AFINAL, QUEM VEM LÁ?
Um bulício de intrigas agita a nossa vida.
Sócrates, certamente fatigado, foi até ao Quénia, em safari.
Marques Mendes, airoso e estonteado, ainda não se sabe muito bem para aonde vai.
Santana não pára: das vinte e cinco páginas da levíssima «Única» do pesado «Expresso» para as vinte e quatro horas de noites sempiternas no Algarve, o homem lá vai avisando que anda por aí. Soares escuta. Cavaco está mudo e, pelos vistos, não muda.
Alegre escreve um conto, afinal uma imensa metáfora da sociedade em que vivemos. Jerónimo diz que não disse a Alegre o que um jornal diz que ele disse a Alegre.
Não se sabe que faz, que deseja e por onde anda Ribeiro e Castro. Aliás, ninguém sabe, rigorosamente, que é e quem é Ribeiro e Castro.
Afadigam-se os áulicos de Cavaco, agitam-se os prosélitos de Soares.
A verdade é que a predisposição deste último para salvar a pátria atrapalhou aquele que pretende por ordem nas coisas. Santana proferiu uma ameaça terrível: «Esperem por mim!», e aplicou severas sarrafadas em Cavaco, por ele culpado do estado a que a nação chegou. Percebe-se que irá votar em Soares. Não é caso único, no rancho do PSD. Conheço numerosos deles: querem vingar-se de maliciosas tropelias, de remoções e de afastamentos a que procedeu o «Cary Grant de Boliqueime», na risonha definição de um destacado social-democrata.
A presuntiva reaparição de Soares-candidato travou o ímpeto daqueles (entre os quais o directamente interessado) que conjecturavam constituir um radiante passeio a caminhada de Cavaco para Belém. E as «auscultações» de Mário Soares às «forças vivas» deixou a Direita com a cabeça às voltas. A verdade é que a superioridade humana, política, intelectual e cultural de Soares sobre Cavaco está na base da rivalidade entre ambos. O primeiro é transbordante. O segundo nem sequer está à vontade dentro dos fatos por medida. Não é novidade para ninguém que este causa mal-estar em quantos o rodeiam. E que Mário Soares transforma o acto mais solene numa comunhão de afectos.
Dir-se-á: nem as razões aduzidas a um e a outro são suficientemente poderosas para os qualificar nas funções. Certo. Porém, esses miúdos ritos, só aparentemente são fúteis. Eles definem um carácter, uma personalidade, e, se quiserem, uma estética e uma ética - ou a falta delas.
A indecisão, a dúvida e, até, um pouco de desconcerto insistem em ser o sal e a pimenta da sociedade portuguesa. Este plural sentimento de impotência emerge, com inquietante periodicidade, sempre que regressa a pequena guerra vertical de poderes que entre si se devoram, por estarrecedora inépcia e assustadora mediocridade dos governantes.
Um dos meus correspondentes dizia-me que eu e a minha geração também somos culpados do estado actual do País. Pessoalmente, desde os 20 anos, tentei forçar a fatalidade do destino português lutando, com as armas que me eram próprias, contra as fantasmagorias e o medo que nos eram impostos com violência. Nada tenho a ver com quem governa: sou um governado e um assalariado. Recusei empregos e cargos, rejeitei condecorações dos vários poderes. Acaso acreditei em quem não devia acreditar. Será a minha falta. Não a minha responsabilidade: nunca caucionei pulhas nem canalhas. Se eles assim se revelaram, talvez seja porque já assim o eram. Não dei por isso. Não demos por isso. A culpabilidade histórica não pertence, exclusivamente, a uma só geração. Visem outros alvos, acusem quem é verdadeiramente acusável.
Entre o alvoroço ruidoso, a puridade exige um pouco de discernimento. Não dissimulo a mágoa que me assaltou este jogo de insídias, no qual Sócrates desempenhou um papel tenebroso, e levou a que dois amigos de longa data e fortes capítulos comuns se desaviessem. Gosta-se ou não de Soares e de Alegre, somente uma loucura senil se regozijará com o dissídio entre os dois. Eles representavam o que de mais salutar existe na amizade política. Lamentavelmente, foi dada razão ao axioma de quem política não há amizade nem gratidão.
Todavia, neste imbróglio deplorável, não é apenas o PS que faz transparecer a divisão interna e os conflitos ideológicos que o assolam e diminuem. O PSD não vive como anjo de outro céu. As quezílias e as cisões, os antagonismos e os malabarismos entre eles fornecem-nos o triste espectáculo de uma espécie de demência insone, que malbarata o que resta da herança de Sá Carneiro.
Eis um tempo desprovido de verdade histórica e de grandeza política.
Quem vem lá? - como perguntavam as sentinelas.
Sócrates, certamente fatigado, foi até ao Quénia, em safari.
Marques Mendes, airoso e estonteado, ainda não se sabe muito bem para aonde vai.
Santana não pára: das vinte e cinco páginas da levíssima «Única» do pesado «Expresso» para as vinte e quatro horas de noites sempiternas no Algarve, o homem lá vai avisando que anda por aí. Soares escuta. Cavaco está mudo e, pelos vistos, não muda.
Alegre escreve um conto, afinal uma imensa metáfora da sociedade em que vivemos. Jerónimo diz que não disse a Alegre o que um jornal diz que ele disse a Alegre.
Não se sabe que faz, que deseja e por onde anda Ribeiro e Castro. Aliás, ninguém sabe, rigorosamente, que é e quem é Ribeiro e Castro.
Afadigam-se os áulicos de Cavaco, agitam-se os prosélitos de Soares.
A verdade é que a predisposição deste último para salvar a pátria atrapalhou aquele que pretende por ordem nas coisas. Santana proferiu uma ameaça terrível: «Esperem por mim!», e aplicou severas sarrafadas em Cavaco, por ele culpado do estado a que a nação chegou. Percebe-se que irá votar em Soares. Não é caso único, no rancho do PSD. Conheço numerosos deles: querem vingar-se de maliciosas tropelias, de remoções e de afastamentos a que procedeu o «Cary Grant de Boliqueime», na risonha definição de um destacado social-democrata.
A presuntiva reaparição de Soares-candidato travou o ímpeto daqueles (entre os quais o directamente interessado) que conjecturavam constituir um radiante passeio a caminhada de Cavaco para Belém. E as «auscultações» de Mário Soares às «forças vivas» deixou a Direita com a cabeça às voltas. A verdade é que a superioridade humana, política, intelectual e cultural de Soares sobre Cavaco está na base da rivalidade entre ambos. O primeiro é transbordante. O segundo nem sequer está à vontade dentro dos fatos por medida. Não é novidade para ninguém que este causa mal-estar em quantos o rodeiam. E que Mário Soares transforma o acto mais solene numa comunhão de afectos.
Dir-se-á: nem as razões aduzidas a um e a outro são suficientemente poderosas para os qualificar nas funções. Certo. Porém, esses miúdos ritos, só aparentemente são fúteis. Eles definem um carácter, uma personalidade, e, se quiserem, uma estética e uma ética - ou a falta delas.
A indecisão, a dúvida e, até, um pouco de desconcerto insistem em ser o sal e a pimenta da sociedade portuguesa. Este plural sentimento de impotência emerge, com inquietante periodicidade, sempre que regressa a pequena guerra vertical de poderes que entre si se devoram, por estarrecedora inépcia e assustadora mediocridade dos governantes.
Um dos meus correspondentes dizia-me que eu e a minha geração também somos culpados do estado actual do País. Pessoalmente, desde os 20 anos, tentei forçar a fatalidade do destino português lutando, com as armas que me eram próprias, contra as fantasmagorias e o medo que nos eram impostos com violência. Nada tenho a ver com quem governa: sou um governado e um assalariado. Recusei empregos e cargos, rejeitei condecorações dos vários poderes. Acaso acreditei em quem não devia acreditar. Será a minha falta. Não a minha responsabilidade: nunca caucionei pulhas nem canalhas. Se eles assim se revelaram, talvez seja porque já assim o eram. Não dei por isso. Não demos por isso. A culpabilidade histórica não pertence, exclusivamente, a uma só geração. Visem outros alvos, acusem quem é verdadeiramente acusável.
Entre o alvoroço ruidoso, a puridade exige um pouco de discernimento. Não dissimulo a mágoa que me assaltou este jogo de insídias, no qual Sócrates desempenhou um papel tenebroso, e levou a que dois amigos de longa data e fortes capítulos comuns se desaviessem. Gosta-se ou não de Soares e de Alegre, somente uma loucura senil se regozijará com o dissídio entre os dois. Eles representavam o que de mais salutar existe na amizade política. Lamentavelmente, foi dada razão ao axioma de quem política não há amizade nem gratidão.
Todavia, neste imbróglio deplorável, não é apenas o PS que faz transparecer a divisão interna e os conflitos ideológicos que o assolam e diminuem. O PSD não vive como anjo de outro céu. As quezílias e as cisões, os antagonismos e os malabarismos entre eles fornecem-nos o triste espectáculo de uma espécie de demência insone, que malbarata o que resta da herança de Sá Carneiro.
Eis um tempo desprovido de verdade histórica e de grandeza política.
Quem vem lá? - como perguntavam as sentinelas.
Baptista Bastos
3 Comments:
O retrato do safari
A situação económica do País é de crise e com ela o Governo justifica medidas brutais que afectam a esmagadora maioria dos portugueses.
Nestas circunstâncias, admite- -se que alguém com a responsabilidade e exposição públicas do primeiro-ministro gaste milhares de contos a fazer férias num safari em África?
O turismo constitui - e talvez cada vez mais - um elemento determinante da economia portuguesa que, portanto, é indispensável politicamente valorizar interna e externamente.
Nestas circunstâncias, admite- -se que alguém com a responsabilidade e exposição públicas do primeiro-ministro gaste milhares de contos para fazer férias no estrangeiro - num safari, em África?
Os meses de Agosto e Setembro tinham em Portugal já uma importância política relevante concedida pela preparação das eleições autárquicas.
Tal importância resultou acrescida pelas novidades em torno das presidenciais de 2006, em grande parte geradas por declarações do primeiro- -ministro.
Nestas circunstâncias, admite- -se que alguém com a responsabilidade e exposição públicas do primeiro-ministro vá de férias para África? Fazer um safari. Gastando milhares de contos.
O Verão em Portugal anunciava-se grave devido à prolongada seca e aos previstos picos de calor, com graves consequências no problema dos fogos florestais, a agravar uma situação de dramas humanos e prejuízos materiais já herdada do anterior.
Nestas circunstâncias, admite- -se que alguém com a responsabilidade e exposição públicas do primeiro-ministro vá de férias? Vá para África, para um safari? E gaste milhares de contos?
Não, não se admite.
Mas é um excelente retrato.
Ruben de Carvalho
Confesso que não me ralo mesmo nada que o Primeiro-Ministro esteja no Quénia com os filhos a brincar aos safaris.
Nem me parece que daí venha prejuízo; desconfio até que o homem estando cá a tomar decisões poderia ser mais nefasto ao país do que permanecendo por lá, isolado e incomunicável.
Mesmo assim, não resisto a tocar no assunto - movido porém por preocupações que me parecem mais relevantes do que o paradeiro do Primeiro-Ministro.
São elas as que se prendem com o estado da comunicação social, a que temos, e é uma realidade bem mais importante do que estes primeiros-ministros de passagem.
Tudo está mais uma vez na torção, e na consequente distorção, que afecta esse universo que faz a opinião publicada.
Desafio os profissionais do meio a imaginarem: o que seria o gozo, o alarido, que para aí veríamos nesta silly season se fosse Santana Lopes (que é um garotão imaturo e irresponsável, não duvidem) a estar nesta altura Primeiro-Ministro e andar no Quénia a brincar aos safaris com os filhos?
Estão a ver?
Eu acho que todos devemos preocupar-nos não só com as viagens do primeiro ministro como todas as viagens realizadas pelos políticos pois considero extremamente importante o descaramento com que se pede a quem pouco ganha e nunca saiu do país que aperte o cinto, para depois ver "caramelos" cujo potencial nunca foi demonstrado através de trabalho, a gozarem de tudo e com todos os que trabalham no duro, têm horários a cumprir, têm que contar os centimos para que os seus filhos possam "gozar" um mísero gelado nestes dias abrasadores... este é o país que temos... o país da palavra vã...
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