O VALOR DO VOTO NAS AUTÁRQUICAS
O conjunto dos votos «perdedores», as minorias chamemos-lhes assim, extrapolando as situações de fé ou militância, lubrificam a democracia mas fragilizam no tempo as convicções individuais.
Em democracia o valor do voto é inquestionável mas a consciência desse poder é muito diluída, talvez porque o voto de cada um, individualmente considerado, não pesa, as decisões têm por base os somatórios de expressões massificadas em actos eleitorais.
A cotação do voto é mínima para quem se abstém, relativa e inócua a quem vota em branco ou anula o boletim, apenas militante quando se vota por «amor à camisola» e frequentemente desalentadora para quem se pronuncia, imbuído de espírito cívico ou pela presumida melhor opção em cada momento.
O conjunto dos votos «perdedores», as minorias chamemos-lhes assim, extrapolando as situações de fé ou militância, lubrificam a democracia mas fragilizam no tempo as convicções individuais, afinal ninguém gosta de perder.
Em linguagem económica, cada voto é uma mais-valia, um activo cujo valor deve ser introspectado pelo eleitor e valorizado pelos candidatos, nos antípodas das actuais tendências de sedução primária, algo capciosa, quase de notório surripianço.
A democracia pressupõe regras, de novo o ênfase nos direitos e deveres efectivos das partes – é aqui que se centra o essencial do que vale a pena ponderar, em função do valor de facto de cada voto e como optimizá-lo – eis algumas coordenadas de um guião para interpretar, avaliar e, se for o caso, sentir-se co-responsável perante as propostas que aí vêm para a gestão do seu município.
A ideia já foi politicamente aflorada nas últimas eleições legislativas, mas de forma superficial – o conjunto de propostas de cada candidato, deve configurar um contrato-programa a ser estabelecido entre as partes – rigoroso, claro, contido, um conjunto muito restrito de grandes orientações, a serem aplicadas durante o mandato.
Se for caso disso, então, esse contrato pode ser complementado por aditamento(s), para medidas ou iniciativas cuja avaliação se prolongue no tempo – o essencial do que se propõe deve estar condensado no documento-base, o resto é gerir o imponderável do dia a dia e as oportunidades que surgem, em qualquer dos casos tudo deve vir devidamente explicado.
A credibilidade e utilidade de um programa eleitoral passa por aqui, o contrário de propor aos eleitores listagens exaustivas de promessas.
Os compromissos desse documento devem decorrer de orientações políticas explícitas, baseadas em valores cuja interpretação aplicada tem de encontrar respostas para as questões fundamentais do poder local.
A primeira delas decorre do que se pensa e que relações se propõe estabelecer cada município com a comunidade que serve – o que é que deve competir a cada uma das partes, em que consiste e como vai ser assumido o conceito de cidadania, que estratégia ou propostas para fazer valer as relações de vizinhança como fundamento duma sociedade local operante, como fortalecer a possibilidade de intervenção dos munícipes nos processos de decisão, ao invés dos sistemas reactivos de participação clássica. Este quadro de referências deve ser completado com mecanismos para dirimir de forma fácil os conflitos locais e de salvaguarda do respeito e plena autonomia de todos os cidadãos, incluindo os não engajados na vida local.
Retoma-se o que já se escreveu nestas páginas – os cidadãos são accionistas obrigatórios do Estado e por isso especialmente sensíveis às questões financeiras; os orçamentos municipais devem ser amplamente divulgados e explicados de forma acessível, em particular o dinheiro que reverte dos impostos locais. As contas anuais de gerência ganharão outra qualidade se beneficiarem duma dupla e adicional certificação, política (pela constituição de Conselhos Fiscais nos municípios) e técnica (sendo sujeitas à apreciação de Revisores Oficiais de Contas).
Orientações convictas para uma despistagem constante do dinheiro passível de ser mal gasto por decisões técnicas ou políticas e um compromisso claro de proceder aos pagamentos nos prazos estipulados, dão um sinal de respeitabilidade à gestão pública.
A forma como se pensa e propõe desenvolver as políticas clássicas decorrentes das atribuições e competências dos municípios, pode ser apreciada de vários ângulos, de uma forma muito comezinha, por exemplo: mesmo que o Outono traga chuva, verifique o que tem sido feito e o que se propõem fazer os candidatos, de protecção às principais linhas de água e de limpeza permanente das ribeiras – coisas primárias mas de valor incalculável.
A seguir, não necessariamente por esta ordem, vem a organização municipal, a tal máquina político-administrativa que todos vociferamos como um sorvedouro de dinheiro, até se precisar de obra ao pé da porta, uma «cunha» ou um emprego?
Sobretudo nos municípios maiores, mais complexos, em situações de crise e de racionalidade, o desafio é: pessoal melhor, mais qualificado e menos pessoal, sem recorrer a despedimentos.
As estruturas orgânicas devem ser simplificadas, evitando sobreposições de competências, restritas e suficientemente flexíveis em função dos ciclos económicos e sociais; trabalho contínuo para a transparência de processos com base de sustentação ética, respeito pelos cidadãos (com exigência de reciprocidade) e prazos de resposta às suas questões, intransigentemente muito curtos, responsabilizando serviços e funcionários pelo seu cumprimento.
O estatuto dos funcionários deve por eles ser conhecido, cultivado e aplicado, bem como distinguido o mérito e dedicação, suportados em gestão por objectivos.
A humanização, respeito, rentabilidade e confiança nas relações de trabalho a este nível passa, como acontece noutros países, pela progressiva dissociação entre gestão política e gestão das estruturas e recursos municipais; isso implica uma outra atitude também sobre as empresas municipais e participadas, cuja existência tem de ser bem explicada e cujos resultados têm de justificar a actividade.
As reformas do poder local são inevitáveis e devem ser profundas – a escala orgânica e estruturas do modelo autárquico já não correspondem, a reorganização do sistema fiscal é imperativa, de modo a que a cobrança local tenha maior significado nos orçamentos municipais tornando mais efectiva a relação entre eleitos e eleitores, maior liberdade e autonomia de gestão com a correspondente responsabilização.
Até que ponto os candidatos estão cientes disto e ousam defendê-lo na pugna eleitoral?
Mas quem são os candidatos para além das promessas, que compromissos estabeleceram entre si e com as forças políticas que se propõem representar, quem é o número dois de cada lista, que pode substituir o primeiro em caso de impedimento?
Nos Estados Unidos da América os candidatos ao poder local não são necessariamente propostos pelos partidos políticos, os quais, com frequência, apoiam candidatos independentes com os quais se identificam.
Aparentemente, a sociedade civil é ali mais afirmativa e os largos milhares de candidatos a autarcas não necessitam de engrossar as estruturas partidárias como poiso seguro para saltos na carreira, através dum «job» local?
O que nos remete para a delicada questão dos partidos políticos, cuja essência não se discute, mas o modelo a que obedecem, sua natureza, organização e missões, aparentam descolar das exigências da sociedade contemporânea.
Luís M. Sousa
Em democracia o valor do voto é inquestionável mas a consciência desse poder é muito diluída, talvez porque o voto de cada um, individualmente considerado, não pesa, as decisões têm por base os somatórios de expressões massificadas em actos eleitorais.
A cotação do voto é mínima para quem se abstém, relativa e inócua a quem vota em branco ou anula o boletim, apenas militante quando se vota por «amor à camisola» e frequentemente desalentadora para quem se pronuncia, imbuído de espírito cívico ou pela presumida melhor opção em cada momento.
O conjunto dos votos «perdedores», as minorias chamemos-lhes assim, extrapolando as situações de fé ou militância, lubrificam a democracia mas fragilizam no tempo as convicções individuais, afinal ninguém gosta de perder.
Em linguagem económica, cada voto é uma mais-valia, um activo cujo valor deve ser introspectado pelo eleitor e valorizado pelos candidatos, nos antípodas das actuais tendências de sedução primária, algo capciosa, quase de notório surripianço.
A democracia pressupõe regras, de novo o ênfase nos direitos e deveres efectivos das partes – é aqui que se centra o essencial do que vale a pena ponderar, em função do valor de facto de cada voto e como optimizá-lo – eis algumas coordenadas de um guião para interpretar, avaliar e, se for o caso, sentir-se co-responsável perante as propostas que aí vêm para a gestão do seu município.
A ideia já foi politicamente aflorada nas últimas eleições legislativas, mas de forma superficial – o conjunto de propostas de cada candidato, deve configurar um contrato-programa a ser estabelecido entre as partes – rigoroso, claro, contido, um conjunto muito restrito de grandes orientações, a serem aplicadas durante o mandato.
Se for caso disso, então, esse contrato pode ser complementado por aditamento(s), para medidas ou iniciativas cuja avaliação se prolongue no tempo – o essencial do que se propõe deve estar condensado no documento-base, o resto é gerir o imponderável do dia a dia e as oportunidades que surgem, em qualquer dos casos tudo deve vir devidamente explicado.
A credibilidade e utilidade de um programa eleitoral passa por aqui, o contrário de propor aos eleitores listagens exaustivas de promessas.
Os compromissos desse documento devem decorrer de orientações políticas explícitas, baseadas em valores cuja interpretação aplicada tem de encontrar respostas para as questões fundamentais do poder local.
A primeira delas decorre do que se pensa e que relações se propõe estabelecer cada município com a comunidade que serve – o que é que deve competir a cada uma das partes, em que consiste e como vai ser assumido o conceito de cidadania, que estratégia ou propostas para fazer valer as relações de vizinhança como fundamento duma sociedade local operante, como fortalecer a possibilidade de intervenção dos munícipes nos processos de decisão, ao invés dos sistemas reactivos de participação clássica. Este quadro de referências deve ser completado com mecanismos para dirimir de forma fácil os conflitos locais e de salvaguarda do respeito e plena autonomia de todos os cidadãos, incluindo os não engajados na vida local.
Retoma-se o que já se escreveu nestas páginas – os cidadãos são accionistas obrigatórios do Estado e por isso especialmente sensíveis às questões financeiras; os orçamentos municipais devem ser amplamente divulgados e explicados de forma acessível, em particular o dinheiro que reverte dos impostos locais. As contas anuais de gerência ganharão outra qualidade se beneficiarem duma dupla e adicional certificação, política (pela constituição de Conselhos Fiscais nos municípios) e técnica (sendo sujeitas à apreciação de Revisores Oficiais de Contas).
Orientações convictas para uma despistagem constante do dinheiro passível de ser mal gasto por decisões técnicas ou políticas e um compromisso claro de proceder aos pagamentos nos prazos estipulados, dão um sinal de respeitabilidade à gestão pública.
A forma como se pensa e propõe desenvolver as políticas clássicas decorrentes das atribuições e competências dos municípios, pode ser apreciada de vários ângulos, de uma forma muito comezinha, por exemplo: mesmo que o Outono traga chuva, verifique o que tem sido feito e o que se propõem fazer os candidatos, de protecção às principais linhas de água e de limpeza permanente das ribeiras – coisas primárias mas de valor incalculável.
A seguir, não necessariamente por esta ordem, vem a organização municipal, a tal máquina político-administrativa que todos vociferamos como um sorvedouro de dinheiro, até se precisar de obra ao pé da porta, uma «cunha» ou um emprego?
Sobretudo nos municípios maiores, mais complexos, em situações de crise e de racionalidade, o desafio é: pessoal melhor, mais qualificado e menos pessoal, sem recorrer a despedimentos.
As estruturas orgânicas devem ser simplificadas, evitando sobreposições de competências, restritas e suficientemente flexíveis em função dos ciclos económicos e sociais; trabalho contínuo para a transparência de processos com base de sustentação ética, respeito pelos cidadãos (com exigência de reciprocidade) e prazos de resposta às suas questões, intransigentemente muito curtos, responsabilizando serviços e funcionários pelo seu cumprimento.
O estatuto dos funcionários deve por eles ser conhecido, cultivado e aplicado, bem como distinguido o mérito e dedicação, suportados em gestão por objectivos.
A humanização, respeito, rentabilidade e confiança nas relações de trabalho a este nível passa, como acontece noutros países, pela progressiva dissociação entre gestão política e gestão das estruturas e recursos municipais; isso implica uma outra atitude também sobre as empresas municipais e participadas, cuja existência tem de ser bem explicada e cujos resultados têm de justificar a actividade.
As reformas do poder local são inevitáveis e devem ser profundas – a escala orgânica e estruturas do modelo autárquico já não correspondem, a reorganização do sistema fiscal é imperativa, de modo a que a cobrança local tenha maior significado nos orçamentos municipais tornando mais efectiva a relação entre eleitos e eleitores, maior liberdade e autonomia de gestão com a correspondente responsabilização.
Até que ponto os candidatos estão cientes disto e ousam defendê-lo na pugna eleitoral?
Mas quem são os candidatos para além das promessas, que compromissos estabeleceram entre si e com as forças políticas que se propõem representar, quem é o número dois de cada lista, que pode substituir o primeiro em caso de impedimento?
Nos Estados Unidos da América os candidatos ao poder local não são necessariamente propostos pelos partidos políticos, os quais, com frequência, apoiam candidatos independentes com os quais se identificam.
Aparentemente, a sociedade civil é ali mais afirmativa e os largos milhares de candidatos a autarcas não necessitam de engrossar as estruturas partidárias como poiso seguro para saltos na carreira, através dum «job» local?
O que nos remete para a delicada questão dos partidos políticos, cuja essência não se discute, mas o modelo a que obedecem, sua natureza, organização e missões, aparentam descolar das exigências da sociedade contemporânea.
Luís M. Sousa
1 Comments:
Realmente os partidos políticos serão ainda, há falta de melhor, necessários. Mas, o problema é este: os maus políticos têm vencido os bons. Até quando?
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