Quer dizer que começa a haver no Governo quem pense que isto não pode ser assim tão mau e tem de haver outras alternativas.
A Ota e o TGV são essa busca desesperada de alternativas. E uma mudança de rumo que pode ser o fim do Governo.
Se o fizer perder o único crédito que tinha - a coragem de tomar medidas difíceis - sem que desapareça a necessidade de as tomar, como vai conseguir governar?
Adenda: a única coisa que está a correr bem a este Governo é o aumento das cobranças fiscais e a convicção generalizada de que começa a haver algum perigo nas formas mais cruas de fraude fiscal. E ainda falta uma coisa: a melhor utilização dos sinais exteriores de riqueza em relação aos numerosos contribuintes que não declaram ou declaram valores insignificantes.
Saldanha Sanches
tgv pode ser o fim do governo.»
"O ENGENHEIRO José Sócrates começou o seu mandato com medidas impopulares e corajosas. Sabendo-se que os reformadores costumam ter aplausos tímidos de quem acha as reformas necessárias e críticas sonoras dos interesses atingidos, Sócrates nem se pode queixar de falta de apoio. Surgiu, então, um largo leque de economistas (mais largo que o PS) a aplaudir as suas medidas e a justificá-las.
A OTA e o TGV alteraram tudo. A mesma coligação que tinha justificado o aumento do IVA e aplaudido os primeiros passos de Sócrates voltou a falar para condenar sem apelo nem agravo os novos investimentos públicos.
Percebe-se bem porquê: depois do Centro Cultural de Belém, da Expo-98 e dos dez estádios, estamos como estamos. E desta vez não estamos perante a falácia «post hoc, ergo propter hoc».
É muito bom ter um Centro Cultural em Belém mas é pena que já nem haja dinheiro para pagar a temporada de ópera do S. Carlos. A Expo-98 criou um belo espaço urbano, mas não ajuda nada a equilibrar a balança de pagamentos. E a ideia que os dez estádios acabaram a recessão em 2004 é uma história da carochinha que só pode caber na cabeça do dr. Silva Pereira. E já nem queremos falar das comissões e das derrapagens que caracterizam o investimento público em Portugal.
Só com uma fé ilimitada na intervenção do Estado na economia, com aquela fé que remove montanhas e que conduz à paralisia cerebral, se pode aplaudir o investimento público português. É preciso, por exemplo, acreditar que a Caixa Geral de Depósitos possa ser hoje outra coisa senão uma estância de repouso para políticos de diferentes quadrantes em trânsito para indemnizações e reformas de vários tipos.
Quando o pobre eleitor que olha para a televisão em férias se recorda que um investimento de milhões e milhões como o Metro do Porto continua a ter à sua frente o major Valentim «batatas» Loureiro, começa a sentir-se mal ou é de repente acometido por uma variante lusa do neo-liberalismo selvagem. Tudo menos o investimento público!
E depois ainda faltam as tais reformas: em Outubro vamos ter todo o folclore das eleições autárquicas e a apresentação do Orçamento que tem de reduzir o défice. Sem mais espaço para habilidades contabilísticas e sob o olhar atento da Comissão Europeia.
Onde vão ser os cortes desta vez, com o eng. Sócrates a esquecer as reformas e a falar de milhões?
E a recuar no regime de aposentação da função pública ou nos sistemas de saúde da PSP.
Nesta situação, que Governo poderemos ter?
O PS tem a maioria absoluta, mas está a perder de dia para dia aquele mínimo de legitimação que poderia permitir-lhe fazer as reformas a que não tem maneira de escapar. Vai encontrar em Outubro uma situação social degradada e um sector privado exangue e incapaz de continuar a sustentar o sector público com os seus direitos adquiridos e inviáveis.
Se não fosse o euro teríamos as divisas a acabar e em Portugal uma delegação do Fundo Monetário Internacional à espera que o Governo desvalorizasse o escudo e reduzisse os salários reais para reequilibrar a balança de pagamentos. Com o euro, que cria uma moeda que não pode ser desvalorizada, esse papel cabe à Comissão, mas os problemas subjacentes são os mesmos.
Até desse ponto de vista (o regime monetário) a nossa situação é parecida com a da Argentina, que tinha a sua moeda ligada ao dólar mas não conseguia controlar o défice do Orçamento. E tinha também políticos tão prestigiados como os nossos.
Crise económica, crise política. Se a perda do ministro das Finanças for apenas a primeira perda de um ministro das Finanças e tivermos aquela tão sul-americana dança de cadeiras nas pastas económicas, saberemos também que, com ou sem maioria, o Governo está a prazo.
Mas depois de Sócrates, o quê? Um outro governo PS? Não se vê qual. Novas eleições e governo PSD? Sabe-se lá como reagiriam os eleitores e qual seria o nível de abstenção.
Seja como for, as perspectivas são todas más. Que PSD poderia ser alternativa a este se o Governo deixar de conseguir governar?
Sintomas de que isso pode acontecer não faltam.
Quando se ouve falar em défice-obsessão ou em défice-prisão, estamos perante o conhecido movimento de recusa da realidade. Quer dizer que começa a haver no Governo quem pense que isto não pode ser assim tão mau e tem de haver outras alternativas.
A Ota e o TGV são essa busca desesperada de alternativas. E uma mudança de rumo que pode ser o fim do Governo.
Se o fizer perder o único crédito que tinha - a coragem de tomar medidas difíceis - sem que desapareça a necessidade de as tomar, como vai conseguir governar?
Adenda: a única coisa que está a correr bem a este Governo é o aumento das cobranças fiscais e a convicção generalizada de que começa a haver algum perigo nas formas mais cruas de fraude fiscal. E ainda falta uma coisa: a melhor utilização dos sinais exteriores de riqueza em relação aos numerosos contribuintes que não declaram ou declaram valores insignificantes.
Saldanha Sanches
7 Comments:
O PS já perdeu toda a legitimidade e toda a classe política em geral que na sua maioria não são mais que um conjunto de seres minúsculos que se dedicam à política como se esta fosse um "emprego", daqueles "empregos" de que tantas vezes acusam os funcionários públicos... Só que na verdade estes "empregos" são verdadeiras minas de ouro para quem deles usufrui... os políticos deviam sê-lo por convicção e não por falta de opção. Acredito ainda num ou dois, mas esses não têm cargos políticos, porque esses não interessam à "porca da política".
O TGV rupestre
O Governo anunciou os seus três grandes investimentos em obras públicas a serem lançados durante esta legislatura, para revitalizar a economia com dinheiro fresco dos cofres públicos. Estes são, e por ordem de prioridade, o TGV, o aeroporto de Lisboa e a terceira travessia do Tejo, desta feita ferroviária e integrada no plano de contrução da linha de TGV Lisboa-Madrid. Numa altura em que o "monstro" estatal cobra a sua factura ao país (50% do PIB) com o brinde de uma estimativa de déficit igualmente montruoso, numa altura em que as empresas portuguesas fecham portas, às catadupas, por falta de competitividade, e em que o país se vê a braços com uma seca que está a aniquilar o que resta da nossa agricultura, seria de esperar que o Estado investisse verdadeiramente em projectos que tivessem retorno para a economia (e não apenas nas finanças das empresas de contrução civil).
Mas não. Depois do Centro Cultural de Belém, da Casa da Música, dos pavilhões da Expo 98 votados ao abandono, e do milagre da multiplicação do estádios de futebol, tudo obras primas de despezismo realizadas por génios do desperdício (com o dinheiro dos outros), eis que um novo elefante branco vai surgir para proporcionar inaugurações eleitoralistas e despesas (de investimento e manutenção) e prejuízos a serem sustentados por gerações de portugueses: o TGV. Um equipamento que não só nunca foi devidamente justificado em termos de necessidade funcional e económica, como nem sequer houve a tentativa por parte de sucessivos governantes de desmentir que se trata de um projecto iminentemente político, e contendo uma forte componente iberista na sua iniciativa. Talvez por isto, nenhum investidor privado mostrou interesse por este projecto sem sustentação comercial. E se alguma dúvida houvesse, o Ministro das Obras Públicas esclareceu-a em declarações recentes, ao dizer que o TGV terá necessariamente que ser aproveitado para o transporte de mercadorias porque apenas o fluxo de passageiros não será suficiente para por si só justificar o projecto. Assim, estamos esclarecidos quanto ao próximo desígnio nacional de «chegar a Madrid em menos de 3 horas», ainda que não consigamos esclarecimento do porquê de, depois de 20 anos a receber 1 milhão de contos por dia, ainda demore 3 horas e 45 minutos para se ir de Lisboa a Faro pelo Intercidades (note-se que a linha, embora reformada e electrificada, ainda é quase toda a mesma dos anos 30).
O TGV tem também outra particularidade: com o fim da Sorefame e com ela da nossa indústria ferroviária (à excepção da Metalsines, que fabrica vagões de carga) para empresas portuguesas só virão os contratos da construção da linha férrea, da sua electrificação e automatização, e das estações. Os combóios propriamente ditos serão inevitavelmente importados: mais umas largas dezenas de milhões de contos que sairão do país. Afinal, este projecto que se diz pretender impulsionar a economia, vai beneficiar - sobretudo - os mesmos de sempre: as empresas construtoras.
Já o Aeroporto de Lisboa é uma obra sem dúvida necessária, que já devia ter sido construída há muito porque tem dividendos directos na Economia e não apenas nas contas bancárias de que o vai construir. Ainda assim, é lamentável é que tal obra avance agora, em tempo de "vacas magras".
Mas se tivesse havido um planeamento cuidado e ordenadas as prioridades (por critérios não-políticos), decerto que outros projectos seriam contemplados. Para além do exemplo evidente dos canais de irrigação do Alqueva, recordo uma certa barragem hidro-eléctrica construída mas não concluída em Foz Coa, por razões de conveninência política e em nome da doutrina que «As gravuras rupestres não sabem nadar, Yô!».
Na altura, foi proposta uma solução que permitiria tanto o aproveitamento do caudal do Rio Côa como a preservação das gravuras. Estas seriam protegidas por - assim chamados - sarcófagos, contentores de fibra de vidro, estanques. A dada altura do ano, e durante um curto período, a albufeira seria vazada (e a respectiva água aproveitada para fins hidro-eléctricos), ficando as gravuras a descoberto, os sarcófagos seriam retirados e quem quisesse poderia apreciar as gravuras. Chegado o Outono, as gravuras seriam cobertas de novo e a barragem voltaria a funcionar até ao final do Verão seguinte. Isto seria a forma inteligente de preservar o património rupestre ao mesmo tempo que não se desperdiçava estupidamente todo o caudal de um rio.
Mas como a política há muito que não se coaduna com ideias inteligentes, o então governo Guterres logo proferiu a sentença contra a barragem, instalando-se um parque arqueológico devidamente equipado, a que não faltou uma frota de jipes para safaris rupestres. Este parque recebeu 300 visitantes no primeiro ano (média de menos de um visitante por dia), menos de 100 no segundo ano, e desde então o número de visitantes anuais não foi divulgado pelos média, mas adivinha-se que seja embaraçoso.
Resultado? Uma barragem inacabada, e um investimento desperdiçado; o caudal de um rio desaproveitado; muitos megawatts de energia eléctrica gratuita que correm para o mar; e, "last but not least", a correspondente factura energética de 10 anos a importar petróleo e carvão para compensar a energia hidro-eléctrica desaproveitada.
Nestes tempos em que o barril de petróleo ronda os 50 dólares, em que os empresários se queixam que a nossa indústria tem que pagar a electricidade mais cara da Europa, e em que o Estado continua a pedir mais sacrifícios aos portugueses, estas contas deviam ser feitas e tornadas públicas.
E depois venham dizer para pouparmos água, para fecharmos a torneira enquanto escovamos os dentes.
A tentação do betão
Mário Lino promete uma decisão definitiva sobre a construção do aeroporto da Ota para Outubro e só depois divulgará a informação considerada «pertinente e necessária» que consta dos inúmeros estudos já realizados sobre o projecto. O método é estranho e de utilidade duvidosa. Mas, pelo menos, é coerente com o processo de decisão deste Governo: decidir primeiro para analisar os estudos depois.
Foi assim que a Ota e o TGV apareceram no programa eleitoral do PS como projectos prioritários, antes ainda da equipa ministerial estar sequer escolhida e mergulhada nos prós e contras técnicos dessas obras.
Foi assim, também, que Luís Campos e Cunha foi afastado do caminho, quando ousou recordar o mais elementar bom senso sobre o investimento público: há que analisar previamente o retorno económico e social de cada projecto.
No ponto em que nos encontramos, a decisão de avançar está mais do que tomada e é politicamente irreversível. Porque a decisão primeira é política. Constrói-se o novo aeroporto porque se considera, quase ao nível da crença, que as grandes obras promovidas pelo Estado são um bem em si mesmo. Avança-se para criar emprego e actividade económica durante o período da construção, independentemente dos resultados a longo prazo. Ergue-se porque o sector da construção civil é poderoso, porque há contratos de fornecimento milionários sempre envolvidos nestas obras e, diz-se, é por aqui que se paga a actividade político-partidária. E há, também, o tique pacóvio e terceiro-mundista de associar a boa ou má governação às muitas ou poucas toneladas de betão que são erguidas.
Resta-nos rezar para que a análise técnica já efectuada seja convergente com o facto consumado e aponte, também ela, para a inevitabilidade de se fazer um novo aeroporto perto de Lisboa, depois de pesadas as vantagens e os inconvenientes.
Mas isso só saberemos depois da decisão oficializada, quando o ministro libertar publicamente os estudos efectuados, nos quais já foram gastos mais de 12 milhões de euros. Ou seja, o país prepara-se para discutir a Ota como quem discute à segunda-feira a jornada de futebol.
Esta maneira de fazer as coisas não inspira sossego, sobretudo quando recordamos que o actual primeiro-ministro foi o principal decisor político que levou o país a construir 10 estádios de futebol para o Euro 2004.
Foi José Sócrates quem defendeu a candidatura e os moldes em que ela foi apresentada. Foi ele, rodeado e aplaudido pela «inteligentzia» do futebol, quem garantiu ao país a necessidade de 10 novos palcos em vez de seis e quem colocou as suas mãos no fogo pela racionalidade da decisão.
Sócrates devia agora olhar para o nível de endividamento das câmaras municipais que se envolveram na construção de estádios. E devia explicar como é que estádios como o do Algarve, de Coimbra, de Aveiro ou de Leiria são defensáveis à luz de uma gestão minimamente decorosa dos dinheiros públicos.
Agora é tarde, mas vale sempre a pena tentar aprender com o passado para evitar repetir erros
O Sr. Armando Vara, recém nomeado administrador da CGD, ficou ao que parece com os pelouros da Alta Mercearia. Político feito gestor será ele que decidirá dos grandes empréstimos, dos grandes projectos, dos grandes financiamentos, inclusivé a autarquias. Uma palavar sua, um gesto, vale agora milhões, e daí a a CGD passar a ser vista como uma espécie de saco azul do regime que se abre aos amigos, mais aflitos, vai um passo, um curto e rápido passo. Tudo institucionalizado, tudo legal, sem sombra de pecado. Com Vara todos serão tratados igualmente mas ninguém terá dúvidas de que uns serão muito mais bem tratados que outros. E não, o problema não é Vara ser do PS, e não ficaria resolvido se Vara tivesse como ajudante um qualquer Jorge Coelho lite do PSD, o problema é o critério, ou a sua ausência. Vara serve e é servido, e isso a muitos chega. Em abono da verdade diga-se que a culpa nem é de Vara, mas sim de quem o nomeou, por acção e omissão. Entretanto deslumbremo-nos com o mensalão, é longe, muito longe, e por cá não se passa nada, mesmo nada, Não admira que Fátima Felgueiras pense em regressar do exílio, pudera...
Portugal, "país de pedra"
O "país de pedra" que os incêndios estão a produzir resulta da única política em que somos efectivamente profissionais a política do esquecimento. A estratégia do "já passou". A cultura do "logo se vê"
Passado o momento crítico de mais uma violenta vaga de incêndios, e no momento em que se começa a desenhar o balanço da semana, ficam a pairar acusações soltas, alertas extemporâneos e os culpados do costume. Os autarcas acusam o Governo, o Governo apela aos cidadãos, os bombeiros queixam- -se da falta de meios, as populações queixam-se da descoordenação geral das operações. No fim, fica o ruído habitual. E foi do meio do ruído que saiu, nas páginas do DN de ontem, uma imagem que diz tudo "um país de pedra". É nisso que Portugal se pode transformar a prazo, garante um ambientalista quando confrontado com os dados que a Liga para a Protecção da Natureza revelou: temos sete vezes mais incêndios por 1000 hectares do que a Espanha, 20 vezes mais do que Itália, 22 vezes mais do que a Grécia. São dados preocupantes, que apagam definitivamente a ideia de que o fogo anda à solta, no Verão, por todo o lado. Pelos vistos, anda mais à solta nuns países do que noutros.
Em Portugal, a situação atingiu o nível da calamidade. E ouvindo os especialistas percebe-se que a questão não está nos loucos piromaníacos que a polícia prende e depois liberta, nem nas vagas de calor, nem na seca. A questão está na inexistente política de florestação e ordenamento do território, está na inexistente política de prevenção dos incêndios, está na inexistente política de sensibilização dos proprietários de terrenos para as suas obrigações de manutenção e limpeza, e está na inexistente política de educação para o ambiente. Ou seja, está em tudo o que não existe, se promete que vai existir em momento de tragédia, e depois morre algures nas gavetas dos gabinetes.
Em rigor, o "país de pedra" que vamos deixar aos nossos filhos resulta da única política em que somos efectivamente profissionais a política do esquecimento. A estratégia do "já passou". A cultura do "logo se vê". Somos tão bons a esquecer a tragédia - mal ela passa - que só nos lembrámos dos incêndios de 2003 quando vimos o mesmo filme em 2005. Cumprindo a política do esquecimento, vamos voltar a esta conversa quando, um destes anos, o drama atingir as proporções que agora se contabilizam. O ruído será igual. Só as pedras ganham terreno na paisagem.
PEDRO ROLO DUARTE
Editorial do Diário de Notícias
8 de Agosto de 2005
DEUS PERDOE ESTES PROLIXOS!
E A TI!
SUA BEATA
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